REGIÃO MAIS BIODIVERSA DO MUNDO - Como a degradação da Amazônia aumenta o risco de novas pandemias

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No segundo semestre de 2022, uma situação inusitada em Roraima chamou a atenção do cientista Felipe Naveca.

Centenas de pessoas passaram a apresentar febre, dor no corpo, vermelhidão na pele e nos olhos — sintomas que sugerem um quadro de dengue, zika ou chikungunya.

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No entanto, uma grande proporção dos exames laboratoriais feitos nesses pacientes trazia um resultado negativo para essas três doenças, transmitidas pela picada do mosquito Aedes aegypti.

"Ou seja, eram muitos casos suspeitos e poucos confirmados", resume Naveca, que é pesquisador em saúde pública da Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz).

Esse vírus endêmico da Amazônia também é transmitido por mosquitos — e a infecção provoca incômodos similares aos observados na ação daqueles outros três patógenos mais conhecidos.

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Desde o episódio ocorrido em Roraima, algo parecido se repetiu em outras partes da Região Norte, como Acre, Amazonas e Rondônia.

Além disso, o vírus conseguiu ultrapassar as barreiras da Amazônia e hoje causa surtos em locais como Bahia, Espírito Santo e Santa Catarina, além de já ter sido importado para outros países das Américas e da Europa.

O oropouche é apenas um exemplo de como a Amazônia, o local mais biodiverso do mundo, é lar de milhares de vírus, bactérias e outros agentes microscópicos que podem eventualmente causar problemas de saúde em seres humanos.

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Mais que isso, pesquisas recentes têm demonstrado que a degradação desse bioma por meio do desmatamento, do garimpo e de outras atividades aumenta o risco de contato com esses patógenos — e eventualmente pode se tornar o gatilho para futuras epidemias ou até pandemias.

A BBC News Brasil conversou com especialistas para entender o risco de a Amazônia virar o berço de futuros problemas de saúde pública global e o que precisa ser feito para evitar que um cenário desses se torne realidade num futuro próximo.

Vida em (des)equilíbrio

Em linhas gerais, vírus, fungos, bactérias, protozoários e outros agentes microscópicos vivem ciclos bem definidos na natureza, com animais hospedeiros, intermediários e outros elementos que determinam o equilíbrio dessa dinâmica.

"Esses patógenos circulam de uma maneira saudável dentro do ecossistema onde atuam, sem causar problemas para os seres humanos", contextualiza o biólogo Joel Henrique Ellwanger, do Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

"A ameaça só passa a existir quando acontece a interferência humana nesses sistemas", complementa ele.

Nos últimos cinco anos, Ellwanger publicou alguns artigos científicos em que detalha como um processo desses poderia acontecer na Amazônia.

A ideia dele é entender como esse spillover — conceito científico que descreve uma espécie de "pulo" ou "salto", um processo de transição no qual os patógenos passam a afetar os seres humanos — pode acontecer na prática, dentro do contexto específico deste bioma brasileiro.

"Nem todo evento de spillover vai gerar uma epidemia. Isso vai depender do patógeno, de ele conseguir chegar até a população humana e encontrar ali as condições favoráveis para se disseminar", pondera o biólogo.

E essas tais condições favoráveis envolvem aspectos biológicos e genéticos — como nossas células terem um receptor onde o vírus consegue se encaixar, por exemplo — até questões sociais, como a existência de um mosquito na região que pode servir de hospedeiro e perpetuador dos ciclos de transmissão.

"Quando ocorre o desmatamento em alguma região, toda a fauna que habita aquele lugar vai se mover. Muitas vezes, o animal que servia de reservatório natural para aquele patógeno foge. E os vetores, que transmitem doenças como malária e leishmaniose, vão se alimentar de sangue disponível, como o de seres humanos", detalha Naveca.

No entanto, quando pensamos na abundância amazônica, tudo isso ganha uma escala muito maior, o que faz as probabilidades também crescerem numa progressão geométrica.

"Imagina a diversidade de plantas que existe ali e a gente sequer conhece. Se pensarmos que cada espécie de ser vivo possui um microbioma próprio, estamos muito longe de entender todas as potenciais ameaças", explica Ellwanger.

"Nós conhecemos apenas uma gota de um imenso oceano microbiano que interage nesse ecossistema", complementa ele.

O historiador das ciências Rômulo de Paula Andrade, da Casa de Oswaldo Cruz, também ligada à FioCruz, chama a atenção para o trabalho feito por um laboratório de virologia que foi instalado em Belém do Pará entre 1954 e 1971, com patrocínio da Fundação Rockefeller, dos Estados Unidos.

"Nesse período, a partir da coleta de amostras, eles isolaram mais de 2 mil cepas de vírus que são transmitidos por insetos ou aracnídeos", conta ele.

Ou seja, se apenas um ou alguns deles forem capazes de cumprir alguns requisitos básicos para um spillover — como foi o caso do oropouche recentemente —, estamos diante de uma possível nova dor de cabeça em termos de saúde pública.

"Vários estudos recentes mostram que a gente não conhece quase nada em termos da diversidade de patógenos da Amazônia", admite Naveca.

E isso se torna ainda mais preocupante num cenário de degradação deste bioma, como registrado ao longo das últimas décadas.

"São tantos os vetores, patógenos, mecanismos e facilitadores de eventos de spillover que a degradação da Amazônia se torna a tempestade perfeita para a disseminação de doenças infecciosas", resume Ellwanger.


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