O 'SISTEMA', POR SÍLVIO NAVARRO - A imagem que explica Brasília | Notícias Tudo Aqui!

O 'SISTEMA', POR SÍLVIO NAVARRO - A imagem que explica Brasília

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No momento em que a Vaza Toga expõe as irregularidades do gabinete do ministro Alexandre de Moraes, a cúpula dos Três Poderes se reúne para debochar dos pagadores de impostos

 

Uma fotografia registrada na manhã de terça-feira, 20, explica por que o Brasil não consegue sair do buraco onde se enfiou há cinco anos. Aparecem acomodadas e sorridentes em sofás 16 pessoas. São elas: os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), os presidentes do Senado (Rodrigo Pacheco) e da Câmara (Arthur Lira), além dos representantes do presidente Lula da Silva na sala, Rui Costa (chefe da Casa Civil) e Jorge Messias (advogado-geral da União). É esse o grupo que decide os rumos do país — e o número de assentos destinados a cada um dos Poderes deixa claro quem manda mais ou menos.

Oficialmente, o encontro foi marcado porque houve um entrave na liberação de recursos do Orçamento da União por meio das emendas parlamentares de gatilho rápido. São as chamadas “emendas Pix”, que os congressistas preferem para enviar dinheiro até as obras em redutos eleitorais. Neste ano, o Supremo resolveu interferir também nesse tema. O Palácio do Planalto, que não tem maioria no Legislativo e perdeu a queda de braço com deputados, não achou a ideia ruim. Aliás, nos corredores de Brasília, fala-se abertamente que a Corte agiu em socorro do governo do PT.

O resultado da reunião foi uma resolução de como a fatia mais generosa do Orçamento — ou seja, as emendas dos parlamentares — será aplicada a partir de agora. Trata-se de um bolo de R$ 33,6 bilhões, sendo R$ 25 bilhões da modalidade “Pix”. Embora o discurso alinhado seja de que houve um acordo, consenso etc., a verdade é que o Supremo ajudou Lula outra vez.

Aqui entra o primeiro problema na foto: por que os 11 integrantes da Suprema Corte devem interferir na partilha do dinheiro dos pagadores de impostos? O STF não é um tribunal de conciliação, portanto não é o seu papel servir de mediador de pactos entre o Executivo e o Legislativo — até porque a Corte pode julgar integrantes dos dois Poderes.

A Constituição é bem clara, a começar pelo artigo 165, sobre o papel do Plano Plurianual (PPA), depois da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e, por fim, da Lei Orçamentária Anual (LOA). Em nenhum momento, a Carta em vigor cita o Supremo como árbitro de despesa pública.

O Orçamento parece um monstrengo com siglas e números, mas, desde que Brasília existe, um corpo técnico é treinado anualmente para manejá-lo, e alguns congressistas se profissionalizaram na carpintaria dessas cifras. O melhor exemplo em décadas é o do ex-senador Romero Jucá (MDB-RR), que foi líder de todos os governos até a posse de Jair Bolsonaro, justamente porque conduzia bem essas negociações entre parlamentares e ministérios.

A fiscalização da execução orçamentária cabe ao Tribunal de Contas da União (TCU). Ocorre que o ministro do STF Flávio Dino não gostou dessas tais “emendas Pix”, porque dão muito poder aos parlamentares — ou “falta transparência” no caminho do dinheiro até as mãos dos prefeitos. Também aqui cabe outra pergunta: para que servem, então, os Tribunais de Contas Estaduais e até Municipais, senão para a missão de fiscalizar o que ocorre nas prefeituras? Por que o Supremo deve se envolver nessa história?

A trajetória de Dino ajuda a compreender: ele é um dos personagens da política moderna que deram a volta completa na Praça dos Três Poderes. Depois de passar pela Câmara dos Deputados e governar o Maranhão por dois mandatos, foi eleito senador em 2022, mas escolheu ser ministro da Justiça de Lula e, recentemente, chegou ao Supremo. Conforme disse Lula, “pela primeira vez na história, conseguimos colocar na Suprema Corte um ministro comunista”. Dino trocou cedo a magistratura pela militância no PCdoB. É inevitável pensar que o comunista não agiu a favor do padrinho ao emparedar o Congresso nesse episódio das emendas.

Na quarta-feira, 21, Lula usou um desses eventos de fachada no Palácio do Planalto, chamado de “Pacto pela Transformação Ecológica”, para convidar Pacheco, Lira e o presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, para outra foto — desta vez, com ele. “A minha alegria aqui hoje, em dizer para vocês que eu estou plenamente satisfeito, porque juntar os Três Poderes demonstra com muita clareza, mas muita clareza mesmo, que o Brasil voltou à normalidade civilizatória”, disse. “É o testemunho da força e da maturidade da nossa democracia.”

Estado Jagunço de Direito

O convescote sobre as novas regras do Orçamento é o pano de fundo de uma encrenca maior. Aliado de Lula e Dino, o ministro Alexandre de Moraes segue no epicentro de um escândalo apelidado de “Vaza Toga”. Trata-se da divulgação de conversas de auxiliares de seus gabinetes no Supremo e no Tribunal Superior Eleitoral, que se misturaram, para perseguir a direita no Brasil nos últimos anos. Os diálogos foram publicados em uma série de reportagens pelo jornal Folha de S.Paulo desde a semana passada, e documentam a ilegalidade jurídica em estado bruto (leia o artigo de J.R. Guzzo nesta edição).

De longe, a Vaza Toga é o tema mais comentado nas redes sociais. Mas as autoridades dos Três Poderes preferem falar pouco — algumas, nada — sobre o tema. Por um lado, é como se houvesse um compasso de espera pela incerteza do conteúdo que ainda pode vir à tona, ou do tamanho da manifestação popular convocada para o Sete de Setembro. Do outro lado, a estratégia é apostar que o assunto esfrie nas manchetes, dada a má vontade das redações da imprensa tradicional.

O ministro Alexandre de Moraes, contudo, quer resolver o problema de outro jeito. Ele abriu mais um inquérito de ofício — que se soma a uma dezena de outros, todos conduzidos em sigilo por ele. O número do novo inquérito é 4.972. Na prática, pede que a Polícia Federal investigue ele mesmo. Moraes não nega a veracidade das conversas, mas está decidido a saber quem as vazou para a Folha de S.Paulo. Ele fala na existência de uma organização criminosa que pretende cassar um a um os ministros até fechar o Supremo e instalar uma ditadura — usa como base na abertura do inquérito a revista de esquerda Fórum. Como o jornal disse desde o primeiro texto, o material não foi obtido por meio de hackeamento. Logo, o inquérito pode atropelar o sigilo de fonte da imprensa — artigo 5º, inciso XIV da Constituição.

O perito forense Eduardo Tagliaferro, que cumpria ordens de juízes auxiliares do gabinete, uma das figuras centrais nos diálogos, é o suspeito número 1 na lista de Moraes. Ele, a mulher e o ex-cunhado prestaram depoimento à Polícia Federal na quinta-feira, 22.

Tagliaferro era o chefe do “núcleo de enfrentamento à desinformação” criado por Moraes no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mas foi demitido depois de ser preso, no ano passado, por acusação de violência doméstica. O Supremo acha que, nesse período em que ficou preso, alguém conseguiu desbloquear seu celular e copiou suas conversas.

O inquérito de 2 mil dias

Novos trechos da Vaza Jato foram divulgados nesta semana pela Folha de S.Paulo. As reportagens são assinadas pelos repórteres Fabio Serapião e Glenn Greenwald. A mais recente volta a mostrar que relatórios eram produzidos por encomenda contra “bolsonaristas”, depois que os alvos eram escolhidos. Traduzindo: quando um personagem era escolhido para ser multado ou bloqueado nas redes sociais, aparecia uma ordem para que a equipe achasse alguma coisa contra ele no X/Twitter, Instagram ou Facebook. Há casos em que as denúncias partem de autores registrados como “anônimos” — ou seja, ninguém sabe sequer como a informação chegou. Uma das conversas identifica o ex-deputado Alexandre Frota como informante do gabinete de Moraes.

O jornal passou a afirmar textualmente que “o Tribunal Superior Eleitoral foi utilizado para abastecer inquéritos criminais em andamento contra bolsonaristas”. Detalhe: o Ministério Público não era ouvido — ou só foi acionado muito depois das punições aplicadas. O inquérito-matriz, das fake news, já dura 2 mil dias — é de uma longevidade sem precedentes.

Há erros grotescos na condução das investigações contra fake news, que provavelmente acarretarão a nulidade de processos no futuro. Pessoas nem sequer envolvidas em episódios investigados foram prejudicadas. Um deles é o ex-deputado estadual Homero Marchese, do Republicanos do Paraná. O paranaense foi apontado por Tagliaferro como responsável por uma postagem nas redes sociais contra ministros do STF. Marchese não era o autor da mensagem, conforme alertou a Procuradoria-Geral da República quando teve acesso às investigações, muito tempo depois. O ex-deputado passou meio ano com as contas retidas por algo que não fez.

O consórcio de governo tentou aniquilar seus adversários políticos. Quando não foram encontradas provas, a recomendação foi para “usar a criatividade”

Moraes não se manifestou mais sobre o escândalo. Na semana passada, ele disse que todos os alvos citados eram investigados paralelamente nos inquéritos do Supremo, por isso achou que não era preciso se “auto-oficiar”. O decano da Corte, Gilmar Mendes, repetiu o discurso em entrevista à TV Bandeirantes no domingo. Mas isso não é verdade. Por exemplo: Homero Marchese não era investigado pelo STF na época. Provavelmente, dezenas de outras pessoas devem ter sofrido as mesmas arbitrariedades, mas nem isso é permitido checar, porque os inquéritos tentaculares são secretos. E, sim, tudo deve ser oficiado para que o devido processo legal seja preservado, assim como a materialidade de provas. Vale lembrar que, nesta década, um político foi liberado da prisão para voltar à Presidência da República por um erro formal, o tal erro de CEP: não era para ter sido processado no Paraná, mas em Brasília.

De tudo o que já apareceu na Vaza Toga, uma conclusão parece óbvia: o consórcio de governo tentou aniquilar seus adversários políticos. Quando não foram encontradas provas, a recomendação foi para “usar a criatividade”. Ou cogitar que uns “jagunços resolvessem na marra”. Afinal, para esse consórcio, a “democracia é relativa”. A diferença é que, desta vez, eles estão expostos.

(revistaoeste)


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