A união necessária
Ressurge o fantasma fardado na iminência do embate eleitoral. Foi despertado pela entrevista do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, publicada n'O Estado de S. Paulo em 9 de setembro. Indícios posteriores confirmam sua presença no horizonte.
O general soletrou que às Forças Armadas cabe verificar se o resultado do pleito será aceitável ou não do alto de uma posição de árbitro irrecorrível. O subtexto proclama aos berros a ameaça golpista, reforçada pelas repercussões da entrevista.
Os anos 2016 e 1964 são dos golpes, mas aquele é diferente deste, embora ambos sejam vincados pela tradicional hipocrisia brasileira, pelo apoio praticamente maciço da mídia e pela óbvia presença, por trás de tudo, da casa-grande.
Cinquenta e quatro anos atrás, alegou-se o propósito de “pôr o País em ordem”, estancar a hemorragia inflacionária e impedir a comunistização do Brasil. O golpe dentro do golpe de 1968 multiplicou a fúria ditatorial.
Manteve cinicamente, porém, a presença de dois partidos na arena política e um calendário eleitoral para a renovação do Congresso até uma eleição para o governo dos estados em 1982
Não poderia haver engano em relação à verdadeira natureza da ditadura, mesmo porque o regime torturou e matou, censurou parte da mídia resistente e chegou a enviar seus mestres em tortura para o Chile para prestarem a Pinochet seus precisos serviços.
Já em 2016, a hipocrisia atingiu seu zênite, legalizou-se e mais escancarada ilegalidade com o objetivo final de impedir a candidatura de Lula em 2018. Pela hedionda tramoia atingiram o alvo e nem por isso a vitória eleitoral. O desastre golpista motiva hoje a inquietação dos estrelados.
Alcançamos um momento crucial da nossa atormentada história. A pesquisa mais recente prova que, para desespero dos atuais donos do poder e da mídia nativa, Lula transfere seus votos a Fernando Haddad. Em uma semana depois da oficialização da candidatura, ele já amealhou metade da porcentagem alcançada nas pesquisas pelo ex-presidente ainda candidato.
Gostaria de poder imaginar, como cidadão e jornalista, uma sólida união no campo progressista na hora do embate final de um pleito polarizado abruptamente entre petistas e antipetistas, como escreve Marcos Coimbra na sua coluna à página 33. Permito-me um reparo: entre lulistas e antilulistas.
Recordo as eleições de 1974, em plena ditadura. O generoso MDB do doutor Ulysses abrigava todos os resistentes e venceu em São Paulo e outros estados. Dias após, encontrei em Brasília o general Golbery, chefe da Casa Civil de Ernesto Geisel. Fez questão de sublinhar que aquele resultado sugeria intensificar a chamada abertura.
E o Merlin do Planalto sorriu na ponta dos lábios e comentou, como se falasse consigo mesmo: “Eu sou mesmo um parlapatão”. Logo sofreria o descolamento da retina e por longos meses ficaria longe do governo, até o começo de agosto de 1975, quando Geisel pronunciou o fatídico discurso da “pá de cal”, a significar o enterro da abertura, por mais lenta, gradual e segura que fosse.
Enquanto o doutor Ulysses comparava o nosso ditador com Idi Amin, Golbery previu a escalada do terror de Estado que culminou com a morte de Vlado Herzog e Manuel Fiel Filho.
Após a destituição do general Ednardo D’Ávila Mello, comandante do II Exército, o projeto da abertura foi retomado até a saída do general Figueiredo pela porta dos fundos do Planalto, em março de 1985.
Hoje, diante da calamidade provocada pelo golpe de 2016, a união das forças progressistas é indispensável para evitar a ameaça Bolsonaro e iniciar uma ciclópica operação para devolver o País à observância da Constituição e recompô-lo das injúrias materiais e morais padecidas na mão dos golpistas. Tarefa imponente e certamente de longa duração.
A determinação dos resistentes, sua capacidade representar a maioria é fundamental diante das incógnitas do pós-eleição. Qual haverá de ser a reação da casa-grande devota do deus mercado? E como encarar o aparente despertar do fantasma fardado?
Fonte: MINO CARTA
Editor da revista Carta Capital
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