
A pavimentação da BR-319, rodovia que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO), voltou ao centro das atenções após um embate acalorado entre o senador Omar Aziz (PSD-AM) e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, durante audiência na Comissão de Infraestrutura do Senado nesta terça-feira (27). O confronto expôs mais uma vez a difícil equação entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental na Amazônia.
Histórico de abandono e esperança de integração
Construída na década de 1970 para integrar a região amazônica ao restante do país, a BR-319 teve seu auge durante o regime militar, mas acabou abandonada em 1988 devido à deterioração causada pela falta de manutenção e pelas condições naturais adversas. Hoje, com aproximadamente 885 km de extensão, a rodovia é considerada intransitável em boa parte de seu trecho, especialmente na estação chuvosa.
Desde meados dos anos 2000, governos têm prometido sua reconstrução. Embora programas de manutenção tenham melhorado parcialmente o tráfego, a pavimentação total esbarra em barreiras ambientais e jurídicas, alimentando o debate entre o direito ao desenvolvimento das populações amazônicas e a necessidade de proteção da floresta.
O embate no Senado: acusações e defesa
O senador Omar Aziz, defensor histórico da obra, acusou Marina Silva de travar o desenvolvimento da região ao dificultar os licenciamentos ambientais necessários. Para Aziz, a precariedade da BR-319 comprometeu até mesmo o enfrentamento da pandemia de Covid-19, dificultando o transporte de oxigênio para Manaus. “A senhora atrapalha o desenvolvimento do país”, criticou, acrescentando que os amazonenses deveriam ter o direito de “passear na BR-319” como Marina “passeia na Avenida Paulista”.
Em sua defesa, Marina rejeitou as acusações e destacou que há mais de 15 anos a obra não avança, independentemente de quem esteja no governo. Ela enfatizou a necessidade de uma Avaliação Ambiental Estratégica, alertando para os riscos de desmatamento e grilagem caso a pavimentação seja feita sem o devido planejamento.
“Estou sendo transformada em bode expiatório de uma questão muito mais complexa”, afirmou a ministra. O clima esquentou e, após ofensas por parte de outros senadores, Marina deixou a audiência antes do encerramento.
Desenvolvimento econômico e riscos ambientais
A pavimentação da BR-319 é vista por muitos como fundamental para reduzir o isolamento de Amazonas e Roraima, estados que dependem quase exclusivamente do transporte fluvial — cada vez mais ameaçado por eventos extremos associados às mudanças climáticas. Além de melhorar a logística regional, a obra é apontada como estratégica para o fortalecimento das economias locais.
Por outro lado, ambientalistas e especialistas alertam que a estrada corta áreas de floresta primária e pode impulsionar o desmatamento em até 1.200% até o fim do século, segundo estudos. A rodovia atravessa uma das áreas mais preservadas da Amazônia, conectando o centro do bioma ao chamado “arco do desmatamento”, onde já predominam atividades ilegais como extração de madeira e grilagem.
Outro ponto sensível é o impacto sobre terras indígenas e comunidades tradicionais, que podem sofrer com a expansão descontrolada de atividades econômicas. A ausência de consulta prévia a esses povos, conforme determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), agrava as críticas ao projeto.
Pressão política e flexibilização do licenciamento
Em meio ao acirramento do debate, o Senado aprovou recentemente um projeto de lei que flexibiliza o licenciamento ambiental para obras de manutenção em infraestruturas já existentes — o que inclui a BR-319. A medida, defendida por políticos como Omar Aziz, Eduardo Braga (MDB-AM) e Plínio Valério (PSDB-AM), ainda precisa ser apreciada pela Câmara dos Deputados.
Os defensores da flexibilização argumentam que a burocracia ambiental impede o desenvolvimento e prejudica milhões de brasileiros que vivem na região amazônica. Já os críticos veem a medida como um retrocesso e temem que, sem o rigor ambiental, a pavimentação resulte em degradação ambiental irreversível.
Governança e exemplos a evitar
A experiência da BR-163, rodovia que liga Santarém (PA) a Cuiabá (MT) e que se transformou num dos principais eixos de desmatamento do país, serve de alerta. Ambientalistas defendem que, se a pavimentação da BR-319 avançar, deve ser acompanhada de medidas de mitigação, como corredores ecológicos, passagens de fauna e um plano de governança socioambiental robusto.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que prometeu retomar as obras até 2026, reconhece a necessidade de evitar a repetição de erros do passado, mas a pressão política e econômica aumenta a cada dia.
Um divisor de águas para a Amazônia
A BR-319 é mais do que uma estrada; é um símbolo do dilema que permeia a Amazônia: como conciliar o legítimo direito ao desenvolvimento e à integração nacional com a obrigação de proteger um dos ecossistemas mais importantes do planeta?
Especialistas concordam que o desafio não é impedir a pavimentação, mas garantir que ela seja feita com responsabilidade e sob estrito controle ambiental, evitando que o progresso se transforme em tragédia ecológica.
“Se bem planejada, pode ser um vetor de desenvolvimento. Se feita de forma irresponsável, será um caminho para o colapso”, resume o ambientalista Philip Fearnside, um dos maiores especialistas em Amazônia.
Enquanto isso, a BR-319 segue na encruzilhada, dividindo opiniões e moldando o futuro da maior floresta tropical do mundo.
Fonte: noticiastudoaqui.com