LITERATURA NÃO TEM IDADE - Conheça Arnaldo Júlio Barbosa, o finalista de 106 anos do Prêmio Jabuti
Aos 106 anos de idade, Arnaldo Júlio Barbosa é finalista do Jabuti, um dos principais prêmios literários do país. Ao Correio, o autodidata e pioneiro de Brasília fala sobre sua jornada
Aos 106 anos de idade, Arnaldo Júlio Barbosa é finalista do Prêmio Jabuti, o mais importante da literatura nacional — concedido pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) —, no eixo Inovação, categoria de Escritor Estreante de Poesia, com o cordel A jovem Margarida e as proezas do amor. Pioneiro na construção de Brasília, Arnaldo deixou a família no Rio Grande do Norte para trabalhar na capital em 1959. O poema premiado foi escrito ainda quando o autor morava no Nordeste, uma sextilha fruto do estudo literário autônomo de Arnaldo.
A obra acompanha a história de Margarida, uma jovem mulher dividida entre dois amores — o homem com o qual ela quer se casar e o homem com quem ela precisa se casar. Originalmente manuscrito em 1947, o romance de cordel foi publicado em 2023 com a ajuda da família de Arnaldo — que inclui 53 bisnetos e 20 tataranetos. Com mensagens de amor e de liberdade, o escritor relembra a primeira vez que um dos filhos leu o poema: "Não chegou nem na metade e já começou a chorar pela história emocionante".
Na quinta-feira, o escritor comemorou o 106º aniversário e foi agraciado com o título de cidadão honorário de Brasília na Câmara Legislativa (CLDF), pelo trabalho na construção da capital e da produção cultural. "Eu me sinto grato por toda a celebração. Faço o possível do impossível", comemora Arnaldo. Os textos do autor também são publicados na revista bimestral interativa digital The Bard, no quadro fixo O semeador de Margaridas.
Trajetória
Arnaldo desembarcou em Brasília aos 41 anos, um ano antes da inauguração da capital, quando ajudou na construção de diversos prédios. A Escola Parque da 308 Sul, próxima à igreja projetada por Oscar Niemeyer, é um dos exemplos brasilienses com as mãos do escritor. Francisco, um dos filhos de Arnaldo, ajudou a erguer o Congresso Nacional. Presenciar as mudanças sociais e tecnológicas do mundo possibilitou ao escritor entender o tempo certo para o lançamento do livro: "Agora, o mundo está mais preparado para me receber", avalia.
O escritor destaca que o período no qual escreveu a história de Margarida era caracterizado por pouca abertura social para a publicação da história: "Agora, os tempos mudaram e a nação está mais civilizada. Sou muito grato a todos que leem meu livro. Estou à disposição de todos!", emociona-se. Nordestino de alma e brasiliense de coração, Arnaldo se descreve com o mesmo termo utilizado pelos cordelistas em épocas antigas: cantador.
Ao chegar em Brasília, Arnaldo foi pedreiro, mas passou a gerenciar os trabalhadores quando o jeito para a liderança foi notado pelos chefes. A ascensão na capital possibilitou a ele criar uma rede de confiança, na qual a intelectualidade autônoma de Arnaldo era validada. "Fico agradecido por ter sobrevivido a períodos difíceis e tenho muita história para contar", relembra.
Autodidata
Apreciador das histórias da humanidade e do universo, Arnaldo diz que o amplo conhecimento adquirido nos estudos individuais são uma vantagem que amplia seu repertório. Sem fórmula de escrita, o livro de Margarida foi criado a partir dos sentimentos do autor. "Escrevo sobre o mundo, o homem, a mulher e as relações. E sempre foi agradável. Escrevo para não esquecer", assinala. Cortês e sentimental, Arnaldo finaliza a entrevista agradecendo a todos que prestaram atenção a suas palavras, que "vieram do coração".
Neta de Arnaldo, Kátia Barbosa conta que toda a família está emocionada pelo reconhecimento da figura essencial de Brasília que o avô se tornou. A esperança em relação ao fim do etarismo a faz refletir sobre as quebras de paradigmas sociais. "Ele é uma pessoa fantástica, centrada e muito inteligente. Além da publicidade, é um reconhecimento familiar. Essas honrarias quebram a ideia de que o idoso não é mais nada", reflete.
A neta narra a trajetória autodidata de Arnaldo, que se baseou principalmente em leituras de jornais e revistas. "Um dia, eu perguntei a ele de onde tirava tanto conhecimento sobre tudo. Ele só lia o que tinha contato, como o Correio Braziliense. O que mais me surpreende é que ele nunca abandonou o sonho, sempre acreditou. "Arnaldo não concluiu o ensino médio mas, mesmo assim, vive surpreendendo a família com o amplo conhecimento autodidata. "Ele nunca teve muitos recursos, só a sabedoria", completa.
(correio braziliense)
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