Já está disponível no catálogo da plataforma de streaming Netflix o filme “Homem com H”, cinebiografia sobre a vida e a arte do cantor Ney Matogrosso, uma das maiores referências da MPB e que tem uma carreira brilhante ao longo de sua carreira. O filme, escrito e dirigido por Esmir Filho, mostra a vida do artista desde menino, quando tinha conflitos com o pai - militar e extremamente autoritário -, até a sua passagem pela aeronáutica e depois a vida como músico, do início até a consagração.
O filme é emoção pura por vários fatores e um propulsor magnífico na interpretação do ator Jesuíta Barbosa, uma força da natureza ao incorporar muito bem a persona de Ney, desde os atributos físicos - ele chegou a emagrecer 14 quilos -, até a performance musical - com expressão corporal, olhares e gestuais tão similar ao artista. Que maravilha!
Jesuíta respeita e projeta em cada cena, uma intensidade ímpar que faz Ney viver na tela, sem filtros. O diretor conta e expõe a vida amorosa e intensa do cantor, não poupando detalhes da sua relação com amores que marcaram a sua vida, os traumas perpetuados pela relação conflituosa com o pai - que depois reconhece o artista - e até as dores no início de carreira buscando firmar seu talento.

Para dar autenticidade ao que é mostrado, “Homem com H”, passou por um processo longo e detalhado com o próprio Ney, que ajudou a supervisionar a história de sua cinebiografia. Retirar as invenções e mostrar a verdade que viveu, distanciando da ficção.
Um dos pontos mais referendados foi o seu envolvimento com o cantor Cazuza - ainda antes dele estourar com a banda Barão Vermelho nos anos 80 -, que teve como base o livro de memórias do cantor, que foi publicado em 2018 - “Vira-Lata de Raça”.
Dessa mesma fonte o diretor tirou o principal envolvimento amoroso de Ney, o médico Marco de Maria, com que manteve um casamento de 13 anos, que morreu nos anos 90 em consequência da Aids. Esse é um dos pontos dramáticos do filme, pois Ney perdeu um outro grande amor, Cazuza, pela mesma doença e dirigiu o último show dele em vida, “Ideologia”.
Outra fonte que o diretor Esmir teve foi o livro biográfico “Ney Matogrosso - A biografia” (2021), escrito pelo jornalista e biógrafo Júlio Maria, que levou cinco anos de pesquisa, reunindo cerca de 200 entrevistas, visitas nos locais mais importantes da vida do artista, como a sua terra natal, a casa onde passou a infância e juventude, nesse espaço de tempo ainda conseguiu localizar o irmão mais velho de Ney.
Além dessa base e a supervisão de Ney o roteiro de Esmir passou por 15 revisões até receber o aval do artista. E desse conjunto de fontes que ele conseguiu sintetizar muito bem os fatos reais mesclando uma unidade cronológica bem resolvida e consistente, sem ser chata ou clichê, até mesmo porque a vida do artista é um achado e o domínio de Jesuita no papel título é emocionante, com uma carga dramática que vai do suave ao intenso numa medida proporcionalmente perfeita.
Repito: que interpretação!
Na cidade do interior de Bela Vista, no Mato-Grosso do Sul, o menino Ney de Souza Pereira já apresenta desgaste na sua relação conflituosa com pai, militar, autoritário e rígido, Com o passar do tempo, já adolescente ele resolve ir embora e sair de casa após uma briga. Se alista na Aeronáutica e se torna um dos melhores militares da sua tropa, contrariando o pai que não acreditava na sua transformação.
Quando se muda para o Rio de Janeiro, conhece dois músicos que buscam um vocalista com uma voz diferenciada, e juntos fundam o “Secos & Molhados”, se tornando um sucesso avassalador - mesmo no período militar que o país vivia, Ney com a sua androginia - uso de maquiagem e dança sensual - conseguiu chamar muito a atenção.

Não vou entrar em detalhes da história, mas Ney acabou saindo do “Secos & Molhados” e seguiu uma carreira solo vitoriosa, puxada principalmente pelo disco “Água do Céu - Pássaro” (de 1975), que tem uma citação emocionante ao referendar um momento secreto do seu pai, seu Antônio (excelente presença do ator Rômulo Braga).
A partir daí, Ney comanda a própria carreira e passa por uma relação intensa com a própria sexualidade e relacionamentos, movido pelo sua busca artística também. O filme destaca como as performances ousadas de Ney chegou a incomodar a censura nos anos 70 - principalmente no Nordeste quando realizou uma turnê de sucesso.
No período de transição para os anos 80, o filme mostra como Ney conhece o “herdeiro da gravadora Som Livre”, assim apresentado pela sua amiga para o jovem Cazuza (Júllio Reis), antes de fundar a banda Barão Vermelho. Desse relacionamento caótico, muito por conta do envolvimento de Cazuza com as drogas, saiu uma forte e ambígua amizade.
Outro ponto foi a ascenção artística de Ney com peculiaridades da sua carreira musical, como não querer gravar a música “Homem com H”, um antigo sucesso de forró composta por Antônio Barros, e que se tornou um estrondoso sucesso na sua voz e performance.
O diretor Esmir cria sequências intensas de sexo envolvendo o cantor, plasticamente muito bem realizadas e que não surgem gratuitas, porém contextualizam o momento vivido por ele e as consequências emocionais.
Um dos momentos mais importantes do filme é quando ocorre o início da Aids no mundo, e no Brasil entra de forma avassaladora a partir de meados dos anos 80 e início dos 90, quando Ney começa a perder as pessoas que mudaram a sua vida, como Cazuza (vale citar o momento em que o cantor cita a letra ainda em formação de “O tempo não para”) e o marido Marco. Cenas comoventes.
Ao final o filme guarda uma surpresa ainda mais emocionante e até quem não é fã vai sentir o impacto da figura antológica e brilhante que é Ney.

“Homem com H” é uma declaração de amor ao artista e a pessoa, Ney Matogrosso, um dos maiores da nossa MPB.
Os cuidado técnicos do filme são suscetíveis aos olhos com uma excelência primorosa, por conta da fotografia do ótimo Azul Serra, além do trabalho de maquiagem e figurino. A direção de arte e design de produção ao reproduzir os anos 70 - tanto em cenas externas (como as filmadas na praia) - quanto internas (os primeiros shows, ambientação dentro dos apartamentos).
O filme estreou nos cinemas brasileiros no dia 1º de maio, até o fechamento de bilheteria - o filme tinha levado mais de 600 mil pessoas aos cinemas e arrecadou aproximadamente 14 milhões de reais - a Netflix adquiriu os direitos de adicionar ao seu catálogo de lançamentos de junho
Vale a pena, nesse que é, com certeza, um dos melhores filmes de 2025.