A luta contra o racismo no Brasil pede mais do que homenagens: requer atitudes



Novembro reúne duas datas simbólicas da luta antirracista no país, evidenciando que o enfrentamento ao racismo segue sendo um desafio urgente e permanente.

“Uma estatística chocante é que os tubarões frequentemente acompanhavam os navios negreiros, esperando para se alimentar dos corpos dos que morriam no mar. Os tubarões começavam a seguir os navios assim que eles deixavam a costa africana e os seguiam até o fim da viagem, esperando o ‘banquete’ ser lançado ao mar”.

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O texto acima é do livro ‘Escravidão – Volume I’, do historiador Laurentino Gomes, e relata uma pequena fração do verdadeiro calvário que eram, para os negros sequestrados e escravizados, os navios negreiros nas longas viagens que faziam, pelo Oceano Atlântico, entre o continente Africano e o Brasil.

O Brasil manteve a escravidão como base econômica por cerca de 388 anos, abolida oficialmente apenas em 13 de maio de 1888, com a Lei Áurea. Estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que 4 milhões de africanos escravizados desembarcaram no país para atuar em diferentes setores da economia — um número que coloca o Brasil como o maior importador de escravizados das Américas.

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É provável que qualquer brasileiro negro com mais de 30 anos tenha um bisavô ou tataravô que viveu sob a escravidão. Afinal, são apenas 137 anos desde a abolição. Esse intervalo tão curto na história ajuda a entender por que as raízes desse sistema cruel ainda se fazem sentir de forma profunda na sociedade brasileira.

Ferida aberta

Para dimensionar o nível de discriminação racial no país, uma pesquisa realizada pelas organizações Vital Strategies Brasil e Umane, com apoio do Ministério da Igualdade Racial, divulgada em maio de 2024, revelou diferentes formas de preconceito vivenciadas pela população — sobretudo pelos negros.

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Foram entrevistadas 2.458 pessoas entre agosto e setembro de 2024. Entre cada 100 pessoas pretas, 84 relataram já ter sofrido discriminação racial. Os números escancaram que a desigualdade racial no Brasil é uma ferida ainda aberta.

Entre os entrevistados, 84% da população preta afirmou que a discriminação sofrida estava diretamente relacionada à cor da pele. Entre brancos, esse índice foi de 8,3%, e entre pardos, 10,8%.

O levantamento apurou ainda extratos que sofreram mais de um caso de discriminação. A pior situação é das mulheres pretas: 72% delas sofreram mais de um tipo de preconceito. Depois, são os homens pretos com 62,1%. Enquanto, na população branca, os números giram em torno de 30,5% para as mulheres e 52,9% para os homens.

Nesse caldeirão de preconceito racial, o Atlas da Violência, divulgado também em maio último, trouxe uma informação de que a cor define quem está mais propenso a ser vítima de homicídio. Uma pessoa negra no Brasil tem um risco 2,7 vezes maior de ser vítima desse tipo de crime que uma pessoa não negra. Paralelo a isso, o último Censo do IBGE, revelou que pretos e pardos são 72,9% dos moradores de favelas. Outro dado do levantamento é que pretos (8,4%) e pardos (8%) têm taxa de desemprego maior que a de brancos (5,6%).

Debater mais

Esse quadro da realidade da população negra no Brasil, também se repete em Rondônia, na opinião da advogada e professora universitária, Luciane Lima Costa e Silva Pinto. Ela nasceu em Niterói, no Rio de Janeiro, e afirmou que vê como um avanço a criação datas lembrando a raça negra, porém, ressalta que é pouco.

“Eu me lembro a alegria que foi no Rio de Janeiro quando foi criado o Dia Estadual da Consciência Negra, Dia de Zumbi dos Palmares, dia 20 de novembro de 2002. Fomos para rua de tanta felicidade e ali dissemos que esse era o início, mas que aquele seria um dia nacional e apenas em 2023, 20 anos depois conseguimos instituir o dia 20 de novembro, como um feriado nacional”, observou.

No entanto, Luciana afirma que ainda falta muito para o Brasil superar o racismo. Para ela é necessário que a nação discuta e garanta espaços e condições para que a população negra possa, de fato, se sentir integrada ao país como um todo.

“Tenho visto escolas colocando cartazes como ‘Consciência é ter respeito’. Isso reduz demais o significado do Dia da Consciência Negra. Essa data é um marco da luta de pessoas pretas por direitos, acesso e oportunidades. Deveríamos estar debatendo com estudantes universitários onde estão os jovens negros e periféricos, por que não estão ali, como garantir mais médicos, engenheiros, arquitetos negros. Por que os trabalhadores braçais são majoritariamente negros?”, questiona.

Ela lembra que o racismo estrutural se revela nas escolhas diárias: “Refletimos isso quando, diante de currículos iguais, se escolhe contratar uma pessoa branca porque não se reconhece a diversidade brasileira e se rejeitam nossos corpos e cabelos”, conclui.

Rosa Negra

A professora Rosenilda Ferreira de Souza Silva, conhecida como Rosa Negra, coordena nacionalmente o Movimento Negro Unificado (MNU) e atua como diretora do Sintero. Militante histórica da causa racial em Rondônia, ela afirma que novembro — com o Dia Nacional de Combate ao Racismo (18) e o Dia da Consciência Negra (20) — representa não apenas reflexão, mas convocação à ação coletiva.

A coordenadora nacional do Movimento Negro Unificado, Rosa Negra, diz que o racismo é mais cruel com as mulheres negras

Rosa Negra afirma que o racismo atinge a todos, indistintamente, porém, observou, ele é muito mais cruel com as mulheres. Ela diz que mesmo sendo as que mais sentem o peso da discriminação devido a cor da pele, o sexo feminino é o que mais oferece alternativas contra essa ferida aberta em nossa sociedade.

“Para nós, mulheres negras, o racismo é ainda mais cruel. Sofremos a interseção do racismo e do machismo. Somos as que mais enfrentam desemprego, violência doméstica e exclusão dos espaços de poder. Mas também somos as que mais constroem caminhos de esperança, lideram movimentos e sustentam a comunidade. Queremos resistir, mas também viver com dignidade e bem-viver”, declarou.

Enfrentamento e representatividade

O campo da política em Rondônia sempre foi um espaço quase que, exclusivamente, ocupado por homens brancos. As mulheres que já se elegeram para atuar nos parlamentos rondonienses sempre foram exceções e, sendo negras, mais raras ainda. Uma dessas raridades é a ex-deputada estadual Rosária Helena, que exerceu o mandato de vereadora e de deputada estadual, nos anos 80 e 90, tendo como base política o município de Ouro Preto do Oeste.

“Ser mulher ocupando espaço na política em Rondônia, assim como é em qualquer outro lugar desse país, é um desafio para mim ou qualquer outra negra que já ocupou ou ocupa espaço na política. Não é simples! Primeiro, que as pessoas acham, inclusive, meio estranho. Hoje já melhorou um pouco isso, mas, há alguns anos atrás ser política e ocupar espaço importante de poder era um grande obstáculo. As pessoas não estavam acostumadas a ver uma mulher negra em uma posição de destaque, não era comum. Ainda causa espanto de alguma forma, mas isso já melhorou muito”, avaliou.

A ex-deputada estadual, Rosária Helena, diz que se a juventude negra tiver de fazer o enfretamento para impor respeito, faça esse enfrentamento.

Rosária Helena contou que já passou por situações em que foi tratada de forma diferente simplesmente pelo fato de ser negra. Nesses momentos, afirmou, decidiu enfrentar quem a discriminava.

“Na minha trajetória política eu já enfrentei muitas, não foi apenas uma vez. Via que o que estava acontecendo era racismo nu e cru. Sempre enfrentei com muita coragem. Não é fácil, causa indignação e tristeza, mas sobrevivi fazendo política em Rondônia porque enfrentei quando foi necessário. Consegui enfrentar e fazendo os enfrentamentos quando necessários. Os negros ocupam um espaço muito pequeno, quando é algo maior e quando se fala de mulher negra, aí é que esse espaço encolhe ainda mais. Para a juventude negra, meu recado é: tenham coragem de assumir sua negritude. Não escondam quem vocês são. Se precisarem enfrentar para impor respeito, façam esse enfrentamento”, finali finalizou.

Texto: Ivanilson Frazão I Jornalista Secom ALE/RO
Fotos: Arquivo Pessoal e Divulgação





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