Gratia et Jvstitia



Ao conceder indulto de Natal excetuando 'crimes contra o Estado Democrático de Direito', o presidente perdeu a oportunidade de mostrar-se coerente com a mensagem de Natal

 

O presidente da República, na mensagem de Natal, afirmou: “O Natal é um bom momento para relembrarmos os ensinamentos de Cristo: a compaixão, a fraternidade, o respeito e o amor ao próximo. Que cada um de nós reconheça no outro o seu semelhante, que irmão se reconcilie com irmão, que as famílias possam celebrar em comunhão”. Se ele levasse isso a sério, e pusesse em prática, anunciaria, em seguida, a graça de libertar os presos do 8 de janeiro que estão em presídios ou com tornozeleiras eletrônicas. Mas, no mesmo dia da mensagem de Natal, ele excluiu, expressamente, de seu decreto de indulto os “crimes contra o Estado Democrático de Direito”. Entre a paz futura e os antagonismos do passado, preferiu acirrar os antagonismos, como ao se vingar pelos 580 dias em que, condenado em três instâncias, ficou num quarto especial da Polícia Federal em Curitiba. Praticou o contrário da reconciliação manifestada.

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Logo após a queda do bimotor em Gramado, matando a família inteira de um empresário, assombrou as redes uma postagem crudelíssima festejando que “morreram uns ricos, batendo o avião em casas de ricos, todos eleitores do Bozo“. Mensagem típica do ódio de luta de classes. Uma hora depois da tragédia, eu fazia a primeira leitura na missa do Mosteiro de São Bento, com a profecia de Miqueias sobre o nascimento do Salvador, que acabamos de comemorar. As últimas palavras são: “E Ele mesmo será a paz”. Aquele cujo Natal festejamos traz a paz do amor, oposto da guerra do ódio. A paz que Jesus traz é a finalidade da Justiça. A paz é o objetivo da Justiça; resolver os antagonismos entre as pessoas, obtendo a paz. Acirrar ânimos e antagonismos é contrário ao objetivo da Justiça. Cabe indagar se o topo do Judiciário brasileiro tem buscado a paz ou se age em sentido contrário.

Um dos principais tribunais de Roma mostra na fachada o princípio Gratia et Jvstitia. Compaixão e justiça devem andar juntas, porque justiça não é vingança; ao contrário, é pacificação. Essa graça ou compaixão foi o que o presidente anterior concedeu a Daniel Silveira, usando da competência privativa prevista no art. 84, XII, da Constituição. O Supremo, desprezando a competência privativa do presidente da República, anulou o indulto. Daniel Silveira, preso político, não passou este Natal com a família, ao contrário dos milhares de condenados beneficiados com o saidão. Tudo ante o encolhimento ignominioso da Câmara de Deputados, que ignorou o artigo 53 da Constituição, que garante (?) imunidade a deputados e senadores por quaisquer palavras.

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Às vésperas do Natal, em evento musical, artistas militantes de esquerda, ao saberem da presença do ministro Moraes, conduziram o coro “Sem anistia! Sem anistia!” — como se considerassem que o assunto não é com o Congresso, mas com um ministro do Supremo. Em 1979, o governo do general Figueiredo propôs “anistia ampla, geral e irrestrita”, que virou lei. Buscava a pacificação, antes de devolver o poder aos civis. Tido como o principal provocador da ação militar que derrubou o presidente Goulart, Leonel Brizola, ao voltar do exílio, anistiado, me disse: “Companheiro, o que é anistia senão esquecimento? Vamos esquecer o passado e construir o futuro!”. Pergunto se estamos construindo o futuro ou se ficamos presos ao passado, acirrando animosidade a cada dia. 

Anistiados, Fernando Henrique, Dilma e Lula viraram presidentes. Lula foi anistiado pela segunda vez, via Supremo, de três condenações na Lava Jato. Serra, anistiado, foi governador; José Genoino, presidente do PT. A anistia de 1979 fez esquecer homicídios, sequestros, assaltos, bombas. Mas agora, para a mãe manifestante armada de batom, a mensagem é “sem anistia”. Esse grito perto do Natal certamente não brota de corações cristãos. Em 1979, o governo que tomou a iniciativa da anistia reconheceu que de seu lado também foram cometidos crimes que precisavam ser esquecidos em nome da paz futura. O jurista Ives Gandra pensa que paz, amanhã, só com anistia para os dois lados, hoje. Anistia para os que cometeram crimes de arbítrio e contra a Constituição e para os “antidemocráticos” sem meios para um golpe, do outro lado.

Ao conceder indulto de Natal excetuando “crimes contra o Estado Democrático de Direito”, o presidente perdeu a oportunidade de mostrar-se coerente com a mensagem de Natal, com o que se apresentaria como Lula, o magnânimo. Confirmou que isso não é da natureza dele. Lula não o fez, mas a oportunidade se oferece para os outros que seguem o odioso objetivo da vingança. Saudações de “feliz Natal” são apenas hipocrisia se não houver gestos de paz e conciliação. É necessária a sabedoria da ação de paz para homenagear o Natal Daquele que é a própria paz, pois só com gratia a jvstitia cumpre o objeto de sua existência. Sem essa paz não haverá ano novo feliz.

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(revistaoeste)



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