OPINIÃO DE AUGUSTO NUNES - Entrevista com o antigo Moraes | Notícias Tudo Aqui!

OPINIÃO DE AUGUSTO NUNES - Entrevista com o antigo Moraes

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A versão 2018 do ministro certamente seria engaiolada pelo modelo atual

 

Em abril de 2015, quando Alexandre de Moraes era secretário estadual de Segurança Pública, entrevistei no programa Roda Viva o político que, embora em começo de carreira, já sonhava com a candidatura ao governo paulista. Tento engatar uma segunda conversa desde que o presidente Michel Temer o presenteou com uma vaga no Supremo Tribunal Federal, mas pelo jeito o ministro anda sem tempo para perguntas que possam causar-lhe, como agora deram de dizer os donos do Brasil, “desconforto”. Com as perguntas decoradas há muito tempo, fui socorrido pela sorte: examinando vários votos proferidos pelo centroavante rompedor do Timão da Toga, descobri que um deles continha todas as respostas que procurava.

Trata-se do parecer produzido pelo relator de uma causa vinculada às eleições de 2018. Amparado numa lei aprovada no fim do século 20, o PDT requereu a imposição de várias restrições à cobertura jornalística da disputa nas urnas. Imediatamente, a entidade que representa as emissoras de rádio e televisão encaminhou ao Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade destinada a anular a safadeza autoritária. Apresentado em 21 de junho, e endossado por todos os ministros presentes à sessão, o voto do relator tratou de todos os assuntos que me interessavam. Para montar a entrevista que se segue, bastou reproduzir abaixo de cada pergunta trechos de Moraes que servem de resposta. Vejam o que pensava Moraes. Em 2018.

Com o surgimento das redes sociais e o uso intensivo da internet, tornam-se realmente necessárias mudanças nas normas que regem a liberdade de expressão?

A democracia não existirá e a livre participação política não florescerá onde a liberdade de expressão for ceifada, pois esta constitui condição essencial ao pluralismo de ideias, que por sua vez é um valor estruturante para o salutar funcionamento do sistema democrático. São inconstitucionais os dispositivos legais que tenham a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento crítico.

A vigilância sobre o que a internet divulga não precisa ser mais estreita durante campanhas eleitorais?

A liberdade de imprensa não é de sofrer constrições em período eleitoral. Ela é plena em todo o tempo, lugar e circunstâncias. Tanto a liberdade de expressão quanto a participação política em uma democracia representativa somente se fortalecem em um ambiente de total visibilidade e possibilidade de exposição crítica das mais variadas opiniões sobre os governantes. O direito à informação, conferido ao cidadão individualmente, implica o reconhecimento de correspondente liberdade aos agentes envolvidos na atividade de comunicação social de não se submeterem a qualquer censura.

A maioria dos ministros do STF sustenta que a regulamentação das redes sociais é essencial para que o Estado preserve o regime democrático.

Não cabe ao Estado, por qualquer dos seus órgãos, definir previamente o que pode ou o que não pode ser dito por indivíduos e jornalistas. Não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, pouco importando o poder estatal de que ela provenha. A Magna Carta Republicana destinou à imprensa o direito de controlar e revelar as coisas respeitantes à vida do Estado e da própria sociedade. O exercício concreto dessa liberdade em plenitude assegura ao jornalista o direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero, contundente, sarcástico, irônico ou irreverente, especialmente contra as autoridades e aparelhos de Estado. É da essência das atividades da imprensa operar como formadora de opinião pública e necessário contraponto à versão oficial das coisas.

Como evitar que a liberdade de expressão se transforme em liberdade de agressão?

A liberdade de expressão permite posterior responsabilidade cível e criminal pelo conteúdo difundido, além da previsão do direito de resposta. A liberdade é constitucionalmente garantida, não se podendo anular por outra norma constitucional.

“É imprescindível o embate livre entre diferentes opiniões, afastando-se a existência de verdades absolutas”

O senhor acredita que a disseminação de notícias falsas pode interferir no resultado de uma disputa eleitoral?

Embora não se ignorem certos riscos que a comunicação de massa impõe ao processo eleitoral — como o fenômeno das fake news —, revela-se constitucionalmente inidôneo e realisticamente falso assumir que o debate eleitoral, ao perder em liberdade e pluralidade de opiniões, ganharia em lisura ou legitimidade. A censura prévia desrespeita diretamente o princípio democrático, pois a liberdade política termina e o poder público tende a se tornar mais corrupto e arbitrário quando pode usar seus poderes para silenciar e punir seus críticos. É imprescindível o embate livre entre diferentes opiniões, afastando-se a existência de verdades absolutas e permitindo-se a discussão aberta das diferentes ideias, que poderão ser aceitas, rejeitadas, desacreditadas ou ignoradas; porém, jamais censuradas, selecionadas ou restringidas pelo Poder Público.

Ministros do STF e do Tribunal Superior Eleitoral propõem a criação de um órgão encarregado de localizar fake news e substituí-las por notícias corretas. O senhor concorda com a ideia?

A garantia constitucional da liberdade de expressão não se direciona somente à permissão de expressar as ideias e informações oficiais produzidas pelos órgãos estatais ou a suposta verdade das maiorias, mas sim garante as diferentes manifestações e defende todas as opiniões ou interpretações políticas conflitantes ou oposicionistas, que podem ser expressadas e devem ser respeitadas. Não porque necessariamente são válidas, mas porque são extremamente relevantes para a garantia do pluralismo democrático.

 

Como deve agir um ministro do Supremo ou do TSE ao ser confrontado com uma informação que considere falsa?

O direito fundamental à liberdade de expressão não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também aquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias. Vale também para aquelas que ferem, chocam ou inquietam. Assim o exige o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura, sem os quais não existe sociedade democrática.

Parece ganhar corpo entre os ministros do STF a ideia de que a democracia se tornaria muito mais sólida se fossem inteiramente eliminadas mentiras difundidas por redes sociais. O senhor concorda?

Nos Estados totalitários no século passado — comunismo, fascismo e nazismo —, as liberdades de expressão, comunicação e imprensa foram suprimidas e substituídas pela estatização e monopólio da difusão de ideias, informações, notícias e educação política, seja pela existência do serviço de divulgação da verdade do partido comunista, seja pela criação do comitê superior de vigilância italiano ou pelo programa de educação popular e propaganda dos nazistas, criado por Goebbels; com a extinção da multiplicidade de ideias e opiniões, e, consequentemente, da democracia.

 

Pelo que o senhor diz, tem de haver espaço para todo tipo de afirmação.

O funcionamento eficaz da democracia representativa exige absoluto respeito à ampla liberdade de expressão, garantindo-se, portanto, os diversos e antagônicos discursos — moralistas e obscenos, conservadores e progressistas, científicos, literários, jornalísticos ou humorísticos. É no espaço público de discussão que a verdade e a falsidade coabitam.

Parece mentira? Parece, mas todos os substantivos, adjetivos, verbos, predicados, pontos e vírgulas foram transcritos do voto de Moraes. Pelo calendário gregoriano, existem meros seis anos de distância entre o sensato ministro de 2018 e o perverso carcereiro que começou a tomar forma quando pendurou no peito a estrela de xerife do Brasil. Mas a distância entre os discursos deve ser calculada em anos-luz. Se as duas versões do mesmo homem existissem simultaneamente, o Moraes-2024 já teria engaiolado o Moraes-2018. Que estaria morrendo de vergonha do que se tornou.

(revistaoeste)


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