DO TEMPO DO GUAPORÉ: Viva as nossas referências!
Apogeu, ápice, luxo monumental. A todos encantava aquela ópera a céu aberto na Avenida Presidente Dutra, e não no palco do Teatro Amazonas. Esquentando a avenida cheia de gente, desfilavam a platinada e deslumbrante Bebeth Leite, acompanhada de Kicó e Graciete Maia, esfuziantes como vedetes da Praça 11.
Ah! Marlene Capeta, espécie de Elza Soares, e no mesmo ritmo, Zeca Melo, Chiquilito, Flávio Daniel, grandes maestros, os irmãos Sadeck – destaques e mestre salas – e a elegante porta-bandeira Neguinha. Nada importado. O público aplaudia em pé.
LUIZ LEITE DE OLIVEIRA (*)
Entre o Arco do Triunfo e a Torre Eiffel, em Paris, aconteciam e ainda ocorrem grandes recitais, do clássico, música erudita e popular francesa. Lá acontece até o nosso clássico chorinho e a bossa nova. São palcos e passarelas mostrados mundialmente.
Ô la, la, céus de Paris. É a França com seu lugar símbolo, eterno orgulho do seu povo. Em volta de seus monumentos ronda a música universal. Ninguém se cansa de La vie en rose, de Édith Piaf, de Charles Aznavour, Ne me quitte pás, de Jacques Brel.
Vista aérea de Porto Velho nos anos de 1950. Do alto, nas tardes, enquanto sobrevoavam a cidade pequenas máquinas voadoras, teco-tecos e políticos eram aplaudidos pela população emocionada, que assistia ao grande espetáculo no ar. Muitas vezes, fotografavam piruetas e voos rasantes de pilotos do Aero Clube Guaporé e a pequena Philadelphia, no Condomínio da Madeira-Mamoré; o condomínio catega e áreas rurais ficavam após a antiga avenida Divisória, que mais tarde passou a se denominar Presidente Dutra.
E Porto Velho? Aqui, muita gente derrama lágrimas no espaço onde estão os três símbolos da cidade. Nele soaria maravilhoso Céus da Amazônia, música original de Almerindo Ribeiro (nascido em Guajará Mirim), adaptado para Céus de Rondônia.
É o mais belo hino de um Estado brasileiro, embora apresentado de maneira cafona, soando por vozes falsas, até destratando e desprezando aquilo que é do povo.
Assim acontece na Câmara Municipal de Porto Velho, em auditórios de tribunais ou mesmo na Assembleia Legislativa, palco dos “Nóis mói, nós debulha”. Dá náusea.
Mais elevado, o Palácio Getúlio Vargas, o Rosado, depois, o marco de tijolinho dos anos de 1920, o primeiro construído, e por último, as suaves conchas (ou uma bateia). Delas brotava uma fonte luminosa, uma super produção de águas iluminadas de azuis, vermelhas ou lilás...Tudo era encantador.
Em seu entorno se desenvolvia a vida cultural de Porto Velho desde a época do Território Federal do Guaporé, até os anos 1970.
As grandes manifestações culturais tinham endereço certo. Todas aconteciam ali, naquele entorno...
Verdadeiras passarelas, as calçadas, os monumentais prédios ofereciam o trajeto entre os cinemas (Resky e Brasil) até o Porto Velho Hotel separada pela Avenida Presidente Dutra. Do outro lado, destacava-se o Palácio Presidente Vargas, clássico, monumental.
Sandra Castiel e Dilson Machado, na passarela, olhos nos olhos, dirigidos por Marise Castiel. Sóbrios, discretos, elegantes, belíssimos, faziam praticamente o apogeu, o ápice, o luxo monumental naquela ópera, que se apresentava na avenida a céu aberto em Porto Velho, não no palco do Teatro Amazonas. Aplausos, aplausos. O público torcia também para outros destaques, a platinada e deslumbrante Bebeth, Kicó e Graciete Maia, nossas próprias atrizes, espécie de Luz del Fuego. Como descessem as escadarias dos palcos do Cassino da Urca, ou dos grandes teatros do centro do Rio de Janeiro. Nada foi importado. Lotada, a avenida foi separada do público por cordas e vigiada por guardas severos. Lâmpadas incandescentes davam a sensação teatral. A decoração feita pelos irmãos Cunha completava aquele cenário nunca esquecido.
Alguns diziam: “De tão belo, belíssimo, talvez fosse comparado à Casa Branca, em Washington”. Um exagero, mas todos concordávamos: eram sim, incomparável. A obra iniciada no Governo do Guaporé de Araújo Lima, no final dos anos de 1940, demorou pouco mais de quatro anos para ser concluída.
A BANDA DO MAESTRO NEVES
Quando inaugurado, seus ambientes, o interior e as escadarias atraíam as pessoas. E o governador mantinha diretores administrativos de obras, educação e cultura, agricultura e da Guarda Territorial. Eram altos funcionários, em geral chamados de categas (categoria), moravam no então sofisticado Caiari, um dos primeiros bairros urbanizados do Brasil, de lindas casas, verdadeiras mansões...
Em determinado momento, o maestro Neves regia a Banda de Música com mais de 80 integrantes. Verdadeira orquestra, aos domingos, ela executava dobrados e até o erudito. Dessa banda originavam-se pequenas orquestras que se desdobravam nos finais de semanas em bailes memoráveis.
Não é demais dizer que Porto Velho inspirava momentos semelhantes aos do calçadão de Ipanema, ou de Champs-Élysées, em Paris. Personificávamos uma cultura própria oriunda dos condomínios Madeira-Mamoré e dos categas. A cidade se sentia bem naquele ambiente arquitetônico belíssimo, do qual nós todos nos orgulhávamos.
O Cine Teatro Resky abre sua cortina de veludo vermelho. Fascinada, Porto Velho rendeu-se à sua majestosa beleza. Ele foi inaugurado em 17 de junho de 1950. Um prédio monumental, imponente, majestoso, inovador na fachada contornada com lâmpadas que destacavam, projetavam e iluminavam suas linhas arquitetônicas, em puro art decó. Inspirado e copiado por George Chediak Resky, por onde andou pelo mundo, principalmente, nos teatros da Brodaway de Nova York. Seu palco foi inspirado no famoso Olimpiá, de Paris. Brilhava no centro de Porto Velho ao lado da Praça Rondon, no mesmo estilo.
Outro dia, alguém disse que sou fantasioso. Qual nada! É que a expressividade daquela época unia o povo à classe política dominante e assim se reconhecia o valor do porto-velhense. Infelizmente, diferente de hoje.
Mas o Palácio rosado, ah! O palácio e a estrada de ferro, marcos de nossa identidade e de nosso orgulho, nunca mais foram os mesmos. Todos sabem que do pátio ferroviário até um vagão inteiro “voou”, sendo encontrado no Lago Paranoá, em Brasília.
IRMÃOS FRACASSO
Havia grandes carnavais, frevo com blocos do Danúbio Azul, do Guaporé, Vila Operária, Bancrevea (de vermelho) e do Ypiranga Azul, entre outros. Por último as Escolas de Samba do seu Café, a Diplomatas do Samba ou a Pobre do Caiari. Todas entre os anos 1950 e 1960.
Os conhecidos Irmãos Cunha, pejorativamente conhecidos por Irmãos Fracasso – por causa da música de Núbia Lafayete e Dalva de Oliveira – decoravam a Avenida Presidente Dutra, onde desfilavam blocos e escolas de samba.
Avenida dos recitais, dos carnavais e dos grandes desfiles, o principal deles, em 13 de setembro, dia do Território do Guaporé.
Esses três símbolos, visivelmente expressivos, foram ou vêm sendo destruídos pelos os poderes constituídos. A mais sacana é a Prefeitura de Porto Velho, campeã da descaracterização, da destruição e cúmplice maior do desaparecimento desses símbolos, caso das praças e de outras referências que um dia nos deram personalidade.
Pronto. A Prefeitura faz parte de um plano armado para nos reduzir a tal insignificância, nos tornando cidadãos de segunda categoria na nossa terra ou aqueles que chegaram a muito aqui.
É o resultado dado pelos poderes pecadores é o desprezo. Na verdade, políticos que representam o povo rondoniense servem despudoradamente a grupos, e não se comprometem a prestar conta àqueles que os elegeram.
Perguntariam: e os “nossos” vereadores? Silêncio! Não se pronunciam, não se mexem, passam ao lago dos favelões que ajudaram a criar nas praças. Pequena, mas significativa, a Praça Jônathas Pedrosa há muito tempo é um péssimo cartão de visitas. A Praça General Rondon, por sua vez, virou “Praça do Baú”. Em tempo algum, a Prefeitura pagou mídia para evitar a desfaçatez.
Alguns, nem aí para o debate do Plano Diretor, se candidatam a deputados. Óleo de peroba já! Quietos ficaram com a desvairada lavagem de dinheiro no caso das sucessivas maquiagens de praças. Deixam à vontade prefeito, secretários e demais assessores. Omitiram-se.
Seriam políticos-robôs? No meu ponto de vista, levá-los à Assembleia Legislativa sem que tenham demonstrado compromisso maior com o Patrimônio Histórico é um ato de leseira. Voto irresponsável, perdido.
É cômodo sair pela tangente no momento em que se descumprem determinações da Justiça Federal, a exemplo das exigências feitas pelo desembargador Souza Prudente (TRF1) ao exigir ética e respeito às leis, ao Município e ao consórcio usineiro.
Rasgaram a Constituição Estadual em seu artigo 264, que diz:
“Olhar para o futuro” – apregoa um dos candidatos que aposta na cegueira do eleitorado. Que futuro, cara-pálida?
O que houve na Capital de Rondônia, insisto em dizer, foi a construção de um plano diabólico, bem engendrado, para nos transformarem em cidadãos de segunda categoria, como se fôssemos panacas desprovidos de pensamento.
Pouco sobrou das “obras do milagre”, por exemplo. Agora, o desemprego bate à porta. Nossos filhos pagam Faculdade particular e os que agora se formam, chocam fortemente com a bruta realidade. A isso se chama “olhar para o futuro”?
Uma dessas faculdades particulares colocou novamente uma candidata robô a deputada federal. Espantoso, porque ela faz coro aos demais deputados federais e estaduais, todos calados quando se trata de investigar e denunciar a dilapidação do Patrimônio Histórico.
Recentemente, apoiados pela SPU, CPRM (Serviço Geológico do Brasil) e Ibama, esses parlamentares descompromissados e insensíveis permitiram o aumento das cotas das barragens de hidrelétricas. Significa que as águas represadas, ao subir ainda mais, farão desaparecer antigos distritos.
Com a terceira hidrelétrica, então, até Guajará-Mirim sofreria esse risco. E a Capital do Estado pode até ser transferida para o interior, cumprindo o (mal) desígnio daquele antigo político lançou a ideia.
A deputada robô reviveria os piores momentos da ex-senadora Fátima Cleide e do ex-governador Oswaldo Piana Filho? – filhos da terra, ou minhocas?
O Beco, Clube (INSS) e Mercado Público — Delicadeza de uma arquitetura em processo de descaracterização.
Se analisarmos a atual corrida ao Governo, nos deparamos com incógnitas: de um lado, o deputado Maurão de Carvalho está comprometido com o machado, mas não com a árvore, pois eliminou quatro reservas ambientais e está às voltas com o STJ.
Edificações situavam-se entre as Praças Rondon e Jônathas Pedrosa. Próximas à antiga Avenida Central, depois, 7 de Setembro, onde se destacava o Cine Avenida, um dos cinco cinemas que existiram em Porto Velho até os anos de 1940. O Bar Central também se destacava. As calçadas eram de pedra, as edificações de grande estilo, de arquitetura neoclássica, art decó, do período áureo da borracha. O que ainda resta está coberto por decoração ridícula, caso do Cine Resky, patrimônio histórico, público, inaugurado em 1950 com o filme mexicano “A pecadora”, estrelado pela estonteante Maria Félix. No ato, o governador Araújo Lima deixou mulheres extasiadas, porque nele viam semelhanças com astros do cinema mexicano. O prédio virou igreja. Antes o denominavam “casa do pecado”.
De outro, o ex-senador Expedito Júnior aliou-se a exploradores de madeira em terra indígena no Estado. Amedronta, arrastando atrás de si um grupo pouco simpático à causa da Madeira-Mamoré. São pessoas que só utilizam a ferrovia como laranja para levantar grana em seu nome.
A situação de usurpação do Patrimônio começou com Roberto Sobrinho, e continua com o atual. De lá para cá projetaram transformar o nosso símbolo maior numa réplica das Docas de Belém do Pará, contando, para nosso espanto, com a omissão da Procuradoria do Meio Ambiente.
O que digo de outro grande concorrente Sr. Acyr Gurgacz, embora seja simpático à causa? Não sei se será ele o candidato, ou o atual governador, Daniel Pereira. Por isso, considero que temos incógnitas à nossa frente.
Anos Dourados — Belas porto-velhenses, filhas de categas
Já o esperto deputado Lindomar Garçom respaldou indicações ao SPU e ao Iphan. Desrespeitando a cultura, mesmo sabendo que elas não apresentam capacidade técnica para o exercício dos respectivos cargos, indica-os.
Em maio passado, a Associação de Preservação do Patrimônio Histórico e Amigos da Madeira-Mamoré (Amma) reclamou ao ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, durante sua visita a Porto Velho. Quanto a Superintendência do Iphan, sugerimos a ele cuidados no acatamento, pelo governo federal, de critérios de competência nem sempre respeitados. Disso nos queixamos da política de terra arrasada pendente nesse setor.
Praça Rondon, Correios e Telégrafos, Casa 6 e, no alto, as Três Caixas-d’Água
Praça Jônathas Pedrosa, restaurada em 1995, hoje, uma anarquia. É mais um crime de responsabilidade consentido pelos mais recentes prefeitos e por vereadores totalmente omissos. Outras praças, após reformas e mais reformas, “lavaram” dinheiro público. Com ambulantes encurralados, a Jônathas é a cara do caos e na inoperância administrativa.
Os Três Monumentos ameaçados por políticos. Mais elevado, o Palácio Presidente Vargas, o Rosado. Depois, o marco de tijolinhos dos anos de 1920, o primeiro construído. E as suaves conchas (ou uma bateia), da qual brotava uma fonte luminosa. Superprodução de águas iluminadas nas cores azul, vermelha ou lilás. Tudo era encantador. Em seus entornos, se desenvolvia a vida cultural de Porto Velho desde a época do Território do Guaporé até os anos de 1970. Ocorriam grandes carnavais, o frevo dos blocos do Danúbio, do Guaporé, Vila Operária, Bancrevea, de vermelho, e do Ypiranga de azul, entre outros. Por último as Escolas de Samba do seu Café, a Diplomatas do Samba ou a Pobre do Caiari, entre os anos 1950 e 1960...
SPU e Iphan atendem a interesses de quem? Dos donos da energia elétrica, cuja geração muito prejudicou o Patrimônio Histórico, índios e ribeirinhos, mesmo pagando algumas compensações sociais pelo estrago ocorrido em seus territórios.
No cômputo geral, o que nos sobrou, além de problemas e do desmantelamento e roubo de peças históricas? A terra e o rio arrasados. Só perdemos.
Superficialmente, argumenta o Sr. Expedito em seu slogan que o objetivo é “olhar para frente”. Contudo, parece deletar erros cometidos durante a destruição do Patrimônio e não demonstra o propósito do resgate maior. Conversa mole para adormecer bovinos, candidato!
13 de Setembro — O mesmo Palácio em dois períodos: um em 1950, no apogeu de sua expressão cultural e de arquitetura, outro, em 2018, desprezado e sem reformas, empalidecido por uma tinta cal. Nem os que nele trabalharam o reconhecem mais. Desativado e escolhido para sediar o Museu da Memória, o prédio aguarda o retorno ao projeto antigo. Promessas há.
E não culpem militares, porque a reativação que imaginam fazer nunca teria o aval das Forças Armadas, até então capazes de respeitar o passado para, de fato, poder enxergar bem futuro.
A vagabundagem política quer o voto de Porto Velho e se esforça para pedi-lo com humildade, sem conseguir disfarçar o característico jeito de raposa cuidando de galinheiro.
Tripudiam, aniquilam. E o plano segue, tentando tirar o legítimo direito de reger nosso destino.
Criem jeito! Ainda não será desta vez que irão abalar a nossa memória. Respeitem Porto Velho e sua História!
LUIZ LEITE DE OLIVEIRA
Arquiteto, urbanista e cineasta. Nasci na região, sou caboclo. “Eu estudei lá na Samaritana” — faço coro aos que lá estiveram. E em escolas também. Cursei arquitetura na Universidade de Brasília (UnB). Produzi recentemente O Delírio – Dreams and tracks, em parceria com amigos que criam o Museu Internacional Trilhos e Sonhos. Entre outros, sou autor do Projeto de Restauração e Elementos de Integração do Complexo Ferroviário da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, Orla e Beira rio – plagiado e desfigurado pela Prefeitura de Porto Velho com o nome de “Revitalização”.
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