Água e fogo destroem museus. Quando acabará a indiferença?
Em plena Semana da Pátria, quando o Fogo Simbólico é aceso em piras nas sedes de governos estaduais, nas prefeituras e nos quartéis militares, um incêndio consumiu o bicentenário Museu Nacional, a mais antiga instituição científica brasileira.
Nesta terça-feira, sociedades científicas nacionais divulgam um manifesto no qual afirmam: “As chamas que devoraram o Museu Nacional enviaram uma mensagem de alerta para a sociedade brasileira”.
A Associação de Preservação do Patrimônio Histórico e Amigos da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (Amma) se ombreia a essas sociedades para manifestar sua repulsa contra o descaso à memória, história e patrimônio histórico no País.
O governo acuado se verga a manifestações internacionais, entre as quais, a do presidente da França, propondo a restauração do Museu.
Em 2018 desaparecem tragicamente as relíquias do Império do Brasil. Algumas peças foram salvas por heróicos pesquisadores que correram no meio das labaredas para salvar trabalhos de seus próprios alunos.
Em 2014, a cheia do rio Madeira submergiu o Museu da Madeira-Mamoré, em Porto Velho. De lá para cá, salvar o que restou se tornou missão quase impossível, por causa do desleixo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), da Prefeitura, da Secretaria do Patrimônio da União, do Ibama e da total imprevisibilidade de planos anti-catástrofes municipais ou estaduais.
Inaceitável e até assombroso nos depararmos sempre com a conivência política e dos governos que traiçoeiramente têm permitido a manipulação dessas instituições encarregadas de proteger esse patrimônio. Embora sejam instituições honradas e com relevante papel, Iphan, SPU e Ibama vêm sucumbindo a interesses político-partidários, o que arranha sua credibilidade.
No plano nacional, a senhora Kátia Bogéa pronuncia a frase que se limitaria ao conformismo:“Aconteceu, aconteceu!”– ela exclamou. Em vez disso, deveria ter denunciado com voz forte e pulsos firmes a precariedade de investimentos no setor.
O governo é culpado, e a senhora Bogéa faz parte dele. E estejam certos: o fogo que destruiu o Museu Imperial ligou o sinal de alerta com relação à situação de Petrópolis, que possui grande rede de museus e um acervo importante com relação ao patrimônio histórico e cultural.
Dono do principal acervo do País sobre o império brasileiro, com mais de 300 mil itens, aquele Museu não tem certificado contra incêndio e pânico, exigido pelo Corpo de Bombeiros.
Já em Rondônia, a superintendente regional do Iphan, Delma Batista, inverte valores e até autoriza o aumento da cota (das barragens), invertendo valores de fiscalização e isso resulta diretamente no descumprimento das Leis de Tombamento.
O fogo acabou com o Museu Imperial, as águas acabaram com o Museu Ferroviário.
Conforme fazem ver pesquisadores, o fim do Museu Imperial no Rio era mesmo uma tragédia anunciada.
Os casos do Rio e de Porto Velho, descontando-se aqui o fenômeno da cheia do rio Madeira, denotam abandono governamental e comprometimento do poder público com a vagabundagem política. Nunca foi tão clara a sabotagem praticada contra a cultura e a memória, por vereadores, deputados, senadores e governantes.
A Amma se solidariza com cientistas, historiadores e com o povo brasileiro neste doloroso momento. É preciso reagir contra o abandono dos governos aos prédios de museus, despreocupados e hesitantes em zelar pelo repouso da História, que sempre é objeto de visitas e consultas nacionais e internacionais.
Câmaras, Assembleias e Governos parecem achar cômodo obter soluções meia-boca, a exemplo dessa criminosa devolução das peças do Museu Ferroviário, recolhidas a um armazém na zona sul de Porto Velho, desde a enchente de 2014. O Ministério Público Federal avalizou essa devolução.
Fossem aplicar a Lei ao pé da letra, o MPF e o Ministério Público Estadual e o Ministério Público Federal teriam punido os responsáveis por essa mazela e metido na cadeia ladrões de locomotivas. No entanto, promovem sucessivamente o arquivamento de denúncias que dizem respeito à destruição e ao roubo a esse Patrimônio.
Se no Rio, o Museu Nacional pode um dia renascer igual à Fênix, das cinzas, já que a França e outros países se dispõem a resgatá-lo, aqui em Rondônia inexistem padrinhos para salvar a sucata daquela que foi a ferrovia mais isolada do Planeta no século passado.
Na Monarquia, o Brasil foi considerado País de Primeiro Mundo”. Com o governo que aí está, sócio nos mais escabrosos crimes de corrupção, vivemos dias de republiqueta. Uma republiqueta insensível aos valores éticos, culpada até o pescoço por deixar acontecer tragédias.
No rastro do Rio, Porto Velho lamenta outra vez as mentiras apregoadas durante a construção das usinas hidrelétricas, quando garantiram que modernos modelos de máquinas limitariam inundações. Ao contrário, o tsunami do Madeira veio demonstrar o contrário.
Nosso patrimônio, que se livrou de diversas queimadas, foi destruído por submergir-se.
Há 40 anos a Amma enfrenta dissabores a cada semana, na incessante luta para salvar o Patrimônio Histórico, especialmente a Madeira-Mamoré.
Um dia mandaram prender dois de nossos integrantes, por “excessos de defesa” e supostas ofensas, quando, paradoxalmente, aqueles regiamente pagos para fazê-lo omitiram-se e silenciaram.
Se há o sonho da restauração do prédio do Museu Imperial na Quinta da Boa Vista, por que não se levantam, aqui, no sentido de restaurar a Madeira-Mamoré? Seria um passo importante a consolidação desse resgate violentado e golpeado pela desobediência civil praticada deslavadamente por aqueles que subvertem a Lei, mesmo advertidos pela Justiça Federal. Como é o caso presente do TRF-1.
E sobram mazelas. Embora ainda não instalado, o futuro Museu Internacional Trilhos e Sonhos, de riquíssimo acervo fotográfico e literário, já teve sua sede, na Rua Euclides da Cunha, invadida por supostos integrantes de movimentos populares acobertados por caçadores de votos nas eleições de outubro próximo. Outra história, outro capítulo, do qual brevemente falaremos.
Nesta hora de dor, a Amma alerta contra violadores do Patrimônio Histórico e contra administradores que sucessivamente desrespeitam a Lei de Tombamento. E se solidariza com funcionários que, ao longo tempo tudo fizeram para conservar documentos e peças, enfrentando cupins, fogo e a incúria do governo, no caso do Museu Imperial.
(*) Presidente do Conselho de Administração da AMMA.
Com fotos do G1 (Rio) e de Ricardo Peres (Porto Velho)
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