LINGUAGEM CAUTELOSA – Sínodo da Amazônia se esforça em não avançar sinal vermelho
As propostas aprovadas pelos bispos católicos que se reuniram no Sínodo da Amazônia, assembleia de prelados de todos os países pelos quais se espalha a maior floresta tropical do mundo, são típicas de outras reuniões similares convocadas pelo papa Francisco nos últimos anos.
Isso significa que elas combinam uma linguagem cautelosa e o esforço para não avançar o sinal vermelho doutrinário com o potencial para iniciar processos transformadores na dinâmica interna da Igreja Católica.
No caso do sínodo amazônico, um dos pontos cruciais é a compreensão de que precisa existir um diálogo entre o caráter católico “com c minúsculo” da igreja —ou seja, seus traços universais, o que é justamente o significado de “católico” em grego— e as necessidades das diferentes igrejas que perfazem esse todo, espalhadas pelo mundo.
De modo geral, os dois antecessores de Francisco (Bento 16 e João Paulo 2º) tinham um perfil mais centralizador. Os sínodos que convocavam serviam mais para referendar uma agenda preestabelecida pela Santa Sé do que para iniciar discussões relativamente abertas ou levar em conta a possível diversidade no seio do catolicismo.
Mesmo quando os pontífices anteriores pareciam sair desse script, isso era feito de forma a minimizar ao máximo a quebra com a tradição. Bento 16, por exemplo, permitiu que sacerdotes anglicanos que desejavam se integrar à hierarquia católica continuassem casados —uma vez que esse já era o costume da Igreja Anglicana havia quase cinco séculos.
A comparação dessa medida com as propostas do sínodo sobre o mesmo tema é instrutiva. Nunca houve uma tradição similar de sacerdócio de casados na Amazônia, mas mais de dois terços dos participantes do encontro votaram a favor dessa possibilidade por um motivo concreto e pragmático.
Afinal, sem padres fica muito mais difícil celebrar a Eucaristia (comunhão), o centro da vida religiosa católica, argumentam eles, e muitas comunidades da Amazônia chegam a ficar meses ou mesmo anos sem comungar por causa disso.
Além disso, o celibato dos padres não equivale a um dogma de fé, mas é considerado uma regra disciplinar que pode ser flexibilizada —além dos anglicanos que se tornaram católicos, padres de igrejas do Oriente Médio subordinadas a Roma também chegam a se casar. A analogia com as igrejas orientais também foi usada para justificar a recomendação de que se crie uma liturgia especificamente amazônica, inspirada nas culturas nativas da região, assim como as comunidades católicas do Oriente adotam ritos particulares, alguns dos quais antiquíssimos.
Ainda assim, as propostas feitas no sínodo sobre o assunto são apenas um primeiro passo. Os possíveis padres casados da Amazônia, de início, viriam das fileiras dos chamados diáconos permanentes, católicos de idade madura que já participam de suas comunidades e podem celebrar casamentos e alguns outros ritos. Por enquanto, trata-se de um grupo pequeno, insuficiente para suprir, sozinho, a falta de sacerdotes.
Outros aspectos das sugestões feitas pelos membros do sínodo podem ter um impacto maior sobre o catolicismo como um todo. Uma demanda muito citada no encontro, a da ordenação de diaconisas com funções similares às dos diáconos permanentes, não foi endossada formalmente. Mas os participantes pediram que a questão voltasse a ser discutida de modo geral, levando em conta o papel mais ativo que as fiéis do sexo feminino parecem ter tido no cristianismo primitivo. O papa já indicou que vai dar novo impulso à comissão criada por ele para estudar esse assunto em 2016.
Diante dessa série de passos algo hesitantes, é natural se perguntar por que Francisco decidiu se dar a esse trabalho com a Amazônia. Além da preocupação do atual pontífice com o ambiente e a justiça social, temas inseparáveis na região, Francisco parece enxergar que o futuro do catolicismo são as periferias globais.
O “rosto” da igreja, até em termos demográficos, tende a se tornar cada vez menos europeu e ocidental no decorrer deste século. Os cardeais escolhidos por Francisco até agora —oriundos de lugares tão improváveis quanto a Etiópia ou a Polinésia— refletem essa realidade, bem como a tentativa de ir mais fundo na “inculturação” (incorporação de aspectos culturais nativos) católica na Amazônia.
Não se deve esperar que tais mudanças aconteçam sem resistência ferrenha. Um dos símbolos negativos do sínodo foi a invasão de uma igreja de Roma por tradicionalistas, que tiraram de lá a imagem de madeira de uma índia nua e grávida (erroneamente vista por eles como uma “deusa pagã”) e a jogaram no rio Tibre.
A ideia de que a força da igreja vem de sua imobilidade ainda é poderosa tanto política quanto financeiramente no primeiro mundo.
RECOMENDAÇÕES DO SÍNODO PARA A AMAZÔNIA
Medidas ainda precisam da aprovação do papa
Ordenação de homens casados
Eles atuariam como sacerdotes em suas comunidades, com autorização para dar a eucaristia. Medida compensaria a falta de padres na Amazônia
Pecado ecológico
O relatório propõe a criação do 'pecado ecológico', descrito como 'atos e hábitos de poluição e destruição da harmonia do ambiente'
Igreja intercultural
O sínodo afirma que a igreja deve se aproximar dos povos indígenas 'de igual para igual, respeitando sua história, suas culturas, seu estilo de bem viver'
Modelo econômico
O texto defende que a igreja seja 'aliada dos povos amazônicos para para denunciar os atentados os projetos que afetam o meio ambiente' e o 'modelo econômico de desenvolvimento predatório e ecocida'
Mulheres
Por falta de consenso, o relatório final deixou de fora a criação de um diaconato para mulheres. O documento fala em 'ampliar os espaços' da presença feminina, incluindo que os ministérios sejam formados de maneira equitativa entre homens e mulheres
ENTENDA O SÍNODO
O que é sínodo
O Sínodo dos Bispos é uma reunião episcopal de especialistas. Convocado e presidido pelo papa, discute temas gerais da Igreja Católica (como juventude, em 2018), extraordinários (considerados urgentes) e especiais (sobre uma região). Instituído em 1965, acontece neste ano pela 16ª vez.
Especial Amazônia
Anunciado em 2017 pelo papa Francisco, o Sínodo da Amazônia trata de assuntos comuns aos nove países do bioma, organizados em dois eixos: pastoral católica e ambiental. Depois de meses de escuta da população local, bispos e demais participantes se reúnem de 6 a 27 de outubro, no Vaticano.
Para que serve
O sínodo é um mecanismo de consulta do papa. Os convocados têm a função de debater e de fornecer material para que ele dê diretrizes ao clero, expressas em um documento chamado exortação apostólica. As últimas duas exortações pós-sinodais foram publicadas cerca de cinco meses depois de cada assembleia.
Quem participa
O Sínodo da Amazônia reúne 185 padres sinodais (como são chamados os bispos participantes), sendo 57 brasileiros. Além dos bispos da região, há convidados de outros países e de congregações religiosas. Também participam líderes de outras comunidades cristãs, da população e especialistas —no total, há 35 mulheres. O papa costuma presidir todas as sessões.
Principais polêmicas
Este sínodo tem recebido críticas do governo brasileiro, incomodado com o viés ambiental e pressionado pela situação na Amazônia, e da ala conservadora da igreja, que vê como inapropriado o debate sobre a ordenação de homens casados como sacerdotes, a criação de ministérios oficiais para mulheres e a incorporação de costumes indígenas em rituais católicos.
REINALDO JOSÉ LOPES
Folha de S. Paulo
Fotos de Andréa Solaro (AFP) e Tiziana Fabi (AFP)
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