O homem e a pobreza, sua velha companheira
Nas reflexões que faço no dia a dia, sinto-me, às vezes, um viajante do universo, e diante das imagens que perpassam o olhar do mundo, e na minha luneta, como uma câmera de mil alcances, olho a alma humana, procurando sua essência.
Crendo não ser míope, vejo pouco, ou quase nada, mas nessa procura dentro do universo humano é fatal deparar-me, sempre e sempre, com a pobreza, aquela que Cristo observara na Galiléia, e a mesma que levou Francisco a peregrinar descalço pelas ruas, e que parece não ter cura nas sendas desse mundo sem fim.
Frustro-me em perceber que, na argila em que todos pisamos, cuida-se pouco ou quase nada da pobreza do mundo. E os aflitos já somam dois bilhões, na Somália, na África, nos confins amazônicos, no estreito de Breves, no Pará.
Pelas nossas ruas, pelos nossos destinos, pela luneta, não gravei apenas o desapreço, a desestimação, a denegrição, o desdouro, o menosprezo. Observei o “infinito nada” das pessoas pequeninas no útero vaginal das incongruências da vida “marvada” que levam.
Do lado de lá, nos guetos, nas palafitas, nos vãos das ruas, creiam, homens, mulheres e crianças despedaçados, unem-se no desamor e se transformam no estrume da violência, onde a infinita dor de muitos parece não interferir no brutal silêncio humano, e olha que tal dor parece não ter fim, e ser da conta de pouco mais de meia dúzia, e não da maioria, que aprecia o dantesco espetáculo confortavelmente instalada nas arquibancadas.
Deles, não cuidam o Estado, as igrejas, a sociedade – e isto o poeta Vinicius de Moraes, na sua canção “Gente Humilde”, retratou com precisão: “Igual a como quando eu passo no subúrbio, eu muito bem, vindo de trem, de algum lugar, aí me dá uma inveja dessa gente, que vai em frente sem nem ter com quem contar”...
É... grande Deus, o chicote da vida é doído e dói na alma, e teus filhos, Deus, ainda vagueiam cuspidos como os vermes pulmonares da nefasta hemoptise temporal.
Na verdade, parece que estamos ainda, todos, vindos de Portugal, cogitando que apenas de pilhagem cuidaríamos, e nos quedamos, assim, nessa aventura infame. Trucidamos os aborígenes, compramos os negros, e ambos os entulhamos no covarde calabouço dos esquecidos, e ponto!
As crianças e os velhos, que se amontoam nos guetos, nos vãos das ruas – ou catando comida nas latas de lixo – são subprodutos humanos, sem educação, sem pátria e sem Deus, e os espertos de certas religiões os tratam como “pobreza”, isto é, um estágio melhor que o simples “pobre”e, de alguns, ainda arrancam uns trocados nas ofertas.
E na engenharia cínica dos que manipulam os esquecidos, há os vendedores de salvação terrena, sem estágio no purgatório e, o pior, sem blitz do Estado. E registre-se o espraiar da construção de catedrais salomônicas por sobre os ossos desse desaguar de horrores em todo o País.
Os registros que ficaram nas impressões colhidas na minha luneta, são de que não nos importamos com o lixo que deságua das entranhas dos desgraçados. É como se desejássemos que a miséria, como uma hidra, engolisse a própria miséria, regurgitando o fel da impunidade humana na cara dos vassalos.
Aqui pra nós, eu próprio não me vejo ombreado, de corpo e alma, a qualquer tipo de movimento “em favor” da pobreza, um substantivo abstrato, sem a necessária inclusão do homem adjetivado de pobre, visto que, em si, embora esquecido, ele é o substantivo concreto, a essência desse colossal drama humano.
A lavagem cerebral contida no discurso de alguns descarados “líderes” religiosos nas igrejas, “em favor” da pobreza, como carro chefe de suas programações, com o objetivo apenas de arrecadar o vil metal bruto para construção de catedrais, encanta os incautos, mas no fundo, para os que pensam, soa mal, é nojento, representando apenas uma figuração chinfrim do eixo social da questão dos pobres no Brasil.
Ao longo do tempo e espaço, surgiram no Brasil alguns espasmos de intenções mais ou menos concretas, para minorar a dor dos atingidos, mas ficaram por aí e se perderam no éter das ilusões.
Ora, deixemos de falácias.
Seria desejável que os homens que pensam e exercem o poder construíssem políticas públicas de vergonha, que contemplassem um programa nacional de reconstrução da cidadania e da segurança alimentar, visando a reinserção à sociedade de todos aqueles que apodreceram e apodrecem nos guetos, nos vãos das ruas, nas favelas e palafitas...
Faz-se imperioso, por fim, que se tomem medidas urgentes e vigorosas, antes, é claro, que essa gente, que “come o pão que diabo amassou”, se transforme em estrume ou em carniça para servir de lautos jantares a meia dúzia de urubus e “criaturas do pântano”, que hoje, como ontem, agem às escâncaras, com o beneplácito do poder.
Resta esta esperança.
Amém.
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