
A política de interdição aérea implementada no Brasil a partir de 2004, que visava dificultar o transporte aéreo de drogas, teve efeitos significativos e inesperados sobre a dinâmica do tráfico na Amazônia. De acordo com o estudo “Aterrizando na Água: Interdição Aérea, Tráfico de Drogas e Violência na Amazônia Brasileira”, publicado pelo projeto Amazônia 2030, a medida provocou o deslocamento das rotas de tráfico para os rios da região, resultando no aumento expressivo da violência em comunidades ribeirinhas.
A pesquisa, conduzida pelos pesquisadores Leila Pereira, Rafael Pucci e Rodrigo R. Soares, aponta que a proibição do tráfego aéreo para transporte de cocaína elevou os riscos e custos logísticos para os traficantes, forçando-os a recorrer às hidrovias amazônicas como alternativa para escoar drogas oriundas dos países andinos — Bolívia, Colômbia e Peru.

Esse deslocamento logístico expôs as comunidades ribeirinhas a uma crescente presença do crime organizado. Entre 2005 e 2020, foram registrados aproximadamente 1.430 homicídios diretamente relacionados a essa mudança nas rotas do tráfico em municípios situados ao longo dos rios amazônicos. Além do aumento da violência letal, o estudo também identificou uma elevação nas mortes por overdose, refletindo a maior disponibilidade de cocaína nas localidades afetadas.
“O deslocamento do tráfico para as rotas fluviais trouxe a criminalidade para áreas que antes estavam menos expostas, como as margens dos rios amazônicos. Isso gerou novos desafios tanto para as forças de segurança quanto para as comunidades locais”, explica Rodrigo R. Soares, um dos autores do estudo.
O relatório destaca ainda a capacidade de adaptação do crime organizado frente às políticas repressivas. As organizações criminosas passaram a usar redes locais e novas tecnologias para manter suas operações, mesmo com o endurecimento da fiscalização aérea.
Os pesquisadores alertam que medidas isoladas, como a interdição aérea, podem gerar efeitos colaterais graves quando não são acompanhadas por estratégias mais amplas e integradas. “Políticas públicas de segurança devem considerar os deslocamentos do crime organizado e seus impactos sobre as comunidades. O combate ao tráfico na Amazônia precisa englobar todos os modais de transporte e levar em conta a complexidade social e territorial da região”, recomenda o estudo.
O relatório completo está disponível para download e integra os esforços do projeto Amazônia 2030 em produzir conhecimento técnico-científico sobre os desafios e oportunidades da região.
Fonte: noticiastudoaqui.com