INIMIGO DA DEMOCRACIA - A farsa da Venezuela
Ao não condenar a fraude nas eleições venezuelanas e a perseguição implacável aos opositores de Nicolás Maduro, o presidente brasileiro se declara inimigo da democracia
Em 22 de outubro de 2023, a ex-deputada María Corina Machado, hoje a principal liderança da oposição da Venezuela, venceu as primárias de seu partido com 93% dos votos. Em janeiro, contudo, o Tribunal Supremo de Justiça (correspondente venezuelano ao Supremo Tribunal Federal), totalmente controlado pelo chavismo, tornou María Corina inelegível por 15 anos. Motivo: um suposto “esquema de corrupção” que teria ocorrido durante o governo de Juan Guaidó. Impedida, a candidata definiu, em março deste ano, quem seria sua substituta: a professora universitária Corina Yoris. No mês seguinte, mais uma vez a Justiça Eleitoral impôs uma série de entraves que impediram a acadêmica de entrar no jogo. Restou à oposição escolher, às pressas, Edmundo González, ex-embaixador de 74 anos, pouco conhecido pelo povo e nada carismático. Aos 45 do segundo tempo, a oposição conseguiu registrá-lo.
Foi assim que a direita saiu para disputar a Presidência com o ditador Nicolás Maduro no domingo 28. E perder, de acordo com o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) — também nas mãos do chavismo. O resultado que garantiu um terceiro mandato a Maduro saiu quando a apuração ainda estava incompleta e sem a presença de membros da oposição na sede do CNE. O regime também não permitiu a ida de observadores independentes dos Estados Unidos (EUA) e da União Europeia (UE).
Tampouco antigos aliados da ditadura foram bem-vindos. Um avião da Copa Airlines com os ex-presidentes Tuto Quiroga (Bolívia), Mireya Moscoso (Panamá) e Vicente Fox (México) não pôde decolar do Panamá, por ordem de Maduro. O ex-presidente da Argentina Alberto Fernández teve de dar meia-volta no caminho para o Aeroporto de Buenos Aires quando descobriu que não assistiria mais à disputa, por causa de “declarações que desestabilizam as eleições de todo o país”. Deputados brasileiros também não escaparam da desfeita do regime. Pouco antes do episódio envolvendo os ex-chefes de Estado, a ditadura cancelou um convite feito por María Corina a um grupo de parlamentares.
Além da falta de checagem independente, o CNE demorou para divulgar o vencedor, porque os sistemas ficaram fora do ar. Segundo o conselho, um “ataque hacker” oriundo da Macedônia do Norte deu pane nos computadores. Quando as máquinas voltaram a funcionar, Maduro apareceu com 51% dos votos, contra 44% do adversário, mesmo os eleitores tendo publicado nas redes sociais as atas de votação que mostravam González na dianteira. Semanas antes, pesquisas eleitorais de diferentes institutos davam como certa a vitória do oposicionista. Todos esses abusos levaram a oposição a contestar o resultado.
Um mar de gente reagiu e tomou as ruas de cidades venezuelanas nesta semana. Os protestos tiveram o apoio da UE, dos EUA e de países da América Latina, como Uruguai, Argentina, Peru e até o Chile, do esquerdista Gabriel Boric. Esses mesmos países sinalizaram que não vão chancelar os números divulgados pelo CNE. “Não reconhecemos a fraude, chamamos a comunidade internacional a se unir para restaurar o Estado de Direito na Venezuela, e recordamos ao povo venezuelano que as portas da nossa pátria estão abertas para todo homem que escolha viver em liberdade”, escreveu Javier Milei, na rede X. “Maduro responde de maneira inoportuna à preocupação legítima levantada pela comunidade internacional sobre as irregularidades e a falta de transparência no processo eleitoral”, acrescentou Lacalle Pou, presidente do Uruguai.
Anão diplomático
Em meio a tantas manifestações a favor da democracia, o presidente Lula tem ido na direção contrária. Suas declarações revelam o real posicionamento do chefe do Executivo, apesar da aparente neutralidade do Itamaraty. “Estou convencido de que a eleição na Venezuela foi um processo normal e tranquilo”, disse o petista, durante uma entrevista a uma afiliada da TV Globo. Paralelamente, o PT emitiu uma nota na qual reconheceu o resultado da eleição em prol de Maduro. O posicionamento do presidente da República e de seu partido — ainda que não tenha sido emitida uma carta oficial — aproxima o Brasil de autocracias como China, Rússia, Belarus, Irã, Coreia do Norte, Nicarágua e Cuba. Com Maduro, Lula repetiu a postura subserviente que sempre teve com Hugo Chávez, para quem chegou a pedir votos em cadeia nacional, e com outros tiranetes latino-americanos. O petista nem sequer rebateu um recente ataque direto de Maduro. Na segunda-feira que antecedeu as eleições, Lula disse ter ficado “assustado” com a ameaça feita por Maduro de um possível “banho de sangue” caso saísse derrotado do pleito. No dia seguinte, o venezuelano replicou: “Não disse mentiras. Apenas fiz uma reflexão. Quem se assustou que tome um chá de camomila”. Não houve tréplica.
O comportamento subalterno de Lula atingiu também o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em vez de bater em Maduro com a mesma força que desfere contra os críticos do sistema eleitoral aqui no Brasil, o tribunal ouviu de cabeça baixa o ditador dizer que as urnas brasileiras não eram auditáveis. Depois, o TSE emitiu uma tímida nota protocolar e cancelou a ida dos dois técnicos que acompanhariam a eleição na Venezuela.
A postura de Lula também deu pane nas redações amestradas, que ainda não sabem direito como lidar com a situação. Um comentarista da GloboNews, por exemplo, chegou a dizer que a ditadura de Maduro não é de “esquerda, mas, sim, outra coisa que foge totalmente disso”.
Diante de todas essas violações, a tendência do Executivo brasileiro é a de respaldar a vitória de Maduro
A condescendência do Brasil com a fraude na eleição da Venezuela é o momento mais infame da história da nossa diplomacia desde o regime militar. Sob o comando da junta de generais, algumas das embaixadas brasileiras espalhadas pelo mundo serviram como uma espécie de delegacia de polícia, além de se recusarem a fornecer documentos aos exilados políticos. Naquela época, o atual assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Celso Amorim, era diretor da Embrafilme, um órgão a serviço do governo. Hoje, Amorim é o chefe da diplomacia brasileira e tem sido o responsável pelas direções equivocadas que o país tomou rumo às ditaduras. Por quase uma semana, ele esteve em Caracas a fim de representar Lula e manter o presidente informado. O ex-chanceler, no entanto, tem sido criticado por falas dúbias e ausência de respaldo à oposição.
“O Executivo está numa situação muito difícil, inclusive por causa de afirmações complicadas, ao declarar que não endossaria a narrativa da fraude, mas que a eleição ocorreu com muita tranquilidade”, constatou Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Londres e em Washington. “Lula age a mando dos donos do jogo em nosso continente, que são China e Rússia, e ambos já disseram que Maduro venceu. Por isso, Lula não fará nada contra os seus aliados”, acrescentou o diplomata Ernesto Araújo, ex-chanceler do governo Jair Bolsonaro.
Disputa maculada
Esse cenário dantesco é apenas a ponta do iceberg. A fraude na eleição da Venezuela começou bem antes de 28 de julho. O processo foi escancaradamente maculado diante da comunidade internacional. Para começar, Maduro rompeu o Acordo de Barbados meses depois de ter sido selado, em outubro de 2023 — mediada pelos EUA e pela Noruega, a tratativa obrigava o regime a definir uma data para a disputa, que deveria ser “limpa e transparente”, com a presença de especialistas de nações democráticas. Em troca, sanções econômicas contra membros da ditadura seriam retiradas. Os países cumpriram parte dos termos da negociação. Maduro não só ignorou o combinado como estabeleceu uma série de restrições, além de perseguir os integrantes da oposição.
Logo nas primeiras semanas, o chavismo mandou pelo menos cinco membros da campanha de María Corina para El Helicoide, uma das mais temidas cadeias venezuelanas. Lá, os presos políticos são humilhados e submetidos a sessões de tortura. Encontram-se detidos no local Emil Brandt, diretor de campanha, Milciades Ávila, que cuidava da segurança, além de Juan Freites, Luis Camacaro e Guillermo López, representantes de María Corina que a ajudavam em outros Estados. Os acontecimentos se assemelham bastante ao que ocorreu com os ex-deputados Daniel Silveira, hoje no presídio de Benfica (RJ), Roberto Jefferson, que está em um hospital no Rio, e o ex-assessor Filipe Martins, atualmente no Complexo Médico Penal de Pinhais, no Paraná, conhecido como a “cadeia da Lava Jato”.
Como não conseguiu intimidar María Corina com os sequestros de seus aliados, o chavismo passou a atuar em outras frentes. Uma delas foi a ordem dada às empresas aéreas para proibirem a oposicionista de viajar de avião em território nacional. A medida abrangeu as pessoas que acompanham a ex-deputada em comboios. Assim, trajetos que poderiam ser feitos em poucas horas se tornaram viagens longas e cansativas. O ato deixou María Corina exposta a problemas nas rodovias, como ser barrada por agentes da ditadura no caminho até determinado município ou ter os freios de seus carros cortados por capangas chavistas ao anoitecer.
Apesar da dificuldade, em cada cidade por onde passou, a comitiva de María Corina foi recebida por um mar de apoiadores — que também sofreram retaliações de Maduro por causa da demonstração de apoio explícito. Em maio, o ditador mandou fechar o Hotel Recreo, em La Victoria, a pouco mais de 50 quilômetros de Caracas, porque o dono havia abrigado a ex-deputada e gente que a acompanhava. Um mês depois, o governo repetiu o ato em um restaurante humilde de beira de estrada, porque a dona havia ousado receber a líder da oposição no estabelecimento.
A oposição tem sido obrigada a se submeter a esse jogo repleto de trapaças desde 2013, quando a ditadura chavista começou de fato. Com a morte de Chávez naquele ano e a vitória de Maduro meses depois, o regime começou a atacar os opositores. Leopoldo López, um dos principais nomes da oposição à época, por exemplo, foi preso em fevereiro de 2014, por organizar protestos contra Maduro. Condenado pela Justiça a 13 anos de cadeia em 2015, escapou da prisão domiciliar e fugiu para a Espanha em 2020. Henrique Capriles, candidato que enfrentou Maduro em 2013, voltou à mira do regime quando se levantou contra ele novamente. Em 2017, o CNE o tornou inelegível por 15 anos. Juan Guaidó, sucessor de López e Capriles, deu sorte ao conseguir sair da Venezuela em 2023 rumo a Miami. Durante seu governo interino de três anos, tentou derrubar Maduro. Terminou destituído pelos próprios aliados, que não viam mais nele força para peitar o ditador.
Diante de todas essas violações, a tendência do Executivo brasileiro é a de respaldar a vitória de Maduro. Um gesto nesse sentido confirma que, no quesito política externa, o governo Lula 3 tem sido marcado por posturas erráticas diante de conflitos estrangeiros, sempre a favor do agressor. Entre eles a invasão da Rússia à Ucrânia, o revide de Israel contra ataques do grupo terrorista Hamas, e as ameaças da China a Taiwan. O alinhamento do Planalto a ditaduras tornou o Brasil um pária no cenário internacional, além de pôr em xeque o discurso pró-democracia de Lula, encampado por todos que o devolveram ao poder e, indiretamente, apoiaram a “democracia relativa” venezuelana — o termo foi usado pelo petista pela primeira vez quando Maduro visitou o Brasil em maio de 2023. Resta saber se Lula vai continuar tomando um chá de camomila enquanto Maduro promove um “banho de sangue” contra a oposição.
(revistaoeste)
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