RESGATAR E PRESERVAR - línguas indígenas são repositórios de saberes ancestrais
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No Brasil, segundo dados do Censo 2022 do IBGE, há 305 povos indígenas e 274 línguas relacionadas a eles. Mas o dado do número de línguas faladas por indígenas no país diverge.
Conforme dados da ONU, há populações indígenas habitando todas as regiões do planeta, ocupando 22% da área terrestre global. São aproximadamente 500 milhões de indígenas que falam cerca de sete mil línguas de cinco mil culturas distintas que representam grande parte da diversidade cultural do mundo.
No Brasil, segundo dados do Censo 2022 do IBGE, há 305 povos indígenas e 274 línguas relacionadas a eles. Mesmo assim, o dado do número de línguas faladas por indígenas no país diverge, porque são utilizados critérios diferentes.
O censo está baseado nas autodeclarações, dados de retomadas linguísticas, enquanto os dados do Museu Emílio Goeldi, no Pará, e o Museu Nacional dos Povos Indígenas, no Rio de Janeiro, levam em conta critérios linguísticos, inclusive com a possibilidade de compreensão entre duas variantes consideradas como línguas iguais, o que para os povos podem ser línguas diferentes.
As línguas indígenas possuem relações de parentesco entre si e são agrupadas em famílias linguísticas. As duas principais famílias linguísticas ou troncos linguísticos no Brasil são tupi e macro-jê. São chamados de troncos porque contêm subfamílias.
Mas existem outras grandes famílias linguísticas – Pano, Caribe, Arauak – que não estão relacionadas às línguas isoladas. Há famílias pequenas e línguas isoladas ou de recente contato, além das línguas indígenas de Sinais e o Braslind, o português falado pelos povos indígenas.
Década Internacional das Línguas Indígenas
Na visão de Altaci Kokama, coordenadora-geral de Articulação de Políticas Educacionais Indígenas do MPI e primeira professora universitária indígena da Universidade de Brasília (UnB), pode haver uma solução para a incompatibilidade do número de línguas indígenas no país por meio de um levantamento feito com auxílio da iniciativa conhecida como a Década Internacional das Línguas indígenas, que começou em 2022 e segue até 2032.
Instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU), a iniciativa da Década Internacional das Línguas Indígenas (2022-2032) visa promover os direitos dos povos indígenas. A ação também está alinhada ao cumprimento do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 16, que busca ampliar o acesso público à informação, proteger liberdades fundamentais e garantir a igualdade de acesso à justiça para todos. Com apoio do MPI, o 2º Encontro do GT Nacional das Línguas Indígenas para a Década Internacional das Línguas Indígenas será realizado entre os dias de 5 a 8 de novembro de 2024, na Terra Indígena Buriti, município de Dois Irmão, em Mato Grosso do Sul.
“É uma convocação para a defesa e fortalecimento das línguas indígenas porque as línguas dos povos ancestrais são repositórios de saberes, mantém a floresta em pé e os rios limpos diante da crise climática. A Década faz compreender a dimensão real dos idiomas indígenas. Dá voz aos povos indígenas ao expressarem conceitos sobre suas próprias línguas e epistemologias indígenas”, analisou a coordenadora.
Altaci também aponta para o lançamento, previsto para 2024, do mapeamento quantitativo de línguas e povos indígenas do Censo, que conterá uma abordagem mais atualizada e fidedigna do quadro atual de dados, já que as perguntas foram reformuladas para que as observações sejam feitas de uma perspectiva indígena, o que denota uma mudança de percepção do mundo não indígena sobre a necessidade de consultar os indígenas a respeito de elementos tão relevantes como idiomas.
Nesse sentido, o MPI visa criar os Centros de Altos Estudos para as línguas indígenas. Trata-se de uma parceria com as universidades para formação de indígenas com o intuito de tomarem conta das suas próprias línguas, para que funcione como repositório de pesquisas de línguas indígenas e para a formação de tradutores e intérpretes em línguas indígenas.
Cosmovisão e subjetividade
“Para além da mera comunicação, da troca de informações, um idioma precisa ser interpretado como o canal de símbolos e signos, que possibilitam a inserção de uma lógica e uma cosmovisão. Esse canal impacta diretamente na formação de subjetividade de cada indivíduo e seu pertencimento coletivo na sociedade”, explicou o professor e diretor do Departamento de Línguas e Memórias Indígenas (DELING) do MPI, Eliel Benites.
Benites cita como exemplo o caso da língua geral chamada Nheengatu, derivada do Tupi e sistematizada pelos jesuítas, que no fim do século 17 passou a ser utilizada como forma de comunicação entre indígenas e colonizadores, mas cujo ensino foi proibido em 1758 pelo Marquês de Pombal para privilegiar a inserção do idioma português como língua oficial do país. Isso contribuiu não só para desvalorizar e invisibilizar as centenas de línguas do país, mas também como um projeto dominador para sufocar conceitos, ensinamentos e maneiras de enxergar o mundo conforme os indígenas.
De acordo com Eliel Benites, a importância das informações acerca das línguas indígenas nacionais se dá como a base para fundamentar uma política linguística do MPI, tanto para promover um resgate quanto para conservar um vasto corpo de conhecimento que é vítima de um processo de extinção planejado desde a colonização.
Universidade Indígena
Com foco nesse situação, o DELING vem conduzindo uma série de 18 Seminários Regionais de Consulta sobre a Universidade Indígena (UIND) em diversas regiões do país. O objetivo é elaborar, junto aos povos indígenas do Brasil, um projeto para criar uma instituição de ensino. A previsão é que o giro de consultas se encerre em setembro.
Por meio do Grupo de Trabalho (GT) criado pelo Ministério da Educação (MEC) e iniciado em abril deste ano, a iniciativa está em estudo com articulação do MPI. Países como Bolívia e México já possuem universidades indígenas, que podem servir de modelo para o projeto brasileiro.
O Grupo de Trabalho é formado por membros do Conselho Nacional de Educação Escolar Indígena, do Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena, da Secretaria de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas e da Secretaria de Educação Superior, com o objetivo de construir o conceito da Universidade.
De acordo com o diretor do DELING, Eliel Benites, trata-se de uma demanda antiga que busca utilizar a universidade como meio de resistência e luta e para formar jovens lideranças indígenas. A demanda foi originalmente apresentada pelo movimento indígena na Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena (CONEEI), em 2009, e no Seminário Educação Superior de Indígenas no Brasil, em 2013.
“A Universidade tem uma característica, uma estrutura que incorpora saberes, línguas e conhecimentos tradicionais dos povos, e aprofunda o processo de fortalecimento da perspectiva de diversidade dos povos indígenas no Brasil”, disse Benites.
Outro importante papel do GT é analisar a viabilidade técnica e orçamentária da instituição até o início de outubro, quando irá apresentar o resultado da escuta feita junto aos povos indígenas.
“A proposta foi se construindo diante da importância de legitimar o processo da estruturação da Universidade, uma vez que há 305 povos diferentes, com línguas e culturas diversas aqui no Brasil. Nesse GT, foi estabelecido um cronograma de consulta de seminários regionais para informar e também ouvir o que cada povo pensa sobre a Universidade Indígena e, a partir dali, pensar uma proposta que abarque toda essa diversidade”, acrescentou.
Vale destacar que o MPI também desenvolve outras frentes para fortalecer os idiomas indígenas do Brasil. Um dos projetos trata da tradução de legislação brasileira, como a Constituição Federal, e há o edital Ancestralidade Viva: Apoio e Incentivo à Cultura dos Povos Indígenas, que está em andamento e habilitou 147 projetos referentes à festas e festivais de povos indígenas.
A iniciativa fornecerá apoio financeiro a 50 propostas que visem a promoção da cultura e dos saberes indígenas, garantindo visibilidade e autonomia dos povos indígenas.
*Com informações do Ministério dos Povos Indígenas
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