Salgadeiro anda de bicicleta 30 quilômetros por dia para "matar" a fome de funcionários públicos
Francisco Leite da Costa, o Ceará, é um brasileiro que vende salgados. Seu dia começa às 3h30.
De sua casa, no bairro Socialista (zona leste de Porto Velho) à Avenida Farquhar, no bairro Pedrinhas, ele percorre 30 quilômetros de ida e volta numa bicicleta cargueira. "Já fui atropelado duas vezes", conta.
No ponto protegido por um guarda-sol, em frente ao alambrado à direita do Palácio Rio Madeira [sede do Governo de Rondônia], ele atende diariamente das 6h15 às 11h. Quase sempre vende tudo.
Sucos de cajá, cupuaçu, manga, maracujá, e detox, saltenha de carne e de frango, pastel de queijo, croquete de macaxeira e enroladinho são seus produtos.
"Até quem não se alimenta vem aqui para prosear um pouco, ver a passarela da fama e se alegrar pra começar bem o expediente" — referindo-se aos servidores públicos que transitam diariamente pela calçada.
"Uns gostam de falar de política, outros apreciam as mulheres bonitas, outros não assistiram o jogo da noite e vem saber do resultado" — ri.
Atualmente, vende os salgados e sucos por R$ 2 a unidade. O cafezinho é grátis, mas Ceará aceita de presente um pacote do produto daqueles que o bebem todo dia.
DESTEMIDO
Se ainda existem mesmo destemidos pioneiros, como alardeiam em festas comemorativas e na propaganda governamental, Ceará é um migrante corajoso que fez a vida no peito e na raça no interior.
Anteriormente trabalhou na Capital paulista e noutras cidades daquele estado. Desde 2002 vive em Porto Velho.
Nosso personagem não para, desde que chegou a Rondônia nos anos 1970, trabalhando em Espigão do Oeste – "tempo do faroeste", como ele frisa. Testemunhou crimes banais, brigas e mortes por disputa de terras, e conheceu diversas autoridades dos tempos do Território Federal de Rondônia.
Não fez fortuna das grandes, mas o esforço contínuo para crescer no seu pequeno ramo de negócio lhe permitiu formar uma filha nutricionista infantil na Faculdade Uniron, auxiliar outra formada em fisioterapia, e adquirir pequenos imóveis na zona leste, os quais alugou.
Ceará se vale da secular caderneta – usa uma miudinha – para anotar as contas mais numerosas, mas demonstra uma virtude: confia no que dizem os fregueses a respeito do consumo de seus produtos. Às vezes leva algum calote, incrivelmente, de funcionários públicos.
Não esmorece, e segue a caminhada faça chuva ou sob o característico mormaço porto-velhense. E se sente feliz com a atitude da maioria que paga religiosa e estaturiamente na data do salário, pelo que consome durante o mês.
Sempre conta às pessoas que 27 anos de carteira assinada não lhe possibilitaram o que tem hoje: casa própria, quatro apartamentos pequenos, os estudos e a formação da filha.
Guerreiro, destermido pioneiro? Seja lá o que for, Ceará é um brasileiro para quem nunca houve tempo ruim.
MONTEZUMA CRUZ
Foto Esio Mendes
No Bairro Pedrinhas
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