RENAN MATTOS - 'Interpretar o Ney Matogrosso é a experiência mais gratificante de toda minha vida'
Ator fluminense, que faz sucesso com interpretação do cantor em musical, detalha a sua trajetória, revela curiosidades e destaca a importância do papel na sua formação pessoal e profissional
Nos últimos anos, o ator Renan Mattos pensou seriamente em abandonar a principal paixão de sua vida: os musicais. “Eles são ótimos, mas muito desgastantes. Fiz duas cirurgias de joelho. Vivia com dores por todo o corpo. Além disso, a irregularidade das temporadas me trazia apertos financeiros relevantes. É duro não conseguir pagar as contas com o trabalho que se ama.”
Felizmente, Ney Matogrosso cruzou sua vida. Numa seleção duríssima, Mattos foi o escolhido para viver o cantor, compositor e iluminador no musical Homem com H, em cartaz até 30 de outubro no Teatro Santander 033 Rooftop, em São Paulo. A montagem deverá rodar o país, e os produtores pensam em retratar Ney também em filme.
Nessa conversa com o R7 ENTREVISTA, Mattos, fluminense de Niterói, 38 anos, detalha sua trajetória profissional, conta como foi escolhido, revela o susto que passou ao perder totalmente a voz dias antes do início da seleção e destaca a admiração que nutre pelo cantor e compositor que interpreta nos palcos. “Ney é um artista brilhante, único, e uma pessoa fundamental e pioneira na luta contra todo tipo de preconceito no Brasil, inclusive o de homens na dança”, resume o ator. Entrevista com E maiúsculo. Acompanhe:
No dia em que acompanhou o musical, Ney foi ao camarim depois da apresentação com os olhos cheios d’água. Pegou a minha mão, colocou no coração dele e me abraçou. Em silêncio total. Não falou uma só palavra, mas para mim disse tudo. Obviamente fiquei muito emocionado. Não parava de chorar. Foi um dos grandes momentos da minha vida
RENAN MATOS
Ney Matogrosso gostou do Ney Matogrosso que viu em você?
Renan Mattos – Ele não foi à estreia. Esteve em outro dia. Disse que, quando estreia seus espetáculos, e sabe que o autor de alguma música escolhida para o show está presente, frequentemente erra a letra justamente da música do autor presente. Então disse que não queria levar o mesmo clima para nossa equipe. Tenho cuidado para falar da reação dos outros, mas, no dia em que o Ney acompanhou o musical, foi ao camarim depois da apresentação com os olhos cheios d’água. Pegou a minha mão, colocou no coração dele e me abraçou. Em silêncio total. Não falou uma só palavra, mas para mim disse tudo. Obviamente fiquei muito emocionado. Não parava de chorar. Foi um dos grandes momentos da minha vida.
Como você foi escolhido para representar o Ney?
Foi uma seleção muito concorrida. Mais de 20 candidatos só para esse papel, fora os outros. Eu adoro musical. Participei de outros, entre eles Hair, Peter Pan, Chacrinha, Dzi Croquettes e Vamp, mas estava cansado. Por dois motivos básicos. Musical é apaixonante, mas consome muito o físico. Fiz duas cirurgias de joelho. Tinha dores por todo o corpo. Além disso, a irregularidade das temporadas me trazia problemas financeiros relevantes. Estava cansado de sofrer e perder o sono por falta de dinheiro para pagar as contas. Por essas coisas, deixei o teatro um pouco de lado e fui trabalhar com moda nos últimos quatro anos. Mas Homem com H foi o primeiro musical a me convidar para participar da seleção. Em todos os outros tive que buscar a inscrição. Isso pesou na minha decisão de voltar a tentar. E, claro, o fato de ser o Ney. Para ser sincero, vim porque era o Ney. Fiquei apertado com o dinheiro que gastei para sair do Rio e me manter em São Paulo durante os dias da seleção, com alimentação, passagens, mas valeu.
Fale um pouco sobre você.
Moro no Rio há 15 anos, mas sou fluminense de Niterói. Nasci e fui criado do outro lado da ponte. O Emílio Boechat, coautor da dramaturgia desse espetáculo, também é de Niterói. Tenho 38 anos e sou filho de uma decoradora e de um engenheiro. Sempre gostei de dançar. Na infância, decorava as coreografias da Xuxa, as lambadas do Beto Barbosa e por aí vai. Fiz judô até os 10 anos. As professoras descobriram que eu gostava de dançar e me convidaram para fazer o Elvis Presley em um número. Depois, um vizinho meu, professor de dança, pediu a minha mãe que me deixasse ensaiar com ele para um concurso de lambadas. Ela permitiu, com a condição de não atrapalhar meus estudos.
E depois?
Eu dei uma travada e fiquei longe das apresentações por algum tempo porque sofria muito bullying pelo fato de ser homem e gostar de dançar. Mas um tempo depois resolvi assumir que essa é minha paixão e entrei para um curso de teatro em Niterói. Fiquei lá por três anos e entrei no Tablado, um curso de referência no Rio, fundado em 1951 por Maria Clara Machado. Fiquei lá por quatro anos e fui fazer faculdade na UniRio. Fiz bacharelado em artes cênicas, figurino, e dei um direcionamento para o musical no curso. Obviamente gostaria de montar Shakespeare e outros clássicos, mas também preciso cuidar bem da minha admiração pelos musicais, porque isso é a minha verdade. Antes de me fortalecer como artista, eu me formei em um curso politécnico de produção. Queria ter a capacidade de produzir as coisas e também me produzir. No período da UniRio, participei também, por cinco anos, de uma companhia de teatro.
Estou tão feliz que nem consigo dimensionar essa alegria. Estou transbordando de felicidade. Tendo uma experiência artística e de vida que jamais imaginei que pudesse viver um dia. Isso mexe demais comigo. Estou amadurecendo 40 anos fazendo o Ney, um artista raro, brilhante, exemplar, um homem que contribuiu de forma inestimável e pioneira para a diminuição de todos os tipos de preconceito no Brasil, incluindo o de homem na dança
RENAN MATTOS
Na opinião do Ney, a maior dificuldade para representá-lo seria encontrar o tom de voz dele.
Isso é fato. Os tons e sonoridades atingidos por ele são raríssimos. Eu diria únicos. Mas as pessoas dizem que, a meu modo, estou conseguindo chegar próximo da atmosfera criada pelo Ney. Eu sinto isso também. Olhe, estou tão feliz que nem consigo dimensionar essa alegria. Estou transbordando de felicidade. Tendo uma experiência artística e de vida que jamais imaginei que pudesse viver um dia. Isso mexe demais comigo. Estou amadurecendo 40 anos fazendo o Ney, um artista raro, brilhante, exemplar, um homem que contribuiu de forma inestimável e pioneira para a diminuição de todos os tipos de preconceito no Brasil, incluindo o de homem na dança, desde os momentos de repressão mais dura. E, como se não bastasse, é também um excelente iluminador. Você sabia?
Perdi a voz completamente dias antes da seleção para o musical. Ela não saía de jeito nenhum. O início do teste marcado para uma segunda-feira, e eu totalmente sem voz na quinta-feira anterior. Acredita? Fiz nebulização, outros tratamentos, e a voz só foi voltar no fim de semana, horas antes do início da seleção
RENAN MATTOS
Figurino inspirado ajuda Mattos a 'incorporar' Ney
Sim. Fez grandes trabalhos de iluminação em shows, monumentos e até em prédios históricos. Você perdeu a voz dias antes do teste para o papel? Como foi isso?
Verdade. Do convite ao início do teste, tive uma semana pra me preparar. Disse a mim mesmo: a única coisa que preciso mostrar é a minha verdade. E aí perdi a voz completamente. Ela não saía de jeito nenhum. O início do teste marcado para uma segunda-feira, e eu totalmente sem voz na quinta-feira anterior. Acredita? Fiz nebulização, outros tratamentos, e a voz só foi voltar no fim de semana, horas antes do início da seleção.
O que você gosta de fazer fora dos palcos?
Sou apaixonado pela profissão. Vejo filmes e peças de teatro analisando atuação, cenário, movimento de palco e de cena, produção. Enfim, descanso trabalhando. Sabe aquela coisa do jogador de futebol que passa as férias batendo pelada? Pois é. Fora isso, gosto muito de viajar, estar com os amigos, namorar e, claro, dançar. Sempre gostei da noite e continuo gostando, mas, para me poupar, não bebo mais.
O que você gostaria de fazer nas artes cênicas que ainda não fez?
Ter um papel relevante no cinema. Participei de filmes, um deles com a Ingrid Guimarães, mas foram coisas muito rápidas. Queria ter a oportunidade de vivenciar um papel mais denso no cinema.
A oportunidade virá. Boa sorte.
Muito obrigado.
(R7)
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