OPINIÃO DE CRISTYAN COSTA E SÍLVIO NAVARRO - Tempos de treva | Notícias Tudo Aqui!

OPINIÃO DE CRISTYAN COSTA E SÍLVIO NAVARRO - Tempos de treva

Compartilhe:

Com a desculpa de que está protegendo a democracia, o Supremo Tribunal Federal coleciona absurdos e sufoca as liberdades constitucionais

 

O Brasil está vivendo os piores momentos em sua longa história de violação de direitos humanos — não por parte de operações clandestinas da polícia secreta, como de costume, mas agora pela ação direta da mais alta Corte de Justiça do país, o Supremo Tribunal Federal (STF). Fatos são fatos. Vamos a três deles, que servem como símbolo e resumo destes tempos de treva:

1. Nenhum caso ilustra melhor o teatro do absurdo promovido pelo gabinete do ministro Alexandre de Moraes, onde se instalou uma espécie de delegacia particular contra brasileiros “de direita”, do que a prisão de Filipe Garcia Martins, de 36 anos, ex-assessor internacional de Jair Bolsonaro. Martins permanece trancafiado — cautelarmente —, desde o dia 8 de fevereiro, no Complexo Médico Penal de Pinhais, no Paraná, acusado de uma fuga do país que nunca aconteceu. A audiência de custódia só ocorreu 48 horas depois da prisão, ou seja, o dobro do tempo previsto em lei.

A ordem para prendê-lo ocorreu porque, segundo os investigadores do golpe fictício de 8 de janeiro de 2023, ele teria viajado para os Estados Unidos — dez dias antes do tumulto em Brasília. Martins, de fato, costumava acompanhar o então presidente no exterior. A informação foi divulgada por um colunista do site Metrópoles. De largada, aqui cabe uma inquietante pergunta: por que ele fugiria do Brasil se não há prova de que estava envolvido na depredação em Brasília? Segundo a imprensa tradicional, seu nome foi citado como autor de uma minuta de golpe de Estado. A acusação teria aparecido em um dos cinco depoimentos prestados pelo ex-ajudante de ordens, tenente Mauro Cid, que assinou um acordo de colaboração premiada, “cujo teor era bombástico”. Até hoje, contudo, a delação não “explodiu”.

Paralelamente à minuta apócrifa da insurreição imaginária, o nome de Martins constaria de uma relação de passageiros que acompanhariam Bolsonaro em visita a Orlando, no dia 30 de dezembro de 2022. Para os investigadores, portanto, “sua localização era incerta”, com indícios de “burla do sistema imigratório”. Mas é aí que começa a verdadeira trama kafkiana.

Um dado não pode ser desprezado: quando Martins foi preso, o país vivia dias de tensão, com uma escalada de operações contra o grupo político de Bolsonaro. O ex-presidente chegou a ser abordado pela Polícia Federal em Angra dos Reis (RJ), onde passava férias, e seus inimigos diziam que seria preso por incomodar uma baleia jubarte no litoral paulista. Nem os advogados de Bolsonaro sabiam, na época, a quantos inquéritos ele respondia. As redações da mídia chegaram a dizer que sua prisão era tratada como irreversível no Supremo — “questão de tempo”, afirmavam os colunistas.

Tão logo Martins foi preso, seus advogados tentaram a todo custo descobrir qual acusação, de fato, pesava contra ele. A resposta foi a mesma: ele passou um período escondido nos Estados Unidos. Imediatamente, os familiares responderam com uma constatação inequívoca: era mentira e tinham como provar. Martins sempre esteve no Paraná depois de ter retornado de Brasília, no final do mandato de Bolsonaro. Os advogados reuniram provas robustas a seu favor: o bilhete da companhia aérea Latam mostrando que estava em Ponta Grossa com a namorada, comprovantes de Uber e até o recibo de uma hamburgueria, onde lanchou no período em que foi acusado de estar em solo americano. Filipe Martins não saiu do país.

Os investigadores da equipe de Alexandre de Moraes, contudo, não se deram por vencidos. Exigiram uma espécie de prova suprema, um ofício do DHS (Departamento de Segurança Interna dos EUA). O site de Oeste revelou que a resposta do governo americano também diz o contrário: a última entrada de Martins pela alfândega americana ocorreu em setembro de 2022.

“O nome de Filipe Martins também consta na lista de passageiros que viajaram a bordo do avião presidencial no dia 30.12.2022 rumo a Orlando/EUA. Entretanto, não se verificou registros de saída do ex-assessor no controle migratório, o que pode indicar que o mesmo tenha se evadido do país para se furtar de eventuais responsabilizações penais. Considerando que a localização do investigado é neste momento incerta, faz-se necessária a decretação da prisão cautelar como forma de garantir a aplicação da lei penal e evitar que o investigado deliberadamente atue para destruir elementos probatórios capazes de esclarecer as circunstâncias dos fatos investigados.”
(Relatório da Polícia Federal que consta da decisão de Moraes)

O capítulo mais recente dessa história ocorreu na terça-feira, 25. O ministro Flávio Dino negou outro pedido de soltura. Alegou tecnicidade: a súmula 606 da Corte impede que um ministro reverta decisão monocrática de outro — no caso, Alexandre de Moraes.

2. Silvinei Vasques, de 49 anos, foi diretor da Polícia Rodoviária Federal na reta final do governo Bolsonaro. Tem um currículo com sólida formação — doutor em Direito, ciências econômicas, administração e especializações em segurança pública. Está preso desde 9 de agosto do ano passado, sem condenação na Justiça. Trata-se de uma investigação sobre a realização de blitz de fiscalização de ônibus no segundo turno das eleições. A Polícia Federal diz que há suspeitas de interferência de agentes, a mando de Silvinei, na circulação dos ônibus com eleitores de Lula no Nordeste.

Duas perguntas, contudo, permanecem sem respostas: como a polícia sabia que os ônibus carregavam eleitores de Lula? A justificativa dos investigadores é frágil. Eles dizem que, naquela região, o petista teve desempenho melhor no primeiro turno. Mais: o próprio Alexandre de Moraes afirmou na época que as blitze não impediram nenhum eleitor de votar — logo, não houve perturbação alguma no processo eleitoral.

Nesta semana, um grupo de senadores visitou Silvinei no presídio da Papuda, no Distrito Federal. Ele divide cela com outros dois detentos numa ala reservada a ex-policiais. Disse aos parlamentares que não entende o motivo da prisão tão elástica e sente falta das visitas de familiares, porque eles moram em Santa Catarina — o Supremo negou-se a transferi-lo para um presídio no Sul. Quem o viu nos últimos meses afirma que seu porte físico mudou com a perda de 11 quilos por causa de restrições alimentares — ele é intolerante a glúten, por exemplo. Além disso, Silvinei só dorme com a ajuda de medicamentos para controle da ansiedade.

O ex-chefe da Polícia Rodoviária tenta dedicar seu tempo aos livros de Direito e vai fazer a prova da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em breve. Busca lugares mais reservados porque, recentemente, envolveu-se numa briga com um preso pelo fato de ser policial. O inquérito sobre a confusão já foi arquivado. A defesa dele agora atua para tentar impedir o cancelamento de sua aposentadoria na corporação, de R$ 18 mil mensais, pela Controladoria-Geral da União (CGU).

“O Silvinei está preso há 11 meses, não está tudo bem. Ele não foi condenado. Está tomando remédios, está ansioso, fez alguns exames e está aguardando”, afirmou o senador Izalci Lucas (PL-DF), o primeiro a entrar na Papuda, junto com Damares Alves (Republicanos-DF). Outros senadores vão visitá-lo na semana que vem.

Nesse período em que segue preso, Silvinei foi absolvido de outra acusação, de improbidade administrativa. O caso corria na Justiça Federal do Rio de Janeiro. O Ministério Público viu crime no fato de o então diretor da Polícia Rodoviária entregar uma camiseta do Flamengo com o 22 nas costas ao colega Anderson Torres, ex-ministro da Justiça. Na época, esse era o número usado por Jair Bolsonaro nas urnas. Na sentença, o juiz afirmou o óbvio: a camisa não foi comprada com dinheiro público. Logo, não se configura crime.

Em maio, o ministro Alexandre de Moraes estipulou o prazo de 30 dias para que a Polícia Federal encerrasse a investigação sobre a campanha eleitoral de 2022. Nesse período, contudo, ocorreu uma troca de delegados. A nova titular do caso pediu à defesa mais tempo para analisar todo o conteúdo. Na mesma sentença, Moraes negou outro pedido de soltura de Vasques, que se somou a uma série de solicitações.

3. Um dos principais símbolos do Poder Judiciário em Brasília é uma estátua de 3 metros de altura, que simboliza a deusa grega Têmis, criada há mais de 60 anos pelo escultor mineiro Alfredo Ceschiatti. Fica em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal. No meio do tumulto do dia 8 de janeiro, a cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, de 38 anos, sacou um batom vermelho de sua bolsa e escreveu na pedra: “Perdeu, mané”. É uma referência à reação do ministro Luís Roberto Barroso quando foi abordado por um brasileiro em Nova York, depois das eleições.

A imagem foi registrada por uma fotógrafa do jornal Folha de S.Paulo. Em seguida, a jornalista passou a vasculhar as redes sociais em busca de pistas sobre a identidade da manifestante. Localizou um perfil com suas características físicas em Paulínia, no interior paulista. Telefonou para moradores da cidade que poderiam dar informações. Uma dessas pessoas, sob condição de anonimato, revelou que se tratava de Débora, mãe de dois filhos, de 6 e 9 anos. A Polícia Federal efetuou sua prisão no dia 17 de março do ano passado — sem que houvesse denúncia formal.

“Ela não entrou em nenhum prédio público”, afirma o advogado Ranieri Gonçalves Martini, responsável pela defesa. A denúncia do Ministério Público Federal foi feita 420 dias depois da prisão, apesar de o prazo máximo permitido ser de 35 dias. “Nesse período, solicitamos oito vezes que a minha cliente fosse para a prisão domiciliar porque ela tem o direito de esperar a sentença em casa, com os filhos, mas todos os pedidos foram negados.”

De acordo com Martini, a saúde mental das crianças foi afetada em virtude da distância da mãe. Também faltou dinheiro, porque o trabalho dela no salão era parte da renda familiar.

As marcas de batom na estátua de granito na Praça dos Três Poderes foram removidas sem muita dificuldade, no dia 9 de janeiro. Débora está numa cela na cidade de Rio Claro, no interior de São Paulo, há mais de um ano.

Não há nenhum sinal claro de que esses três casos poderão sofrer uma reviravolta tão cedo. Metade da Corte, aliás, nem sequer estará no Brasil nos próximos dias, por causa do evento organizado pelo decano Gilmar Mendes em Lisboa. Mas uma fala, em tom de desabafo, do ministro Luiz Fux na terça-feira, 25, chamou a atenção. Fux é um raro juiz de carreira no tribunal. Ele disse em bom tom que ali não estão “juízes eleitos” nem “o Brasil tem um governo de juízes”. Até aí era uma resposta a Dias Toffoli, que numa aritmética sem pé nem cabeça havia dito que os togados têm o respaldo de 100 milhões de eleitores.

Fux foi além: disse que o STF “não é arena política” nem “oráculo para todos os dilemas morais, políticos e econômicos da Nação”. O resgate da Praça dos Três Poderes só ocorrerá se os outros dez ministros entenderem o recado.

(revistaoeste)


 Comentários
Noticias da Semana
Dicas para te ajudar
TV Tudo Aqui