OS PRIVILEGIADOS



Me sinto um cara privilegiado! Sou filho da guerra, nasci em 1944, quando se encerrava a 2ª Guerra Mundial. Mas cultuo a paz. E tenho vivido e testemunhado coisas fantásticas das quais me orgulho.

Sou de um tempo em que só havia dois gêneros: masculino e feminino. Em casa ou na escola, a informação era a mesma. A alegria era presente em minha vida infantil. Não havia conflitos e todos se davam bem. A música era companheira e embalava meus sentidos todos os dias.

O rádio, ligado em uma antena sobre a cumeeira da casa, nos embalava com suas músicas e cantigas de Ângela Maria, Orlando Silva, Dalva de Oliveira e o vozeirão de Nelson Gonçalves entre outros do mesmo naipe.

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Quando o rádio parava, entrava a voz bonita da minha mãe debruçada sobre o jirau, lavando louças ...”enquanto houver força em meu peito, eu não quero mais nada. Só vingança, vingança e vingança, aos santos clamar...”

Quando ia e vinha da escola, e no início do dia ou no fim da tarde, ia ao ar, o serviço de alta falantes com oito cornetas no alto de um mastro, enchendo a cidade de músicas, recados e notícias.

Na escola, cantávamos todos os hinos: o nacional, o da bandeira, o do exército, marinha, aeronáutica, da república e até do índio. Brigávamos para participar dos desfiles de 7 de setembro. E para não sentir os seis quilômetros de caminhada para casa, ia cantando um desses hinos, no ritmo marcial. Era divertido!

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Dez anos depois estava no Rio de Janeiro, sozinho, comensal do Calabouço e aprendiz de repórter. Testemunhando, protestando, lutando contra a ditatura e curtindo as novidades da música. Dançando nos vesperais do Clube do Botafogo, no Mourisco, na Casa de Portugal, na Casa do Pará, no Bairro do Catete e nos bailes populares da Avenida Getúlio Vargas.

Tempo em que curtir o Teatro Municipal assistindo os ‘Consertos para a Juventude’ nos domingos, com grandes orquestras sinfônicas. Ou ainda, vendo, de terno e gravata, em ‘avant première’, o lançamento de filmes como ‘Cleópatra’, ‘Bem Hur’ ou ‘Os dez mandamentos’. E ainda sobrava um tempinho para a praia do Leme, de Copacabana, Leblon ou Botafogo. Ou então, a Urca, para namorar.

Foi nesse ambiente que vi nascer estrelas e gêneros musicais.

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Ouvi, curtir e dancei todos os ritmos. Saí dos boleros de Miltinho, Altemar Dutra, Carlos Galhardo e tantos, do Samba-Canção do Nelson Gonçalves e outros, do Xá-Xá-Xá e do Twist para embarcar no Rock de Élvis Presley e dos Beatles. E fazer a travessia para o Yê-Yê-Yê do Roberto Carlos, Wanderleia, Erasmo e Rosemeire.

E não ficou por aí. Vi, vibrei, gritei e cantei no Maracanãzinho, as vitoriosas músicas dos festivais da canção. Testemunhei o surgimento de Elís Regina, Chico Buarque, Geraldo Vandré e Jair Rodrigues, o criador do Rap brasileiro, sem ter consciência disso na época e tantos mais.  

Vi Jorge Ben, hoje Ben Jor, cantando num ‘inferninho’ na esquina da Rua Nossa Senhora de Copacabana com a Rua Duvivier, completamente desconhecido. Assim com vi Jerry Adriani e seus amigos, entre eles Roberto Carlos, cantando em grupo, na calçada da Rua Francisco Moratori com a Rua Gomes Freire, na Lapa. Simples jovens tocando violão. Desconhecidíssimos.

Ví surgir a Tropicália de Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil e Betânia, os Novos Baianos de Pepeu Gomes, Morais Moreira e Baby Consuelo, hoje, do Brasil, e o Secos & Molhados de Rita Lee e Ney Matogrosso. Cantei e pulei o ... ‘gato preto no meio da estrada’.

Foi nesse ambiente em ebulição, fantástico, que se começou ouvir falar de um ‘monstro’ vindo da Bahia que estava revolucionando o velho samba, paixão nacional equivalente ao futebol. Trazia uma ‘nova’ batida e um ‘novo’ jeito de cantar. Seu nome era João Gilberto. E todos corríamos para ouvir o disco de João. Estava enxergando o nascimento da Bossa Nova e vendo o seu criador.

João, o baiano, revolucionou e revitalizou o samba no Brasil. E levou para o mundo. Nos estados unidos, sua Bossa Nova ressuscitou o Jazz e o Blues no gosto popular, então em queda.

E ele só precisou de um violão e uma voz sussurrada. Nada de graves rachando o peito, nem agudos rasgando a garganta. Só um sussurro, quase uma declamação, uma oração.

Agora me diga: eu e os da minha geração, que realizamos essa travessia, somos ou não somos uns privilegiados? Eu, mais ainda, pois estava na boca do vulcão que, a cada erupção, nos encantava com a genialidade dos astros que expelia.

As décadas de 60 a 80 nos agraciou com seres privilegiados. Agradeço a Deus por tudo isso! Até pela pobreza musical dos dias de hoje.

João Gilberto, com somente um violão e um voz curta, fez uma revolução musical ...

E contraponto à Tropicália, de Caetano e Gal ...

E ao Yê-Yê-Yê de Roberto Carlos

Eu vi, vivi e testemunhei tudo isso, graças a Deus!.

Fonte: noticiastudoaqui.com

Autor: Osmar Silva



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