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Chineses sabem o que querem e o que fazer. E nós?

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Ao fim da sua terceira semana, o governo Bolsonaro se movimenta (se atrita e se choca) entre dois extremos.

De um lado, o bloco ideológico, das palavras de ordem, das frases definitivas, dos jargões de direita contra os jargões da esquerda, que esteve no poder durante 13 anos. Não deve ser por coincidência que seus integrantes sejam fracos. Vários deles sem domínio das questões que lhes foram delegadas. O principal representante dessa facção (para usar a linguagem do PT) é o ministro das relações exteriores, Ernesto Araújo.

No outro extremo, sobretudo no bloco econômico, comandado pelo ministro Paulo Guedes, um conjunto que tenta implantar um projeto mais ou menos coerente, também conservador, visualizável como uma proposta de organização do país. Ela tem que ser considerada, mas ainda não demonstrou ter condição de conduzir o Brasil de volta ao vigor que a sua grandeza requer.

Um exemplo dessas qualidades e limitações se apresentou durante o encontro de Guedes com o embaixador da China, Yang Wanming, na sexta-feira passada, em Brasília. O ministro deixou de lado o mantra pseudamente iconoclasta de Araújo, ressaltando que busca um padrão pragmático nas negociações com a China, sem deixar de ressalvar o a "nova filiação brasileira de ver o modo de civilização ocidental" (pretensão que só cabe na cabeça de intelectuais escolásticos de gabinete, como Olavo de Carvalho).

O ministro repetiu o que críticos ou adeptos de partidos ou grupos sociais vêm repetindo: o Brasil tem que diversificar suas exportações (para a China como para os demais clientes), deixando de ser mero vendedor de matérias primas e importador de manufaturados, como soja em grão, petróleo bruto e minério de ferro. Estes são os produtos que mais interessam aos chineses, que os compram em volumes cada vez maiores. Em poucos anos se tornaram os maiores parceiros comerciais do Brasil. Respondem por um quarto de todas as nossas exportações. 

Dificilmente modificarão essa relação, a não ser que enfrentem um negociador que se coloca em pé de igualdade, ou bem próximo dessa posição. Os chineses não se tornaram os maiores compradores de commodities do mundo e estão no topo dos exportadores de manufaturados por esperteza oriental ou pirataria internacional. Se participaram dessa base, hoje lideram setores de ponta da economia, da ciência, da educação e da tecnologia em todo mundo.

Neste momento, 185 mil jovens chineses frequentam as mais conceituadas universidades do planeta. Tudo por conta do governo, que lhes impõe o melhor dos aproveitamentos e a volta à terra natal para aplicar os conhecimentos absorvidos, cada um ocupando espaço específico na imensa máquina humana, que movimenta quase 1,4 bilhão de pessoas. Não é passeio sem obrigação com a pátria no retorno.

A China fica com 60% do melhor (e mais abundante com tal pureza) minério de ferro, o de Carajás, no Pará. Paga entre 50 e 60 dólares por tonelada e ganhando, talvez, ainda mais no transporte por 20 mil quilômetros. Uma vez em território chinês, o minério se transforma em muitos produtos, chegando até o final da cadeia produtiva para agregar o máximo de valor. Poderão transferir alguma etapa desse processo?

Espontaneamente, é pouco provável. Certamente nunca à base de gritos e ameaças, como fez o presidente Jair Bolsonaro na campanha eleitoral e no início do seu mandato. Mesmo nos sugando matérias primas, a China deixa ao Brasil um saldo de 30 bilhões de dólares nas relações de troca. Não é volume de dinheiro para se desperdiçar.

Os chineses já penetraram mais profundamente em setores da economia brasileira. São os donos das maiores linhas de transmissão de energia do País e do mundo, a partir da Amazônia, Podem assumir o controle das próprias gigantes hidrelétricas erguidas no leito de três dos maiores rios brasileiros (Tocantins, Madeira e Xingu) e do planeta.

Os chineses, próximos de superar os americanos (por enquanto, sem interesse em confronto militar ou guerra, como de sua tradição) sabem o que querem e o que fazer. E nós?


LÚCIO FLÁVIO PINTO
Belém (PA)


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