
Normalmente temido como um juiz duro em processos criminais, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux se tornou a principal esperança das defesas no julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e mais sete réus — todos ex-integrantes do seu governo, incluindo três generais do Exército.
Acusados de tentar um golpe de Estado após Bolsonaro perder as eleições de 2022, os oito negam envolvimento em planos ou ações autoritárias.
O julgamento chega a sua etapa final com o início dos votos dos cinco ministros que integram a Primeira Turma do STF, a partir de terça-feira (9/9). O primeiro a votar é Alexandre de Moraes, relator do caso, seguido de Flávio Dino, Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.
A posição de Fux está sendo considerada importante entre bolsonaristas como um possível contraponto a Moraes, de quem é esperado um voto duro pela condenação. Serviria, assim, para fragilizar a tese de que houve uma tentativa de golpe.
No entanto, mesmo que Fux se manifeste por uma condenação mais branda — ou uma absolvição, cenário considerado menos provável —, seu voto só terá impacto no julgamento se conseguir influenciar outros ministros.
E, até o momento, os demais integrantes da Primeira Turma têm acompanhado os votos de Moraes.
O ministro relator já declarou que não há dúvidas de que houve uma tentativa de golpe de Estado no país. E afirmou também que a impunidade levaria a novas tentativas autoritárias. As falas ocorreram no início do julgamento, na terça-feira passada, antes de ler seu relatório (um resumo do processo).
Já as esperanças depositadas em Fux pelas defesas vêm de algumas declarações ao longo do processo contra o ex-presidente e decisões em outros casos relacionados aos ataques de 8 de janeiro de 2023, quando bolsonaristas radicais depredaram as sedes dos Três Poderes.
Fux, por exemplo, já levantou questionamentos à validade da delação de Mauro Cid — ex-ajudante de ordens de Bolsonaro que colaborou com a acusação em busca de penas mais brandas para si — devido a diferentes versões apresentadas por ele sobre o suposto plano golpista.
Além disso, passou a considerar excessivas as penas dos condenados pelo 8 de janeiro.
No julgamento de Débora dos Santos, conhecida por ter pichado a estátua da Justiça em frente ao STF com um batom, por exemplo, o ministro votou para absolvê-la da maioria das acusações e propôs uma pena de 1 ano e seis meses de reclusão, pelo crime de dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Ela acabou, porém, condenada a 14 anos, com a maioria da Turma seguindo o voto mais duro de Moraes, que a considerou culpada, também, dos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e associação criminosa armada.
"É um juiz que tem um histórico mais punitivista e que, neste caso, tem tido posições mais garantistas", nora a criminalista Flávia Rahal, professora de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, sobre a atuação de Fux no processo de Bolsonaro e de outros réus do 8 de janeiro.
Qual pode ser o impacto de Fux no julgamento?
O maior efeito que Fux poderia ter individualmente seria pedir vista, ou seja, mais tempo para analisar o processo, medida que hoje tem prazo máximo de 90 dias. Isso poderia atrasar o desfecho do julgamento.
Mesmo que ele faça isso, porém, os outros ministros podem antecipar o seu voto, já formando maioria pela condenação.
Hoje o sentimento predominante nos bastidores de Brasília é que Fux não pedirá vista, mas deve divergir de Moraes em seu voto, por exemplo considerando Bolsonaro culpado de apenas parte das acusações — ele é processado pelos crimes de liderar organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano contra patrimônio da União; e deterioração de patrimônio tombado.
A pena máxima por todos esses crimes supera 40 anos. Outro possível ponto de divergência para Fux é na fixação dessa punição.
Ainda que ele condene Bolsonaro por todos esses crimes, pode propor um tempo menor de cadeia, ressaltam os especialistas entrevistados.
"Imagino que Fux acompanhará a Primeira Turma na condenação, mas irá divergir no cálculo da pena. Não me parece impossível, ainda, que ele absolva Bolsonaro e outros réus por alguns crimes, não por todos", prevê o ex-defensor público federal Caio Paiva, hoje coordenador do CEI, uma plataforma de cursos jurídicos.
"Eu acredito que nenhum outro ministro vai acompanhar o ministro Luiz Fux", disse ainda.
Se Fux for por esse caminho isoladamente e a maioria acompanhar um voto condenatório do ministro relator, isso não mudará o desfecho do julgamento.
Mas, se ao menos um segundo ministro o acompanhar em votos mais brandos, isso poderá, eventualmente, abrir brechas para que os réus recorram da condenação ao plenário do STF, formado pelos onze ministros da Corte.
Segundo as regras do Supremo, se houver dois votos absolvendo o réu, ao menos em parte das acusações, é possível esse tipo recurso, chamado de embargos infringentes.
Um cenário como esse prolongaria o julgamento de Bolsonaro, mas não significaria, necessariamente, chances concretas de reverter uma eventual condenação na Primeira Turma, já que a maioria do plenário STF também tem apoiado a atuação de Moraes em processos relacionados ao 8 de janeiro, nota Caio Paiva.