Delfim Neto está mais para as sete vidas de um gato
Em 2016, Delfim Netto prestou depoimento à Polícia Federal, numa das frentes de investigação da Operação Lava-Jato, que apurou o testemunho de delatores de que houve favorecimento na construção da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, em troca do pagamento de propina. Ministro civil e, ainda assim, o mais poderoso ao longo dos 21 anos de sucessivos governos militares no Brasil, Delfim negou as acusações.
Dois anos depois, ontem, a PF foi autorizada pela justiça a buscar documentos nos domicílios de Delfim, principal visado por essa nova etapa da Lava-Jato, a Buona Fortuna. Falou-se em prisão, mas a justiça considerou desnecessária essa medida extrema, ao menos por enquanto. Delfim tem 89 anos. Apesar da gordura, parece gozar de boa saúde.
O Brasil precisa acertar as suas contas com Delfim. Um dos mais brilhantes intelectuais do país, no topo da qualificação entre os economistas brasileiros, ele fez muito mal à nação. Gerou o "milagre econômico" dos anos 1968/73, quando o Brasil cresceu à taxa anual de 11%, que só o Japão igualava. Com a diferença é de que o milagre japonês era à base de poupança real. O brasileiro, movido a endividamento.
O país se tornou o mais endividado do mundo no período de maior poder de Delfim na área econômica. Não por por acaso, coincidindo com o obscurantismo político, à sombra do Ato Institucional nº 5, que ele subscreveu como ministro da Fazenda (ocupou ainda o Planejamento e a Agricultura). O sangramento financeiro e econômico, além da hecatombe social, persiste até hoje.
Ainda assim, é preciso apurar com fatos se Delfim recebeu propina para organizar o leilão de Belo Monte, decidido em abril de 2010, quando era a mais cara obra pública do Brasil. Mesmo os observadores mais atentos foram surpreendidos com o resultado da licitação, que deu a vitória ao mais fraco dos dois consórcios que disputaram a obra.
O que as investigações não destacam, ou, pelo menos, o que a imprensa não observa, é onde se deu o pulo do gato. Ao contrário do que os governos petistas proclamaram, ali não houve um choque de capitalismo. Mais uma vez, e de forma mais intensa, o governo entrou com o dinheiro do investimento e as empresas faturaram. E
sta conformação é que dá à corrupção patrocinada pelo PT no poder sua originalidade - e gravidade - em relação ás anteriores: ela se tornou sistêmica,. Tão sistemática que levou a maior empreiteira do país, a Odebrecht, a inovar em matéria de corrupção mundial, ao criar o departamento de operações estruturadas, para racionalizar a corrupção. Ela devia durar pelo menos 20 anos, de forma contínua e crescente.
As grandes empreiteiras, que simularam aplicar capital de risco como concessionárias de energia, logo pularam o balcão e assumiram o seu papel tradicional, de executoras da obra e super faturadoras do custo, deixando o pepino nas mãos da Eletrobrás e dos fundos estatais que não conseguiram sair em tempo. E que, não por mera coincidência, estão afundando, como o Funcef (da Caixa) e o Petros (da Petrobrás). Também não por acaso, o custo de Belo Monte pulou de 14,5 bilhões de reais para R$ 32 bilhões.
Se os jornais estão reproduzindo o que os investigadores lhes disseram, estão engolindo um erro aritmético elementar. Para um custo original de R$ 14,5 bilhões, a propina seria de 1%. O PMDB receberia R$ 60 milhões e o PT outros R$ 60 milhões. Para Delfim foram R$ 15 milhões. Tudo bem: e onde foram parar os R$ 10 milhões que faltam?
Pode ser um mero lapso. Mais preocupante é o juiz Sérgio moro só ter determinado o bloqueio de R$ 4,4 milhões do patrimônio de Delfim. Pode significar que os demais R$ 10,6 milhões ainda não foram comprovados como propina. Daí os mandados de busca e apreensão, para catar mais documentos. Os até agora apreendidos não foram suficientes para confirmar a acusação integral.
Em dois anos desde o seu depoimento à PF, Delfim Netto pode ter sido capaz de fazer outro milagre: o do desaparecimento das provas, se existentes, livrando-se da condenação, pela qual o país tanto espera, mas sem ferir a verdade. É bom não esquecer que ele conseguiu cinco mandatos sucessivos de deputado federal pelo Estado mais rico e poderoso da federação, São Paulo. E que, depois de assinar o AI-5, foi um dos pa´si da "constituição cidadã" de 1988.
Pode parecer a alguns que Delfim se parece a um rato. Na verdade, ele tem mais afinidades com as sete vidas de um gato.
LÚCIO FLÁVIO PINTO
Editor do Jornal Pessoal em Belém (PA)
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