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Como as crenças religiosas evoluíram

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ColunistaMarco Anconi

Ao contrário do que muitas pessoas podem pensar, ciência e religião não são necessariamente opostas ou mutuamente excludentes.

Inclusive, muitos cientistas passam suas vidas acadêmicas estudando a religião. É o caso de Kelly James Clark, pesquisador sênior do Instituto Inter-Kaufman da Grand Valley State University, em Michigan, nos EUA.

Segundo Clark, há muitas teorias científicas a respeito de como o pensamento religioso se originou. Mas duas das ideias mais aceitas têm a ver com a maneira como os seres humanos interagem com seu ambiente natural.

Os seres humanos estão rodando pela Terra já faz um tempo. Sem nenhuma das comodidades modernas, a vida dessas pessoas era bastante diferente da nossa no passado.

Imagine o seguinte: milhares de anos atrás, nas planícies africanas, você está sentado à espera de um antílope para caçá-lo para jantar. De repente, vê um movimento e escuta um barulho na grama na sua frente. O que você faz? Reflete sobre o que poderia estar causando o farfalhar (o vento ou um leão, por exemplo), ou toma imediatamente algum tipo de ação, como fugir?

A segunda opção é a mais segura, não é? Clark explica que os seres humanos que sobreviveram e procriaram foram aqueles que desenvolveram o que os cientistas evolucionistas chamam de “dispositivo de detecção de agência de hiperativo” (na sigla em inglês, HADD).

HADD é o mecanismo que permite que humanos percebam que muitas coisas têm “agência”, que é a capacidade de agir por conta própria. Esta compreensão facilita o processo de tomada de decisão rápida (por exemplo, fugir quando se ouve um farfalhar na grama, pois pode ser um leão, e leões agem por conta própria).

Mas, além de ajudar os humanos a tomar decisões racionais, alguns pesquisadores defendem que o HADD pode ter plantado as sementes para o pensamento religioso. Isso teria acontecido quando os seres humanos começaram a atribuir agência para coisas que na verdade não têm agência.

Por exemplo, pingos de chuva não são agentes. “Eles não podem agir por vontade própria. Eles simplesmente caem”, afirma Clark, argumentando que, no entanto, os primeiros seres humanos viram agência em diversos fenômenos naturais. Ou seja, começaram a atribuir sentido a coisas que não estavam realmente agindo por conta própria.

Agir com uma finalidade é a base para o que os cientistas evolucionistas chamam de Teoria da Mente, outra ideia frequentemente citada nas discussões sobre as origens da religião.

Ao atribuir intenção ou propósito para as ações dos seres que de fato têm agência, como outras pessoas, humanos não simplesmente reagem o mais rapidamente possível ao mundo ao seu redor, como também podem antecipar as ações dos outros e planejar suas próprias ações em conformidade.

Isso foi útil no passado, é claro. É útil até hoje. Permite, por exemplo, que as pessoas discirnam as intenções positivas e negativas das outras (esse indivíduo quer me ajudar ou quer me ferrar?).

Mas quando as pessoas começam a atribuir propósito às ações de coisas que não têm agência, como gotas de chuva, a teoria da mente dá uma guinada em direção ao sobrenatural. “A ameaça de uma tempestade ou a devastação de uma inundação foram amplamente vistas entre culturas como o produto de um agente pessoal perigoso no céu ou rio, respectivamente”, explana Allen Kerkeslager, professor do Departamento de Teologia e Estudos Religiosos na Universidade de Saint Joseph, na Filadélfia, nos EUA. “Da mesma forma, os movimentos do sol, lua e estrelas foram amplamente explicados como movimentos de agentes pessoais com poderes extraordinários”.

De acordo com muitos cientistas cognitivos, essa tendência de explicar o mundo natural através da existência de seres com poderes sobre-humanos – coisas como deuses, espíritos ancestrais, duendes e fadas – formaram a base para crenças religiosas.

Coletivamente, o HADD e a teoria da mente podem ter levado os humanos a criar conceitos sobrenaturais para coisas que ainda não compreendiam.

 “Agora, entendemos melhor que as coisas que achávamos que eram agentes não são agentes”, diz Clark. Talvez seja por isso que, atualmente, quase nenhuma cultura acredita que a tempestade é resultado de um “deus trovão”, por exemplo.

No entanto, embora conhecimento possa esclarecer aspectos do mundo natural, não podemos nunca nos livrar das nossas faculdades cognitivas. “Todos nós temos um dispositivo de detecção de agência hiperativo. Todos nós temos uma teoria da mente”, conta Clark.

Essa é apenas uma das explicações possíveis para o nascimento das religiões. Mas nem todos os cientistas concordam que o pensamento religioso é apenas um subproduto da evolução, ou seja, algo que surgiu como resultado de faculdades cognitivas não religiosas.

Alguns pesquisadores vêem a religião como uma adaptação para que as pessoas vivam melhor, e sejam mais capazes de sobreviver e transmitir seus genes.

Robin Dunbar, psicólogo evolucionista e antropólogo da Universidade de Oxford, no Reino Unido, cujo trabalho se concentra principalmente sobre o comportamento de primatas, acredita que a religião pode ter evoluído como uma adaptação grupal.

Dunbar afirma que a religião é uma espécie de cola que mantém a sociedade unida. Os seres humanos podem ter a desenvolvido como uma forma de promover a cooperação em grupos.

Primatas (não só seres humanos) tendem a viver em grupos, pois isso os beneficia de várias maneiras. Por exemplo, a caça em grupo é mais eficaz do que fazer isso sozinho. Mas viver em grupos também podem ter desvantagens – alguns indivíduos podem tirar proveito do sistema.

Imagine um grupo grande no qual todo mundo caça, menos um indivíduo. No entanto, todo mundo come essa caça. Esse “folgado” aumenta os custos sociais para alguns indivíduos, que precisam caçar mais, e ainda assim dividir a comida com quem não caçou. Como resultado, os explorados podem tornar-se menos dispostos a “apoiar o contrato social”. Na ausência de benefício suficiente para compensar seus esforços, os indivíduos que não quiserem mais tolerar os folgados podem trocar de grupo para um menor, com menos custos.

Mas se o grupo descobrir uma maneira de fazer com que todos se comportem de forma altruísta, os membros individuais do grupo são menos propensos a deixá-lo. Consequentemente, o grupo é mais propenso a se manter coeso.

“Religião pode ter naturalmente surgido a partir desta necessidade de manter todos em um determinado grupo com o mesmo pensamento”, afirma Dunbar.

Seja feliz e encontre-se.

Ame-se e evolua.

Marco Anconi
mac.anconi@gmail.com


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