
O Flamengo terá pela frente, na final do Intercontinental, um adversário que simboliza o ápice individual do futebol europeu atual. Ele veste a camisa do PSG, chama-se Ousmane Dembélé e chega ao duelo credenciado como Melhor Jogador do Mundo. A temporada histórica do francês não apenas o colocou no topo do futebol global, como redefiniu sua própria carreira e transformou o PSG em campeão inédito da Champions League.
Aos 28 anos, Dembélé viveu em 2024/25 um ponto de virada que poucos atacantes alcançam. Foram 35 gols e 14 assistências em 53 partidas, números que, por si só, já o colocariam entre os protagonistas da temporada europeia. O peso real, no entanto, está no contexto: os gols decisivos nas fases eliminatórias da Champions, a liderança técnica em um PSG sem Mbappé e a consolidação de um ataque menos dependente de estrelas individuais e mais orientado a um coletivo agressivo, móvel e vertical.
Ele não foi apenas o artilheiro ou o jogador mais midiático do elenco. Dembélé se tornou o eixo ofensivo de um time que venceu Ligue 1, Copa da França, Supercopa e, sobretudo, levantou pela primeira vez a Champions League. Um desempenho que pavimentou o caminho para a Bola de Ouro e, na sequência, para o prêmio de Melhor do Mundo no FIFA The Best, superando concorrentes como Lamine Yamal e Mbappé.
Para o Flamengo, o desafio não se resume a enfrentar o PSG campeão europeu, mas também a se preparar para cenários distintos. Com ou sem Dembélé, o Rubro-Negro encara um adversário forte; com ele em campo, enfrenta um jogador no auge técnico e mental, capaz de decidir jogos grandes de maneiras variadas – finalizando, assistindo, pressionando e abrindo espaços. O Dembélé que chega como dúvida ao Mundial é muito diferente daquele visto em fases anteriores da carreira, e sua presença pode redefinir o grau de dificuldade da decisão.
Da promessa precoce ao auge tardio
A trajetória de Dembélé ajuda a explicar por que seu auge demorou, mas também por que ele se tornou tão completo. Revelado pelo Rennes, o atacante explodiu ainda adolescente, com 12 gols e cinco assistências na Ligue 1 2015/16, chamando atenção pela ambidestria, velocidade e ousadia no drible. A transferência para o Borussia Dortmund confirmou o potencial: em apenas uma temporada na Alemanha, foram 10 gols, 21 assistências e participação direta no título da Copa da Alemanha.
O salto seguinte parecia natural, mas se tornou um ponto de inflexão negativo. Contratado pelo Barcelona como substituto de Neymar, por mais de 100 milhões de euros, Dembélé nunca conseguiu sustentar uma sequência longa na Catalunha. Lesões recorrentes, problemas físicos e interrupções constantes minaram sua evolução. Em seis anos, perdeu quase 800 dias afastado dos gramados e deixou o clube com a imagem de talento subaproveitado, apesar de números razoáveis: 40 gols e 42 assistências em 185 jogos.
O retorno à França, já no PSG, foi visto inicialmente como um passo lateral. Na primeira temporada, Dembélé foi mais garçom do que goleador, com 12 assistências e apenas seis gols. A percepção externa ainda era a de um jogador espetacular no drible, mas irregular na definição. O cenário mudou de forma radical na temporada seguinte, sobretudo após a saída de Mbappé.
Sem o principal finalizador do elenco, o técnico Luis Enrique precisou redistribuir responsabilidades ofensivas. Dembélé deixou de ser apenas um ponta desequilibrante para se tornar o homem central do ataque, muitas vezes atuando como falso nove. O efeito foi imediato: mais presença na área, decisões mais rápidas e uma eficiência inédita na finalização.
A transformação foi tamanha que, ao final da temporada, Dembélé marcou quase o mesmo número de gols que havia feito em toda a passagem pelo Barcelona. O jogador que antes priorizava o drible passou a combinar repertório técnico com leitura de espaço e frieza diante do gol.
Como joga Dembélé?
O Dembélé atual é um atacante difícil de rotular. Ele pode começar aberto pela direita, cair pela esquerda ou ocupar o centro do ataque, sempre com a mesma naturalidade. Ambidestro, finaliza com os dois pés, ataca profundidade, conduz em alta velocidade e mantém a imprevisibilidade que sempre foi sua marca registrada.
Os números ajudam a ilustrar a mudança de perfil. Na primeira metade da temporada 2024/25, Dembélé atuou majoritariamente como ponta-direita. A partir do início de 2025, passou a jogar mais centralizado, com aumento significativo no xG por finalização e na presença dentro da área. O resultado foi uma explosão de gols: 18 em 11 jogos, incluindo hat-tricks consecutivos na Champions League e sequências históricas no PSG.
A eficiência também mudou. Antes conhecido por chutes de média distância e jogadas individuais longas, Dembélé passou a marcar gols típicos de centroavante: infiltrações curtas, toques rápidos, finalizações de primeira e leitura de rebotes. Isso não eliminou sua capacidade criativa, mas a colocou a serviço de um jogo mais objetivo.
Outro aspecto central é o comportamento sem bola. Sob comando de Luis Enrique, Dembélé se tornou o primeiro defensor do time. Pressiona a saída adversária, fecha linhas de passe e participa ativamente da recomposição. Na campanha do título europeu, foi comum vê-lo liderar a pressão alta do PSG, inclusive em finais e semifinais, comportamento que desmontou adversários como Arsenal e Inter.
– Para mim, um atacante não pode “enganar” o jogo. Ele precisa ajudar o time o tempo todo, atacar e defender – afirmou o francês em entrevista à France Football, ao explicar a mudança de postura.
Essa combinação de intensidade, versatilidade e eficiência transforma Dembélé em uma ameaça constante. Mesmo quando não marca, participa diretamente das jogadas decisivas, seja atraindo marcações, abrindo corredores para companheiros como Barcola, Doué ou Kvaratskhelia, seja com assistências em momentos-chave.
Dembélé será ameaça ao Flamengo?
No contexto da final contra o Flamengo, Dembélé representa mais do que o principal nome do PSG – se estiver em condições de jogo. Mesmo tratado como dúvida, o francês simboliza a diferença de patamar entre as equipes em termos de profundidade ofensiva e soluções individuais. O Rubro-Negro enfrentará um time coletivo forte e, possivelmente, terá de lidar com um jogador capaz de decidir o jogo em um único lance, mesmo quando o sistema adversário funciona.
A imprevisibilidade começa já fora das quatro linhas. Caso esteja apto, marcar Dembélé exige decisões constantes: dobrar a marcação e abrir espaço por dentro ou enfrentá-lo no um contra um, assumindo riscos. Sua ambidestria dificulta o direcionamento defensivo, e sua mobilidade – especialmente quando atua por dentro – cria dúvidas sobre quem deve acompanhá-lo, algo que pode alterar completamente o plano de jogo adversário.
Mais maduro, fisicamente mais protegido ao longo da temporada e em alta confiança, Dembélé chega ao Mundial como a síntese de uma carreira que por muito tempo foi marcada pela promessa. A condição física, no entanto, será determinante. Se estiver em campo, o PSG contará com a versão mais completa de um talento que flertou com o topo por anos até finalmente alcançá-lo.