"EDUQUE-SE, LIBERTE-SE" - A mensagem da poeta Prêmio Nobel no Dia Internacional da Mulher em 8 de março
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Na época, Gabriela Mistral ainda era Lucila Godoy Alcayaga. E tinha apenas 17 anos.
Mas nem seu relativo anonimato nem sua juventude impediram que incomodasse a sociedade conservadora chilena do início do século 20.
Por meio de um ensaio publicado em um jornal local em 1906, aquela que viria a se tornar a escritora, diplomata e intelectual mais importante da história do Chile manifestou sua posição a favor da ampliação dos direitos das mulheres.
O texto, intitulado "A Instrução da Mulher", é considerado por estudiosos de Mistral como inovador e revelador, e segue sendo, até hoje, uma referência importante para quem defende a causa feminista.
O texto foi publicado cinco anos antes do Dia Internacional das Mulheres, celebrado neste sábado (8/3), ser comemorado pela primeira vez em 1911, na Áustria, Dinamarca, Alemanha e Suíça. A data, no entanto, só foi oficializada em 1975, quando foi introduzida no calendário da ONU.
Nele, essa "jovenzinha rebelde", como foi chamada, incentiva as mulheres a se instruírem, pois, para ela, essa é a única forma de que possam se sustentar por si mesmas, conquistar dignidade e deixar de ser "mendigas de proteção".
Dessa maneira, Gabriela Mistral cristalizou pela primeira vez um pensamento que defenderia pelo resto da vida: a necessidade urgente da educação para as mulheres.
No entanto, a primeira pessoa da América Latina a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura (em 1945) – e até hoje a única mulher da região a receber essa distinção – viveu em uma época extremamente conservadora.
E esse ensaio, somado a outros textos considerados "escandalosos" para a época, fez com que fosse rejeitada por parte da sociedade em que vivia.
Tanto que, na cidade de La Serena – localizada no norte do Chile, perto de sua Vicuña natal –, a Igreja Católica barrou sua aspiração de se tornar professora da Escola Normal local.
"Gabriela Mistral foi classificada, na época, como uma pensadora ateia e revolucionária", explica à BBC Mundo Jaime Quezada, um dos principais especialistas na obra da poetisa.
"Por esse e outros artigos, a sociedade provinciana a marginalizou e ela enfrentou sérias dificuldades. Mas nunca abandonou suas convicções e, anos depois, continuou abrindo espaço para as mulheres, que ainda eram praticamente invisibilizadas", acrescenta.
Primeiros anos
Para entender a origem do pensamento expresso em "A Instrução da Mulher", é preciso conhecer a trajetória da poetisa.
De acordo com Claudia Reyes García, pesquisadora e biógrafa de Mistral, há dois fatores-chave: sua criação cercada apenas por mulheres e sua formação completamente autodidata.
Gabriela Mistral nasceu em 1889, em uma comunidade isolada do nordeste do Chile chamada Vicuña, que hoje é um destino turístico importante.
Seu pai, o professor Jerônimo Godoy Villanueva, abandonou a família quando ela tinha apenas 3 anos.
A escritora, então, cresceu ao lado da mãe, Petronila Alcayaga Rojas, que era bordadeira e costureira, e da meia-irmã, Ana Emelina.
Foi justamente Ana Emelina quem a alfabetizou, ensinando-a a ler e a escrever.
Segundo a biografia da poetisa publicada pela instituição chilena Ruta Camino a Gabriela Mistral, em 1900, quando tinha 11 anos, a futura vencedora do Nobel deixou a Escola Superior de Meninas após ser acusada de roubo de materiais, o que teria provocado zombarias e agressões por parte de suas colegas.
Sem acesso à educação formal, decidiu aprender sozinha, devorando todos os livros que encontrava.
E fez isso com uma habilidade impressionante.
Tanto que, no final de 1903, começou a atuar como professora assistente.
Nesse período, um papel fundamental foi desempenhado pelo professor e jornalista Bernardo Ossandón, com quem construiu uma forte amizade. Ele lhe forneceu diversos livros – de filosofia a astronomia – para que pudesse aprofundar seus estudos.
No livro Gabriela Mistral, a Voz de Elqui, Pedro Pablo Zegers, renomado especialista em Mistral e ex-diretor da Biblioteca Nacional do Chile, descreve Ossandón da seguinte forma:
"Velho jornalista de Elqui, radicado em La Serena (...) Bernardo Ossandón veio a se tornar o velho amigo que 'possuía o fenômeno provincial de uma biblioteca grande e excelente'."
O início da carreira literária
Ossandón, que dirigia o jornal El Coquimbo, em La Serena, deu a Mistral a oportunidade de publicar colunas.
Foi nas páginas desse jornal que se iniciou a carreira literária daquela que ficaria mundialmente conhecida como Gabriela Mistral.
No começo, os artigos eram assinados com seu nome de batismo – Lucila Godoy Alcayaga –, mas, depois, ela passou a usar diversos pseudônimos, como Alguém, Soledad e Alma.
Aos poucos, seus textos – alguns de tom romântico, outros carregados de reflexões e ideias – começaram a aparecer em outros veículos, como La Voz del Elqui.
Foi justamente nesse jornal que, coincidentemente em 8 de março de 1906 – antes que essa data fosse reconhecida como o Dia Internacional da Mulher –, foi publicado seu célebre texto "A Instrução da Mulher".
Nele, Gabriela Mistral afirma que o papel das mulheres é excessivamente "pálido" e critica o fato de que muitos enxergam nelas apenas a capacidade de "governar o lar".
E as exorta a buscar instrução.
"Porque a mulher instruída" – diz ela – "deixa de ser essa fanática ridícula que não atrai nada além de zombaria; porque deixa de ser essa esposa monótona que, para manter o amor conjugal, não conta com mais nada além de sua beleza física e acaba por tornar entediante essa vida em que a contemplação se esgota. Porque a mulher instruída deixa de ser esse ser desvalido que, fraca para lutar contra a Miséria, acaba por se vender miseravelmente se suas forças físicas não lhe permitem o trabalho."
Para a poetisa, educar a mulher "é torná-la digna e elevá-la".
No artigo, Gabriela Mistral também questiona a religião, o que, segundo seus biógrafos, intensificou ainda mais a rejeição ao texto por parte da sociedade conservadora.
A poetisa se pergunta por que os pais afastam das mãos de seus filhos obras científicas "com o pretexto" de que sua leitura pode mudar os "sentimentos religiosos do coração".
"Que religião mais digna do que a que tem o sábio?", escreve.
"Eu colocaria ao alcance de toda a juventude a leitura desses grandes sóis da ciência, para que se aprofundassem no estudo dessa Natureza da qual devem formar uma ideia sobre seu Criador. Eu lhes mostraria o céu do astrônomo, não o do teólogo", afirma.
Gabriela Mistral conclui o artigo pedindo mais futuro e mais oportunidades para as mulheres.
"Que se faça amar a ciência mais do que as joias e as sedas", declara.
Sua relevância até hoje
Embora o texto tenha sido publicado há exatamente 118 anos, para muitos estudiosos de Gabriela Mistral, ele continua "totalmente atual".
"Qualquer liberdade ou autonomia da mulher, tanto em 1906 quanto em 2024, passa pela educação, pela instrução. Então, muitas das coisas ditas nessa coluna poderiam ser ditas agora também", afirma à BBC Mundo Claudia Reyes García.
"Porque, se você tivesse que explicar hoje a uma mulher como conquistar seus direitos, teria que dizer: instrua-se, eduque-se – exatamente como Mistral disse há mais de 100 anos", acrescenta a biógrafa.
A pesquisadora explica que o artigo tem sido amplamente divulgado nos últimos anos, impulsionado pela onda feminista que ganhou força no Chile e em outros países da América Latina.
"É um texto que se popularizou, que se tornou cada vez mais conhecido. E hoje ele é indispensável entre seus escritos fundamentais, porque não apenas marca sua trajetória como prosadora, pensadora e intelectual, mas também é seu primeiro texto feminista", destaca.
Algo que poderia parecer uma contradição, considerando que Mistral não se identificava com o feminismo de sua época.
Para Reyes García, a relação da poetisa com o movimento – então liderado por mulheres como a professora e escritora Amanda Labarca – era "complexa", pois Mistral o via com certas reservas, considerando-o elitista.
"Ela dizia que esse feminismo era de salão e que não considerava nem se preocupava com as necessidades das mulheres de outras classes sociais", explica a pesquisadora.
Além disso, não participou das lutas da época por igualdade de gênero e chegou a criticar alguns projetos que buscavam incluir as mulheres no mercado de trabalho e em ofícios "pesados".
Mistral acreditava que essas condições de trabalho não levavam em conta as funções tradicionalmente desempenhadas pelas mulheres, como o cuidado do lar e a criação dos filhos.
Para sua biógrafa, essa visão se devia ao fato de que "ela estava mais próxima das urgências das mulheres mais vulneráveis da época".
Segundo Jaime Quezada, "Gabriela Mistral não se considerava uma feminista radical, mas se preocupava com o mundo feminino, tanto no Chile quanto na América Latina".
"A questão da mulher está presente em todos os seus escritos, e culmina nos artigos em que defende o direito ao voto feminino", acrescenta.
A escritora sempre foi uma ferrenha defensora da necessidade de impulsionar o desenvolvimento intelectual das mulheres, como deixou claro neste texto que publicou aos 17 anos – um dos primeiros a chamar atenção para sua escrita e seu pensamento.
Gabriela Mistral faleceu em Nova York em 10 de janeiro de 1957, já consagrada como uma estrela mundial da poesia e da diplomacia.
Seu trabalho abriu caminho para tantas outras chilenas e latino-americanas, que viram nela a possibilidade de brilhar não apenas ao "governar o lar", mas também no mundo intelectual e literário.
(bbc)
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