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Brasil em chamas

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ColunistaMontezuma Cruz

A eleição de Bolsonaro faria surgir um país ainda pior, dependente de um salvador da pátria, de um messias alucinado.

Uma parcela expressiva (talvez preponderante) do eleitor de Jair Bolsonaro à presidência, situado principalmente na classe média, quer jogar mais gasolina no país.

Por entender que o Brasil apodreceu e que não há alternativa construtiva diante de um rol de políticos corruptos e incompetentes, aposta no pior do pior para promover o fim desse país contaminado por um vírus sem vacina possível. Sujeitando-se ao risco iminente de matar o paciente com a medicação agressiva demais.

“Brasil em chamas” é o título bem apropriado de artigo escrito pelo advogado Miguel Reale Júnior, publicado na edição de ontem de O Estado de S. Paulo. Uma tentativa de propor o reposicionamento do país num caminho mais racional e correto do que tentar uma aventura, que começará ameaçadora no dia seguinte à eleição de Bolsonaro, se este for o desfecho da eleição de outubro, a mais perigosa, inusitada e imprevisível da história da república brasileira.

Reale cita dois temas essenciais para o Brasil melhorar.

Ao invés de extinguir o Estatuto da Criança e do Adolescente, a sua verdadeira efetivação. Para isso, é preciso dar à atenção à infância a prioridade que ela exige. Bandidos estão se formando cada vez mais cedo (e mais agressivamente) na periferia das grandes cidades no vácuo do Estado. Ele negligencia ou ignora completamente a sua missão. O que faz é resíduo de gastos absurdos em outros setores.

A outra questão essencial é a proteção ao trabalho, para que ele se torne de fato via de acesso a uma vida melhor, sem jeitinhos, apadrinhamentos ou corrupção.

Se o Brasil que não queremos mais desaparecer com a eleição de Bolsonaro, no seu lugar surgirá um país ainda pior, dependente de um salvador da pátria, de um messias alucinado, de um candidato a ditador. O primeiro candidato assumidamente fascista na história política do Brasil.

O artigo:

“O quadro das eleições suscita perplexidades: os eleitores, quando não estão indecisos, dividem-se entre um tosco e um condenado por corrupção, inelegível.

O presidenciável Jair Bolsonaro sentiu-se à vontade junto à classe média e à elite do interior paulista para mostrar livremente seu programa de governo. Assim, de forma altissonante, bradou a toda a força: “Estatuto da Criança e do Adolescente [ECA) tem de ser rasgado e jogado na latrina. É um estímulo à vagabundagem e à malandragem infantil”.

No mesmo ato, Bolsonaro pegou no colo uma criança, garoto de cerca de 4 anos, vestido com uniforme de policial militar, e perguntou-lhe se sabia atirar. “Você sabe atirar? Atira!”, disse, enquanto tentava fazer que o garoto apontasse o dedo imitando uma arma em direção ao público. O candidato, depois, em entrevista, confirmou que incentiva o uso de arma por crianças, mesmo porque ensinou seus filhos a usarem revólver desde os 5 anos.

O ECA, que o pretendente a presidente sugere jogar na latrina, é reputado internacionalmente documento exemplar de consagração e garantia total de direitos da criança, tendo efetivado, ao longo de seus quase 30 anos de vigência, frutos fundamentais. O ECA instituiu como direito da criança não só, por exemplo, o de ir e vir nos logradouros públicos, mas o de brincar e praticar esportes e de participar da vida comunitária.

A proteção total compreendeu a imposição legal, no artigo 8.º, do exame pré-natal, que tantos males preveniu e tem impedido em favor de gestantes e dos fetos, reduzindo resultados nefastos que ensombreciam o País. No artigo 14 do ECA determinou-se a vacinação obrigatória, com o que se preveniram doenças como poliomielite, gripe, sarampo, para benefício de centenas de milhares de crianças em todo o País.

Para a declaração de direitos não vir a ser mera formalidade, sem efetividade neste Brasil imenso, o ECA determinou, no artigo 131, que em cada município se instalasse um Conselho Tutelar, constituído por membros da comunidade, como órgão responsável, permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente. Esse artigo 131 não virou letra morta. Foram instalados 5.700 Conselhos Tutelares no Brasil, que atuam em defesa das crianças, seja para suprir o poder público ou para afrontar pais e mães omissos ou agressivos às crianças e adolescentes.

Mas o presidenciável decide rasgar e jogar o ECA na latrina e em seu lugar prefere dar aulas de tiro para criancinha de 4 anos. Repito a qualificação utilizada pelo historiador e cientista político Boris Fausto em entrevista ao Estado do último domingo: Bolsonaro “é um homem tosco”. Pouco sabe do que fala e fala muito do que pouco sabe.

Outro exemplo do risco Bolsonaro para o Brasil está no juízo que faz das organizações não governamentais (ONGs), ao dizer: “Conosco não haverá essa politicagem de direitos humanos, essa bandidagem vai morrer porque não enviaremos recursos da União para eles. Em vez de paz, essas ONGs prestam um desserviço ao nosso Brasil”.

O trabalho realizado pelas ONGs no Brasil em favor dos desassistidos é um extraordinário instrumento de paz social, em busca de geração de oportunidades num mar de profundas desigualdades, tentando compensar o que não é proporcionado pelo poder público. Bastaria lembrar o trabalho realizado pelo Instituto Ethos ao criar a Rede de Empresas pela Aprendizagem e Erradicação do Trabalho Infantil, em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que é voltada também para o combate à exploração sexual infantil.

No campo educacional complementar, no carente bairro de Paraisópolis, em São Paulo, o Instituto Afrânio Affonso Ferreira criou a Casa da Amizade, visando ao reforço escolar a jovens carentes e adotando diferentes dinâmicas comportamentais, como aulas de esportes, danças populares, oficinas de arte, temas digitais e profissionais. Esses são pequenos exemplos de centenas de instituições espalhadas pelo Brasil, fruto de pessoas dedicadas, abnegadas, tratadas pelo presidenciável como bandidas.

Usa-se, ao estilo Goebbels, o discurso do medo, como se a segurança brotasse milagrosamente da mãozinha do garoto em forma de revólver. A questão da segurança pública, alardeada por Bolsonaro, é mais um artifício do uso do medo sem sugestões concretas que não a proposta de responder à violência com violência.

Como já abordei em artigo anterior, esse grave problema é complexo e envolve trabalho de inteligência e políticas criminais de cunho social, não se resolve com gestos de espingarda para o ar; exige, antes de tudo, investigação, hoje absolutamente inexistente, e estratégias de ação policial conjunta.

Em seu passeio pelo interior paulista, Bolsonaro soltou outra pérola: “Um país que tem um Ministério Público do Trabalho (MPT) atrapalhando não tem como ir para a frente”. No combate ao trabalho infantil e escravo, o MPT realiza uma tarefa importantíssima. Também defende direitos sociais e individuais dos empregados, fiscalizando sua observância.  Se algum membro do Ministério Público, no exercício de fiscalização, cometeu abuso, nada justifica que o presidenciável, para contentar empresário queixoso e futuro eleitor, resolva irresponsavelmente atingir uma instituição desse calibre social e político, culpando-a de impedir o avanço do Brasil.

Esses comportamentos revelam despreparo e precipitação, já vistos também na decisão de propor a saída do Brasil da ONU. Por essas razões, Zeid Al Hussein, alto comissário da ONU para os direitos humanos, na quarta-feira considerou Bolsonaro um grande perigo para o nosso país. Em sã consciência, é um despautério decidir levá-lo à cadeira presidencial. Eleitorado divide-se entre um tosco e um condenado por corrupção, inelegível.

LÚCIO FLÁVIO PINTO
Editor do Jornal Pessoal, Belém (PA)


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