Na pressão, Exército ganha espaço com Temer
O general Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército brasileiro, está habituado a se manifestar para seus milhares de seguidores no Twitter. Eram 206 mil nesta terça-feira – sobre diversos temas, Vez ou outra, se posiciona sobre temas espinhosos, como o indesejado corte orçamentário das Forças Armadas ou suas visões sobre segurança pública.
No último Dia do Exército, em 19 de abril de 2017, também discursou, diante do presidente Michel Temer e do juiz Sergio Moro, sobre como "a aguda crise moral, expressa em incontáveis escândalos de corrupção, nos compromete o futuro". Mas sabe-se que algo vai além quando, com um semblante sério, William Bonner puxa um punhado de folhas e anuncia uma "última informação" no Jornal Nacional desta terça-feira:
"Sem citar o julgamento do Habeas Corpus de Lula pelo Supremo amanhã, VilasBôas fez um comentário em repúdio à impunidade numa rede social". Em seguida, o jornalista do principal telejornal da TV Globo lê em tom solene, como se fosse um pronunciamento, os dois tuítes do comandante. Ao invés do habitual tom moderado, suas palavras tinham um forte e intencional tom político dirigido "à Nação".
No contexto de polarização política, e às vésperas de um julgamento que acabou resultando na prisão de Lula, o general colocou o Exército ao lado dos "cidadãos de bem" que repudiam "a impunidade" e garantiu que a instituição se mantém atenta "às suas missões institucionais" – sem detalhar quais são elas. Palavras que reverberaram em todo o país. Trata-se de uma ameaça de intervenção militar caso o ex-presidente Lula fique livre e seja eleito?
O general extrapolou suas funções legais ao se posicionar sobre um tema sobre um assunto que diz respeito à Justiça? Estaria o Brasil voltando aos tempos em que a opinião e os comunicados dos altos comandos militares merecem destaque no noticiário?
Daniel Aarão Reis, professor de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF), classifica a manifestação de Villas Bôas como “intempestiva e completamente indevida”. Para ele, que foi guerrilheiro durante a ditadura militar, o Brasil possui "uma tradição histórica" de sofrer "com a ingerência das Forças Armadas".
Algo que "remonta à proclamação da República, fruto de um golpe militar". Isso porque "os militares não se reconhecem nem querem ser reconhecidos como funcionários públicos uniformizados, mas como tutores da nação, uma espécie de 'anjos da guarda' da República", explica ao EL PAÍS.
Autor de livros como Luís Carlos Prestes - Um revolucionário entre dois mundos(Companhia das Letras, vencedor do prêmio Jabuti em 2015) e Ditadura e Democracia no Brasil (Zahar), Aarão Reis também cita as "intervenções golpistas" que instauraram a ditadura do Estado Novo (1937-45) ou a última ditadura civil-militar (1964-85). Mas também fala de uma série de "ameaças, veladas ou explícitas", ao longo do século XX.
Com a redemocratização, ele diz, "os constituintes de 1988 capitularam face ao lobby das Forças Armadas e mantiveram na Carta Magna artigos que autorizam a intervenção militar para 'garantir a lei e a ordem' (GLO)".
Depois, entre os governos FHC e Dilma, as Forças Armadas viram o Ministério da Defesa ser ocupado por civis, a criação da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos da ditadura militar e, posteriormente, a constituição da Comissão Nacional da Verdade. Submeteram-se ao poder civil e se voltaram para os quartéis, perdendo relevância na vida política do país.
No entanto, Aarão Reis lembra que, paralelamente a esse processo, todos os presidentes civis recorreram repetidas vezes ao Exército, a partir de decretos de GLO, para a área de segurança pública.
"Não tiveram a coragem de propor que se alterasse esta situação, de sorte que os militares permanecem como uma espécie de 'estado dentro do estado', com justiça própria, educação própria, previdência própria. E com este vezo de intervir como se fossem tutores da nação. Assim, nesta perspectiva, o general Vilas Bôas reiterou esta tradição [ao se manifestar no Twitter]".
FELIPE BETIM
El País
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