Dizendo que ele não dissera aquilo que a revista não disse ter dito ele, Barroso nada diz sobre o dizer da revista acerca do que ele, deveras, dissera
“Aconteceu? Virou Manchete!” Eis um dos slogans mais emblemáticos da história da imprensa brasileira em processo de extinção. Verdadeiro purê da ambição jornalística de estar sempre no centro dos acontecimentos, transformando fatos relevantes em notícias de impacto, foi consagrado pela antiga Manchete, publicada por quase meio século, entre os anos de 1952 e 2000, pelo grupo Bloch Editores.
Ora! Garantir que, se “aconteceu, virou manchete” é estabelecer um pacto de imediatismo vantajoso com o público, no qual nenhum fato de importância passará despercebido por seu time de jornalistas.
Esse slogan é o exemplo clássico e mais famoso do marketing editorial brasileiro da segunda metade do século 20. Sua permanência na memória coletiva, mesmo após o fim da Manchete, evidencia sua eficácia simbólica: transformou-se em sinônimo de jornalismo ativo, atento e protagonista, no qual a velocidade da informação se media pela agilidade das rotativas.
Entre laivos de períodos esteticamente democráticos e um longo regime de exceção, o slogan incorporado às máximas da cultura brasileira vinha sobrevivendo até que, cessando tudo o que a antiga Musa cantava, um valor mais alto — ou melhor, um desvalor rasteiro, sob pena de esse “valor mais alto” ser apenas financeiro — se levantava… não como o despertar de um gigante adormecido, mas como os féretros lobotomizados e dançantes de algum clipe de Michael Jackson.
Dos mesmos autores de Descondenado (franquia de maior sucesso no Brasil, com as sequências I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII, IX, X, XI, XII, XIII, XIV, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXI, XXII, XXIII, XIV, XXV, XXVI, XXVII, XXVIII, XXIX, XXX, XXXI, XXXII, XXXIII, XXXIV, XXXV, XXXVI etc., Descondenado tem mais sequências que a franquia 007, com 25 filmes oficiais, um extraoficial e uma paródia; aliás, em números, a soma das sequências representa quase o dobro do número de temporadas de Os Simpsons) e Desopinado (marotamente rotulado como “desinformado”), as manchetes brasileiras noticiam o Desacontecido.
No último sábado, 19 de abril, o presidente do Supremo Tribunal Federal publicou, no endereço eletrônico do próprio STF, uma “nota” crítica às críticas feitas pela revista inglesa The Economist.
Publicada no sábado e alterada na tarde da sequencial segunda-feira (21), além de defender Moraes e todas as medidas adotadas pela Corte — medidas tipificadas em lei anterior que as define como, no mínimo, crime de abuso de autoridade (lei anterior, escrita, estrita, vigente, válida, constitucional, mas, ao que parece, ineficaz contra autoridades do Pretório Excelso) —, a nota de Luís Roberto Barroso assevera que ele “never claimed that the Court ‘defeated Bolsonaro’” (em português: “nunca disse que a Corte ‘derrotou Bolsonaro’”).
Se existe alguém que presta, ao menos em matéria de coerência lógica, na Procuradoria-Geral da República ou no Supremo, o site do STF deve ser tirado do ar. Alô, alô? Alguém responde?
Mais ainda: Barroso deve ser preso pelo mesmo motivo que tem levado tantos brasileiros à prisão, isto é, pelo mais daninho dos crimes segundo a sua própria opinião: o crime da desinformação; afinal, a publicação britânica não acusou Barroso de ter dito que “a Corte derrotou Bolsonaro”. O que se disse naquele óbvio e polêmico editorial de 16 de abril foi: “Em 2023, o presidente do tribunal se gabou de ter ‘derrotado Bolsonaro’”.
Ou Barroso está com inveja de Moraes (e, assim, passou também ele a personificar o Supremo), ou é analfabeto funcional (caso nem um pouco credível), ou é mais um mentiroso a publicar inverdades na internet — valendo-me do belo neologismo anglicista de Drummond: “dangerosíssima”, porque é terra sem terra cheia de terráqueos vazios; ou, conforme o próprio mentiroso sob análise, uma terra sem lei.
De fato, em 12 de setembro de 2023, um eufórico Barroso soltava o verbo e metia a boca em um evento de extrema esquerda da União Nacional dos Estudantes: “Nós derrotamos a censura, nós derrotamos a tortura, nós derrotamos o bolsonarismo”, discursou o ministro.
Trocando em miúdos: dizendo que ele não dissera aquilo que a revista não disse ter dito ele, Barroso nada diz sobre o dizer da revista acerca do que ele, deveras, dissera.
Ora! Essa coisa de acontecer e virar manchete era coisa que se tolerava no regime militar!
Não passarão! O cinema nacional mostrou ao brasileiro que não se podem tolerar costumes provenientes daquele tempo. O Oscar testemunha. Fernanda Torres e o herdeiro bilionário Walter Moreira Salles (que nada teria herdado se os heróis da sua obra tivessem vencido os horrores do regime que lhe garantiu os bilhões) foram muito claros em suas entrevistas a toda a imprensa mundial.
“Não acreditem na imprensa digital! Abaixo a ditadura! Sem anistia!“
Manchetar acontecimentos é coisa do passado; a nova moda da velha imprensa é manchetar patrocinado: “Desaconteceu?! Entre uma propaganda oficial e outra estatal, vai virar manchete!“.
No próximo ano, O Presidente Negro, romance de Monteiro Lobato, completará cem anos. Ambientado no ano de 2228, a ficção científica do taubateano foi cancelada pela patrulha do politicamente correto.
Contudo, essa patrulha implacável que, ontem, condenou o autor e o seu personagem, o temido Professor Benson — inventor do “porviroscópio”, engenhoca que permitia visualizar o futuro inserindo o usuário numa espécie de cinema do tempo imersivo em realidade virtual, isto é, invenção para certeza futurologista sobre avanços tecnológicos, questões sociais etc., e, assim, moldar a visão de mundo (pura celebração dos ideais de determinismo social e científico praticados, escancaradamente, pelo atual STF com a mesmíssima desculpa do interesse institucional genuíno pelo progresso) —, é composta da mesma horda de imbecis militantes que, agora, aplaudem a realidade das descondenações, desopiniões e desacontecimentos.
Atuam como se estivessem diante de Bensons de um Judiciário “corajoso” que, tal qual o bicho feroz bem definido na poesia de Bezerra da Silva, detém o monopólio da violência do Estado.
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