OPINIÃO DE J.R.GUZZO - A diplomacia imoral | Notícias Tudo Aqui!

OPINIÃO DE J.R.GUZZO - A diplomacia imoral

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Só existe, no governo, uma regra válida em política externa: para ser independente, um país tem de combater o 'imperialismo capitalista' dos EUA e das 'potências centrais' do mundo democrático

 

É complicado dizer que a “política externa” do terceiro governo Lula é pior que a maioria das suas políticas internas. Como seria possível, por exemplo, ser pior que a política de educação, ou a de saúde, ou a de segurança pública? A única esperança, na verdade, está nas áreas em que não há política nenhuma — nessas, quem sabe, o esforço de demolição liderado pelo presidente da República possa deixar alguma coisa mais ou menos de pé, já que estará concentrado em demolir o resto. As relações externas do Brasil não tiveram essa ajuda da fortuna. São, ao contrário, o foco da hiperatividade mais destrutiva das facções extremistas do atual governo e do seu “projeto de país”. O resultado é um Brasil que o mundo nunca viu antes, nos raros momentos em que olhou para cá. O princípio-chave de sua estratégia diplomática é se aliar, sempre, com o que há de moralmente mais errado nas relações internacionais.

Os serviços de propaganda do governo sustentam, é claro, que moral é uma coisa relativa — o que é errado para uns é certo para outros, com a particularidade de que “nós” estamos sempre certos e os “outros” estão sempre errados. Mas princípios morais de verdade não são uma questão de ponto de vista. São regras objetivas de conduta, aceitas pela maioria das consciências humanas e evidentes por si próprias. A política externa do governo Lula é uma violação frontal, deliberada e permanente a essas normas. É simples. A Rússia invadiu o território da Ucrânia; é inevitável, a partir daí, que há um agressor e um agredido, e a agressão é moralmente errada. O Brasil de Lula ficou, para todos os efeitos práticos, a favor da Rússia. Ditaduras ofendem as regras mais elementares da moral; o Brasil de Lula é a favor de todas as ditaduras. O terrorismo é obviamente condenado pelos princípios morais em vigor. O Brasil de Lula é a favor do Irã, descrito como Estado terrorista por todas as democracias, e do Hamas, que impõe o assassinato em massa de judeus como dever de seus militantes.

O último acesso de falta de escrúpulos da diplomacia brasileira é a sua volta ao local do crime na questão da Ucrânia. Tornou-se uma ideia fixa. O governo Lula, é certo, não consegue ficar a favor da moral — mas não precisaria ficar a favor do que é imoral. Não quer condenar a invasão de um país por outro, como a diplomacia brasileira sempre condenou? Tudo bem. Bastaria, aí, o Brasil não dizer nada, nem a favor e nem contra, e se fazer de morto. Ninguém iria perceber, e muito menos cobrar nada do governo. Mas não. Lula inventou de ficar a favor do agressor contra o agredido — e desde então o Brasil só tem se enterrado mais neste buraco onde se meteu de graça. Não parece que vai sair, pois uma das compulsões mais frequentes do Lula 3 é fazer dois erros, ou quantos forem necessários, para reforçar o erro inicial. No caso, o erro de origem foi a ideia realmente extraordinária de que tanto a Rússia como a Ucrânia eram responsáveis pela guerra. Pela teoria diplomática de Lula, quando um não quer dois não brigam; tudo o que a Ucrânia teria de fazer, por esse tipo de raciocínio, seria aceitar que o seu território fosse invadido e se sentar com os russos num botequim para tomar uma cervejinha e resolver tudo na conversa.

É esse disparate que serve de princípio fundamental para a política externa brasileira no momento mais crítico para a paz mundial desde o fim da Segunda Guerra. Na hora em que o Brasil mais precisa da competência e do compromisso da sua diplomacia com os interesses nacionais, o que o governo Lula oferece é a ideologia pessoal, rancorosa e fracassada do próprio presidente e dos viciados em Terceiro Mundo que governam com ele e consomem teorias de 70 anos atrás. Só existe, no governo, uma regra válida em política externa: para ser independente, um país tem de combater o “imperialismo capitalista” dos Estados Unidos e das “potências centrais” do mundo democrático. Isso só se faz, segundo o pensamento único do Itamaraty lulista, ficando do lado da Rússia e da China. Esqueçam o Brasil. O que é bom para russos, chineses e suas ditaduras tem de servir para os brasileiros — e não é da conta de ninguém ficar perguntando se é bom ou ruim. Tanto faz se é invasão da Ucrânia, assassinato em massa de civis em Israel, tortura de mulheres no Irã, ou o que for. É “contra os Estados Unidos”? Então é bom para o Brasil.

O fundo do poço até aqui (só até aqui, porque esse tipo de poço não tem um fundo conhecido) é a presente escroqueria do plano de “desescalada” que a China colocou no ar para ajudar a Rússia na guerra com a Ucrânia. A ideia geral, com o apoio do ministro-chefe Celso Amorim, é criar um “clube da paz” imaginário, que pretende cessar os combates — desde que fique tudo como está hoje no “terreno”. Ou seja: a Rússia continua no território que ocupou até agora, para de atacar a Ucrânia, e a partir daí a gente conversa. A Ucrânia, por sua vez, não precisa mais se defender, pode até ficar com o território que lhe sobrou e leva a vantagem, pelo menos por enquanto, de não tomar mais bomba nas costas. É a essência da oferta feita pela China: vamos falar de paz, mas não se fala de desocupar território nenhum. Lula acha isso muito razoável — segundo ele, “a decisão da guerra foi tomada por dois países” e, sendo assim, os dois têm de aceitar as “consequências”. Como assim — “dois países”? Seria a primeira vez na história em que um país decidiu ser invadido por outro, mas isso não vem ao caso para a diplomacia brasileira. Se tudo der certo, a Rússia aceita não ocupar mais território do que já ocupou. A Ucrânia aceita perder a parte do seu território que já foi ocupada.

O Brasil tem peso militar equivalente ao quadrado do zero, não controla nenhuma tecnologia crítica e está no lugar errado do mapa-múndi

Isso é a “paz possível” de que fala o chanceler Amorim. Qual seria a “paz possível”, então, quando a Alemanha nazista ocupou a maior parte dos seus vizinhos de fronteira? Ou, para ficar mais perto, quando o Paraguai invadiu o Brasil? O “clube da paz” de Lula deixaria o Paraguai ficar com a parte de Mato Grosso que tinha invadido? É o que ele propõe para a Ucrânia. Pela sua visão das coisas, “o Putin não toma a iniciativa de parar, o Zelensky não toma a iniciativa de parar”, e por isso está havendo esse problema todo. “O Zelensky”, segundo a doutrina de política internacional de Lula, deveria tomar a iniciativa de não defender mais o seu país. Sua teimosia, como se vê, é um obstáculo para a paz. É a nossa grande sorte, levando-se em conta a soma de Lula, Amorim, Janja e quem mais dá palpite na diplomacia brasileira, que ninguém queira invadir o Brasil hoje em dia. Já no primeiro tiro, iam propor uma “negociação” com o invasor e mostrar para o mundo como um metalúrgico resolve o que as grandes potências não têm capacidade de resolver.

A política externa de Lula está errada em tudo. Parte da miragem de que o Brasil é um país “importante” para o mundo e, como tal, pode ter voz, influência e poder de decisão na comunidade das nações. Não é nada disso. O Brasil tem peso militar equivalente ao quadrado do zero, não controla nenhuma tecnologia crítica e está no lugar errado do mapa-múndi. Não produz conhecimento. A governança é uma piada, a segurança jurídica não existe, e a vida pública é uma das mais corruptas do planeta, segundo as organizações de vigilância de melhor reputação internacional. A maioria da população é semianalfabeta, quando comparada aos países com os índices de educação mais altos. Vai influir no que, desse jeito? O Brasil, sem dúvida, é fundamental para a produção mundial de alimentos; é uma economia com PIB anual na casa dos US$ 2 trilhões e com condições materiais de crescimento melhores do que tem a maior parte dos países. Mas isso não significa poder político — e muito menos o patrimônio moral indispensável para ocupar uma posição de respeito no cenário internacional.

Lula e o seu Itamaraty imaginam que podem ser levados a sério porque não admitem nenhuma das condições citadas acima — e dizem a si próprios que o Brasil é uma potência que não existe no mundo das realidades. Quer influir no equilíbrio mundial, assustar as potências desenvolvidas e resolver as grandes questões em jogo — Ucrânia, Palestina, “mudança do clima” e tudo mais que passar pela frente. Não consegue dar esgoto à maioria da sua população, nem lidar com uma epidemia de dengue, nem fornecer um mínimo de segurança para a vida dos próprios cidadãos brasileiros. Mas fica falando em “Sul Global”, em resistência ao “avanço da direita no mundo” e em “salvar o planeta” com a sua política externa “ativa e altiva”. Acreditam que sendo contra o “imperialismo” vão receber tratamento especial da Rússia e da China — que, naturalmente, não vão fazer ou deixar de fazer coisa alguma por causa do Brasil, a não ser no seu estrito interesse nacional. Não existe nada no fim desse arco-íris.

(revistaoeste)


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