O livro tem estes problemas, no entanto, o maior deles é contar a vida de um artista ou personalidade ainda viva
PORTO VELHO – Recentemente terminei de ler a badalada biografia da atriz e cantora Zezé Motta, escrita pelo ator, dramaturgo e escritor Cacau Hygino. Com o subtitulo “Um canto de luta e resistência”, o livro pretende contar a trajetória da eterna intérprete Xica da Silva, do longa metragem de sucesso dirigido pelo cineasta Cacá Diegues. No entanto, apesar de bem intencionado, o livro é no melhor estilo “chapa branca”, ou seja, escrito por um fã confesso, a biografia fica devendo no quesito profundidade, pois conta pouco da história artística, dos filmes, personagens, músicas da atriz e cantora. Se perde em amenidades e deixa de lado o que realmente deveria ser abordado.
O livro tem estes problemas, no entanto, o maior deles é contar a vida de um artista ou personalidade ainda viva. Este erro o biógrafo e jornalista Ruy Castro jamais cometeria. Perde-se a isenção, ainda mais quando a biografada está ali acompanhando a feitura do livro, sua escrita e desenvolvimento. A intenção é boa, mesmo porque Zezé Motta merece ter sua trajetória contada. Trajetória esta, diga-se de passagem, havia sido melhor contada no livro da coleção Aplauso, publicada pela Imprensa Oficial de São Paulo.
Neste livro, a atriz Zezé Motta, conhecida por seus numerosos trabalhos no cinema, no teatro e na televisão, descreve o cotidiano da mulher negra com a discriminação e sua atuação para tornar realidade a tão idealizada “democracia racial” brasileira. O que mais surpreende no depoimento da eterna “Xica da Silva” é sua paixão pela música e, como cantora, seus encontros inesquecíveis, dividindo palcos com Chico Buarque, Simone, Johnny Alf, Marina, Luiz Melodia, Paulo Moura, entre outros. O álbum de fotos que ilustra este volume e que pertence a Zezé Motta dá a dimensão do talento desta mulher guerreira.
Raimundo Fagner, quem me levará sou eu, da jornalista Regina Echeverria
Lançada há pouco, a biografia do cantor e compositor cearense Raimundo Fagner, pela editora Agir, tem a assinatura da jornalista Regina Echeverria, autora de outras biografias, dentre elas, a da cantora Elis Regina, do polêmico apresentador de televisão Flávio Cavalcanti e de Luiz Gonzaga e Gonzaguinha, obra que serviu de inspiração para o ótimo filme Gonzaga, de pai pra filho, de Breno Silveira. Estou na pagina 200 do livro biográfico do intérprete de Noturno, Jura secreta, Revelação, Mucuripe, Pedras que cantam e tantas outras composições de sucesso, que a autora cita ao longo do livro, que por sinal, deveria trazer o nome do biografado como co-autor, pois a jornalista dá voz ao seu personagem em quase todas as páginas, pelo menos até o momento da minha leitura.
Confesso que ao saber desta biografia, exultei, pois, Fagner realmente merece ter sua trajetória, vida e obra artística, contada, assim como também merecem os conterrâneos e contemporâneos Ednardo, Belchior (sim, saiu um livro sobre ele, mas o artista e seus fãs mereciam coisa melhor) e outros artistas cearenses. No entanto, como no livro biográfico de Zezé Motta, este também carece de mais pesquisa e profundidade. A autora comete vários equívocos, que à primeira vista parecem inócuos para o público em geral e podem passar desapercebidos.
Por exemplo, a autora escreve que Jura secreta, sucesso na voz de Fagner e da cantora Simone, é de autoria dele e Abel Silva. Gostaria de ver a reação da compositora Sueli Costa ao ler esse trecho do livro e constatar que seu nome foi esquecido como a parceria de Abel na composição? E o que dirá o novelista Aguinaldo Silva ao ler que perdeu a autoria de sua novela Pedra sobre pedra para o saudoso dramaturgo e novelista Dias Gomes? Vou parar por aqui. Deixo apenas esses dois furos para que o leitor reflita sobre a credibilidade, não digo total, mas parcial desta biografia.
Ambos os livros são pródigos em elogios e endeusamentos típicos destas biografias, principalmente enfocando personalidades ainda vivas.
Ainda tenho mais quase duzentas páginas para ler.
Fonte: Humberto Oliveira
