VEJA, E FIQUE ESPERTO - Dor na coluna, esquecimento e mais: infectologista explica novos sintomas da Covid-19
“Deixou de ser aquela doença em que tinha um monte de gente grave ao mesmo tempo nas UTIs e passou a ser uma doença de sintomas leves entre a população", disse Thor Dantas
O médico infectologista Thor Dantas, uma das maiores referências no tratamento de pessoas diagnosticadas com Covid-19, especialmente durante a pandemia da doença no Acre, conversou com o ContilNet nesta quinta-feira (19) e falou sobre as novas formas como a doença tem se apresentado.
De janeiro a maio de 2025, foram confirmados mais de 3,4 mil casos de Covid em todo o estado. Além disso, pelo menos 20 pessoas morreram em decorrência da doença, de acordo com o último boletim da Secretaria de Estado de Saúde (Sesacre).
Novos sintomas
A reportagem recebeu o relato de duas pessoas ainda nesta semana, que preferiram não se identificar, informando ter tido apenas um sintoma da doença: dor forte na coluna. Uma delas procurou uma unidade particular do estado, relatou o sintoma e fez o exame, que deu positivo. “Foi impressionante receber o resultado e ver que eu estava com Covid, sem ter coriza, febre ou dor de cabeça”, destacou.
Thor disse que o surgimento de sintomas atípicos tem sido observado – o que pode ser justificado pelo surgimento de novas cepas desde a explosão dos primeiros casos até os dias atuais.
“A Covid já tem um tempo entre nós e, nesse tempo, vão surgindo realmente variantes. A gente acompanhou a variante Ômicron, as variantes que foram surgindo ao longo do tempo em que o vírus evoluiu. E, nessa mudança dos vírus e também na mudança da interação do vírus com o ser humano, com a nossa imunidade, conforme a gente já adquiriu infecção prévia, conforme a gente já foi vacinado, conforme o vírus muda, os sintomas podem mudar”, afirmou o infectologista.
“Realmente, a gente notou isso em alguns momentos da pandemia, quando surgiram algumas variantes que davam menos perda de olfato, por exemplo. Você lembra que perda de olfato era um sintoma muito associado à Covid, nas primeiras ondas, e depois ela ficou um pouco menos frequente nas ondas seguintes. Então, sim, os sintomas podem variar ao longo do tempo, é natural que isso ocorra”, acrescentou.
Thor citou alguns sintomas não convencionais que podem surgir com a infecção e disse que estes aparecem, geralmente, entre idosos e crianças:
“Existem sintomas também mais raros, mas que podem ocorrer. Por exemplo, o sintoma gastrointestinal, diarreia, náusea e vômito, pode ocorrer na Covid. Não é o principal sintoma, mas tem paciente que apresenta, isso a gente já reconhece há algum tempo. Principalmente, quem mais faz sintomas diferentes são os extremos de idade: o idoso e a criança”, pontuou.
Monitoramento de sintomas e testes
O médico acredita que as mudanças nos sintomas descritos precisam ser monitoradas.
“A criança faz muito o sintoma gastrointestinal, o idoso faz mais sintoma neurológico, fica confuso, desorientado. Então, de acordo com o perfil de quem está infectado, de acordo com o vírus e as cepas, os sintomas podem mudar. Essa mudança agora, recente, se está havendo ou não uma mudança agora recente, eu não tenho como te dizer, a gente precisa monitorar”, salientou.
No processo de diagnosticar a doença, Dantas disse que é necessário ter cautela com relação à associação de sintomas e apontou que algumas confusões existem em relação aos tipos de exame.
“Nós temos aí relatos de alguns pacientes que você colheu, que apareceram com esses relatos. Eu acho que duas coisas me ocorrem nesses relatos. Primeiro, checar se realmente foi confirmada uma Covid e como foi essa confirmação. Claro, se foi num serviço de saúde sério e fez lá exame e confirmou. Ok, mas tem muita confusão nesses exames. Foi um exame de sorologia, de anticorpo, foi exame de antígeno, foi exame de PCR”, afirmou.
De acordo com o médico, a Vigilância Epidemiológica deve fazer o controle dos sintomas:
“Às vezes, não sei se foi esse caso ou não, há confusão sobre exame que diz que eu já tive Covid com exame que confirma que eu estou com Covid no momento. Então, essa confirmação é preciso checar. E é importante, até porque se é um caso atípico, como a gente chama, diferente do normal, é muito importante notificar, é importante que a vigilância tenha essa informação para que ela monitore a mudança do padrão das doenças.”
Dores musculares fazem parte de um quadro clínico de Covid, pontuou o especialista.
“É fundamental, quando o médico encontra uma doença com um padrão diferente do habitual, que ele comunique à vigilância para que a vigilância possa ter ciência e acompanhe isso. A outra coisa que me ocorre é que, enfim, dor no corpo é um sintoma comum a viroses em geral e na Covid. Quer dizer, dor no corpo, dor de cabeça, mialgia, como a gente chama, dor no músculo e tudo mais, dor nas juntas, nas articulações, não é um sintoma raro na Covid”, salientou.
“Então, pode ser simplesmente uma pequena variação de um paciente que interpretou a dor dele mais como uma dor muito forte na coluna e, de fato, ele estava com uma dor generalizada no corpo e que é algo que viroses em geral podem dar. Ou, eventualmente, estamos, sim, diante da emergência de sintomas novos associados à Covid. Eu acho que só o acompanhamento disso vai dizer”, salientou.
Thor disse que a imunização em massa tem feito com que os sintomas da Covid se apresentem de forma branda nas pessoas, com exceção das que apresentam comorbidades:
“O que a gente tem visto, o que eu tenho visto na minha prática, mais recentemente, já há algum tempo, é um padrão de sintomas mais brandos. É isso, não necessariamente uma mudança para um padrão muito diferente de sintoma, tipo dor na coluna, uma coisa muito atípica, mas sintomas mais brandos. Porque as pessoas, enfim, a grande maioria vacinada, com o passar do tempo, a doença se transformou.”
“Deixou de ser aquela doença em que tinha um monte de gente grave ao mesmo tempo nas UTIs e passou a ser uma doença de sintomas leves entre a população e sintomas graves naqueles grupos de risco não vacinados. Então, infelizmente, tenho que dizer que também, depois do auge da pandemia, já cuidei de pacientes gravíssimos de Covid também, que eram pacientes com grupo de risco não vacinados. Então, o que a gente tem visto hoje é um padrão de uma doença branda, leve, muito leve, como uma virose branda nos pacientes que são imunizados, e padrão de gravidade igual àquele Covid que a gente via no auge da pandemia lá, nos pacientes não imunizados com grupo de risco.”
“Então, idosos, portadores de doença crônica, diabetes, obesos, tabagistas, fumantes, não vacinados, a gente tem visto quadros graves. E, nos vacinados, na verdade, são quadros leves. Mialgia é comum, mas uma mialgia leve, uma dor intensa, assim, na coluna, realmente remete a um quadro atípico. Aí tem que olhar cada caso, quer dizer, será que esses pacientes já tinham algum problema na coluna? Será que eles já tinham uma dor na coluna crônica? E ali acabou se manifestando o sintoma principal, porque ele já tinha, né? A variabilidade de pessoa para pessoa é muito importante de entender nesses casos atípicos.”
Cardiopatias e Covid
O médico foi questionado sobre as últimas relações de causalidade entre quadro clínico de Covid e o surgimento de cardiopatias (doenças do coração):
“O cometimento cardíaco da Covid, ele existe, mas ele é uma manifestação rara. Ele é raro e a gente não tem visto isso com frequência. Mesmo no auge da pandemia, a gente viu casos, mas casos esporádicos. E não é uma manifestação comum, mas é possível.”
Thor disse que pessoas infectadas pelo vírus são acometidas de uma condição chamada inflamação multissistêmica:
“Existe uma das manifestações da Covid, é o que se chama de reação inflamatória multissistêmica. Ela inflama o corpo inteiro e diversos órgãos podem ser acometidos por essa inflamação. E aí acaba que, sim, você pode ter inflamação no sistema nervoso, dentro da cabeça, você pode ter inflamação do coração. Mas a gente não tem visto isso com muita frequência, não. Não temos visto. Eu acho que tem um interesse recente pela saúde cardíaca.”
“A gente tem visto alguns relatos de pessoas que tiveram morte súbita. Acho que os cardiologistas estão atentando muito para isso. A saúde cardiovascular, o que acontece é que, em larga escala, você tem um paciente, por exemplo, um jogador que teve um mal súbito e morreu jogando futebol. E aí, poxa, o que é isso? Bom, isso acontece com uma certa frequência, se chama morte súbita. E é preciso que a gente esteja atento para isso, mas isso não necessariamente tem relação com Covid. Não necessariamente tem relação com uma doença que ocorre.”
“Tem estudos que mostram que as mortes súbitas permanecem iguais. Quer dizer, elas não aumentaram depois da pandemia. Então, acho que é mais uma associação estatística que as pessoas percebem.”
Esquecimento
Outro sintoma clássico do pós-Covid é o esquecimento. O infectologista aponta que há uma relação entre complicações na memória e o coronavírus.
“Existe uma síndrome do Covid, do pós-Covid, o Covid longo, que tem sido estudada. A gente está estudando ela conforme a era pós-Covid avança. Quanto tempo dura isso? Quantas pessoas reclamam disso? Mas tem, tem gente que permanece com sintomas depois do Covid mais prolongados. Fadiga, astenia, cansaço, perda de memória, esquecimento. Isso está sendo estudado. A gente não sabe até que ponto isso é efeito direto do vírus. Até que ponto isso tem a ver com o período de estresse pelo qual a pessoa passou. A gente há de convir que aquele período do Covid foi um período de muito estresse emocional. As pessoas estavam sob intensa ansiedade de adoecer, de morrer”, pontuou.
“As pessoas que pegavam Covid iam para o hospital, iam muito ansiosas e com muito medo. Então, ter passado por tudo aquilo deixa marcas. Então, a gente não sabe até que ponto é efeito direto do vírus. Mas existe, de fato, pessoas que após uma Covid resolvem completamente, ficam 100% normais. E pessoas que permanecem se queixando de sintomas vagos. E, muitas vezes, precisando até de intervenção. Por exemplo, recuperação do olfato”, continuou.
Perda do olfato
“A gente falava que era um sintoma muito comum da Covid. Pessoas que não conseguiam recuperar o olfato depois. Ou demoravam muitos meses para recuperar o olfato. O Covid tem, de fato, um tropismo, como a gente chama, pelo sistema nervoso central. Ou seja, quando você perde o olfato, significa que o vírus atacou seus nervos. Os nervos que levam a sensação do olfato. Então, isso faz com que tenha realmente manifestações neurológicas. É possível o esquecimento, essa mente meio embaçada, o raciocínio meio lentificado. É uma queixa que não é muito rara nos pacientes de Covid longo, não, de fato”, pontuou.
Imunização
Ao fim da entrevista, Thor disse que a desinformação com relação à imunização contra o vírus tem prejudicado muito a saúde das pessoas.
“Tem feito um mal muito grande essa desinformação porque as pessoas estão parando de se vacinar de hepatite B, estão parando de se vacinar contra o tétano, contra sarampo, contra varicela, doenças que a gente praticamente estava parando de ver voltam a ocorrer por causa dessa onda de desinformação. Não existe, de fato, nenhuma evidência no sentido de que vacinas estejam aumentando morte súbita, problemas cardíacos, problemas neurológicos. Tudo é, de fato, associado a uma grande onda de desinformações. Vacinas, como todos os medicamentos, como todas as intervenções, têm efeitos adversos conhecidos e previsíveis e eles são de curto prazo. Todo mundo que toma uma vacina pode experimentar uma febre, uma dor no corpo, uma moleza. Ninguém fica com efeito adverso de uma vacina durante anos para ter problema de coração daqui a meses. Isso é, de fato, uma grande onda de desinformação.”