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Inspiradas nas dúvidas da cantora, criamos guia de verbetes sobre política para quem tem vergonha de perguntar

 

Aos 27 anos, a cantora Anitta já é dona de uma coleção de feitos superlativos no currículo: se sobressaiu como principal nome de um estilo musical historicamente dominado por homens, foi a brasileira mais ouvida no exterior em 2019 e é uma das celebridades brasileiras mais influentes nas redes sociais —só no Instagram, são 46 milhões de seguidores.

Mesmo assim, Anitta admitiu essa semana durante uma live com a advogada e apresentadora Gabriela Prioli que desconhece questões sobre o funcionamento da política no país. Para a amiga e para o Brasil ver, ela não teve medo de perguntar, por exemplo, se os ministérios fazem parte do Poder Judiciário. Não fazem, eles integram a estrutura do Executivo federal, sob comando do presidente Jair Bolsonaro.

O 'tribunal da internet' correu para sentenciar: ela foi chamada de ignorante e teve que ouvir gente dizer que ela deveria falar só de entretenimento, não de política. Como política é lugar para todos e vergonha passa quem não pergunta, a reportagem de Universa separou alguns conceitos que, embora corriqueiros, podem ajudar a entender melhor o cenário.

"Estou começando a entender agora o que é direita e esquerda, o que são os partidos. Então, não estou aqui para promover ninguém. Quero que as pessoas, principalmente a minha geração, sintam interesse na política e entendam de maneira fácil", disse ela, em outra live.

Abaixo, alguns verbetes explicados por especialistas em história ou em ciência política.

O QUE É?

DEMOCRACIA

Embora o conceito mais antigo de democracia remonte ao simplificado "soberania exercida pelo povo", da Grécia, conceitos mais atuais transformaram e acrescentaram novas nuances a ela, embora permaneça a ideia de que se trata de um governo com participação popular. De acordo com a cientista política Geórgia Santos, de Porto Alegre, democracia, a partir de entendimentos mais recentes, pressupõe o regime dotado de uma constituição capaz de garantir eleições livres e amplas, proteção ao cidadão contra arbitrariedades e as condições para que ele efetivamente possa escolher quem o governará. "É preciso entender democracia não apenas como um regime, mas um processo constante em que as relações entre estados e cidadãos sejam equilibradas --e pelo qual os cidadãos não fiquem reféns, mas tenham controle sobre o regime", explica. E adverte: não se pode pensar em democracia "como oposto, ou contrário de ditadura". "Pode haver democracias frágeis, com instituições públicas sob ameaça, sem que, necessariamente, elas sejam ditaduras."

DIREITA x ESQUERDA

Considerada um dos traços atuais de sociedades muito polarizadas, a ambivalência entre direita e esquerda nos debates políticos e ideológicos, para alguns historiadores, vem pelo menos desde a Revolução Francesa (1789). À época, os girondinos, considerados mais conciliadores, ocupavam o lado direito da Assembleia Nacional Constituinte. Mais exaltados, os jacobinos ocupavam o lado esquerdo. A partir do século 19, a polarização ganha novo contorno com a radicalização ideológica de ambos os lados --é quando despontam os autores considerados de direita, como Charles Maurras, e os de esquerda, como Karl Marx, que estimularam gerações de intelectuais. Pelos ideólogos de esquerda, o aperfeiçoamento do mundo virá por meio de políticas que implementem justiça social, igualitarismo ou a socialização dos meios de produção econômica. Os ideólogos de direita, por sua vez, apostam em uma perspectiva de tradição, de valores nacionais ou religiosos. Historicamente, conservadores e progressistas se associam com liberais. Mesmo que haja divergência do ponto de vista político e ideológico, progressistas e conservadores podem concordar quanto à economia.

DITADURA

Segundo a cientista política Geórgia Santos, uma ditadura pode ser definida como um regime político autoritário, sustentado por violência, de caráter ilegítimo, excepcional e violento. "Como é um tipo de regime caracterizado pela concentração do poder, uma consequência disso é a manipulação da ordem política, seja por meio de uma legislação ou de forças de segurança manipuladas", afirma. Diferentemente de uma democracia, ditaduras são regimes centralizadores, com o poder nas mãos de uma pessoa ou de um grupo que governe o Estado. "Os cidadãos não têm liberdade para fazer escolhas, mas isso não significa que não tenham acesso a determinados serviços", ressalva. "Detalhe importante: ditadura não comporta oposição. Ela força consensos." Regimes ditatoriais ao longo da história foram marcados por pertencerem a diferentes correntes ideológicas: a fascista, com líderes como Adolf Hitler na Alemanha e Benito Mussolini na Itália, e a comunista/stalinista, com Josef Stalin na então União Soviética. Ambos nutrem exaltação da nacionalidade e tradição de um país, com uma acentuação da figura do Estado na condução da vida da coletividade.

O QUE É?

COMUNISMO

Entendido por historiadores como um tipo de ordenação social, política e econômica na qual as desigualdades são sistematicamente abolidas, o comunismo parte de um pressuposto comum de que a desigualdade social gera problemas que se desdobram, por exemplo, em violência, miséria e guerras. "O movimento comunista tem um forte traço revolucionário que quer derrubar a ordem burguesa, o capitalismo, a burguesia e as formas políticas que a versão deles acompanham -- a democracia liberal, em suma. Para isso, os comunistas buscam fazer uma revolução da classe proletária e implantar a ditadura do proletariado, conforme consta do próprio manifesto do Partido Comunista", observa Arias Neto. "Historicamente, todas as experiências de comunismo acabaram em regimes autoritários, como no caso de Josef Stálin, que foi para uma vertente totalitária, e um pouco do que se vê na China hoje, embora haja, por lá, um capitalismo de Estado", diz. O regime comunista prega a abolição da propriedade privada -- ela passa a se tornar propriedade do Estado, que reorganiza a sociedade. Entre os nomes de destaque, Arias ressalta os intelectuais Karl Marx e Friedrich Engels, além dos líderes comunistas Lênin, Stálin e Mao Tsé Tung.

FASCISMO

Capaz de se adaptar a diferentes momentos e ideologias da história humana, o fascismo é o movimento político e social que, usando de retórica populista, explora temas como "corrupção endêmica da nação" e o "declínio dos valores tradicionais e morais". Quem cunhou a expressão foi o italiano Benito Mussolini (1883-1945), que, em 1919, fundou a organização Fasci Italiani di Combattimento. "Fasci" significa feixe, referência ao feixe de hastes de madeira com um machado no centro, símbolo da unidade do poder político na Roma Antiga. "É um regime de extrema-direita que propõe o Estado totalitário visando, basicamente, o combate ao comunismo -- o qual remove a harmonia das relações entre o capital e o trabalho sob uma perspectiva corporativista. Mas é marcado também por um forte culto à tradição, militarismo, apologia da violência, recusa da modernidade e à ideia constante de que há um inimigo a se combater -- a velha máxima do 'se você não pensa como eu, você é meu inimigo'. É a ausência do diálogo", diz Arias Neto. Embora o termo seja usado para referir-se ao fascismo italiano, historiadores estendem seu uso para outros regimes daquela época, como o nazismo alemão, o franquismo espanhol e o salazarismo português.

NAZISMO

Entre historiadores, é consenso que o nazismo era um movimento de extrema-direita -- constatação advinda não só da análise do discurso do líder alemão Adolf Hitler e da ideologia do Partido Nazista, como de fatos históricos e dos grupos de apoio aos nazistas. Um traço central da ideologia era o combate e o desprezo ao marxismo e ao comunismo soviético -- cujas ideias tinham adeptos na Alemanha do começo do século 20. Na busca por destruir o marxismo, representado pelo comunismo soviético, Hitler acabou por associá-lo a um suposto plano dos judeus de dominação internacional -- daí o forte sentimento antissemita que, de acordo com o doutor em história social e co-coordenador do Núcleo de Estudos Judaicos da UFRJ Michel Gherman, foi um dos traços mais marcantes do nazismo. "Tanto o fascismo quanto o nazismo nutrem a ideia de que derrotar o outro é fundamental para seu bem-estar. Se trouxermos para a atualidade, é como se o feminismo, por exemplo, fosse o 'judeu', pois é uma referência de ameaça constante a alguns governantes", define. "O judeu, como uma ameaça, era uma invenção que significava, na realidade, uma invenção da modernidade. O nazista, como o fascista, morre de saudades do passado."

Somos um país grande e diverso, em vários aspectos. O Congresso Nacional, que representa o povo, é muito fragmentado. Por isso falamos que no Brasil existe o presidencialismo de coalizão, ele precisa unir os grupos para garantir um número mínimo de deputados e senadores para conseguir governar

O QUE É?

MEIOS DE PRODUÇÃO

É um conceito muito utilizado dentro da teoria elaborada pelo filósofo Karl Marx e significa os meios pelos quais a riqueza se constrói dentro da sociedade. Pode estar relacionado à detenção de terras ou à indústria e ao maquinário, por exemplo. Estes meios sempre pertencem à uma minoria. Dentro do contexto histórico analisado por Marx, quem detinha os meios de produção era a burguesia. Em contrapartida, ao proletariado, composto pelos trabalhadores e a maior parcela da população, cabia vender sua força de trabalho por um salário que não corresponde à riqueza gerada por estes meios. Ou seja, é explorado. Na teoria de Marx, é este o processo que dá origem à luta de classes. "Numa sociedade capitalista, significa que você tem que proteger a propriedade privada, o burguês é dono da fábrica e o trabalhador, que não pode produzir sozinho, tem que vender sua força de trabalho. Numa sociedade socialista, o Estado controla os meios de produção. No mundo comunista, não existe mais estado e os meios são de propriedade comum, todos podem explorar a terra, por exemplo", diz Gabriela Prioli para Anitta.

POPULISMO

O populismo, grosso modo, como as ditaduras, não escolhe apenas regimes de uma determinada corrente ideológica: pode acometer direita e esquerda. "Em geral, pode-se definir populismo como uma espécie de política identitária que se baseia na divisão de dois grupos --o povo e os outros, geralmente a elite--, sob o comando de um líder carismático", analisa a cientista política Geórgia Santos. "Essa liderança tem como bases o carisma e o clientelismo. Apela para defesa e união das massas e dificilmente aflora quando as instituições vão bem", diz. Geórgia cita o autor de "O Que é Populismo", Jan-Werner Müller, que afirma que o populismo é uma ideologia que considera a sociedade dividida em dois grupos homogêneos e antagônicos: "o povo" e a elite corrupta, em geral. Dessa forma, a política deve ser uma expressão "do povo" e da "vontade do povo". Seus opostos são o elitismo e o pluralismo. Como um líder populista afirma representar o bem comum e a vontade do povo, destaca Muller, escândalos de corrupção raramente afetam sua imagem. Podem ser considerados populistas líderes como Donald Trump nos EUA, Silvio Berlusconi na Itália e Hugo Chávez na Venezuela.

UTOPIA

O termo foi criado em 1516 pelo inglês Thomas More para intitular uma de suas obras. Nela, o filósofo faz uma descrição de uma sociedade onde predomina o bem comum, a liberdade religiosa e onde não existe propriedade privada. O livro foi escrito na época em que o rei Henrique 8º estava no poder: ele era absolutista e impôs uma série de restrições durante o seu reinado. Ou seja, uma sociedade da forma como Thomas a descreveu não poderia estar mais longe de ser alcançada. Por isso escolheu o nome "utopia", que é a junção de duas palavras gregas, que podem ser traduzidas como lugar que não existe. O termo "socialismo utópico" foi resgatado por Marx em suas obras. Ele o utilizou para argumentar que o bem comum, como descrito na obra de More, não poderia ser alcançado sem que existisse uma luta de classes. Por isso, ao longo do tempo, a palavra se tornou um adjetivo para se referir às pessoas sonhadoras, que lutam por um modelo ideal, mas que não chegará a ser efetivado, diz a mestre em história Claudia Ribeiro.

Fonte: Uol


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