'PENA EXCESSIVA' - Bretas diz ter sido ousado e admite imprudências na Lava Jato, mas vê decisão política em punição

Juiz aposentado compulsoriamente reconhece falhas nas redes e com advogado, mas afirma que pena é excessiva

O juiz Marcelo Bretas, aposentado compulsoriamente pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), reconheceu em entrevista à Folha episódios de imprudência em sua condução da Operação Lava Jato do Rio de Janeiro.

O magistrado, porém, avalia como excessiva a pena máxima aplicada pelos conselheiros. Ele diz ver conotação política na decisão, apontando influência de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e do STJ (Superior Tribunal de Justiça).

O CNJ considerou que houve irregularidade de Bretas na decisão de busca em escritórios de advocacia, na relação com o advogado Nythalmar Dias Ferreira Filho e interferência na eleição para governador do Rio de Janeiro de 2018 contra Eduardo Paes (PSD).

O juiz Marcelo Bretas, em seu apartamento na praia de Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro, durante entrevista sobre sua punição pelo CNJ - Eduardo Anizelli/Folhapress

O juiz reconheceu imprudência em intermediar uma conversa entre o advogado e um procurador sobre a confissão do empresário Fernando Cavendish antes da celebração de um acordo de delação. Também disse que deveria ter sido mais discreto nas redes sociais.

Bretas, porém, afirmou não ver excesso em sua relação com políticos e defendeu as medidas que determinou na Operação E$quema S, contra escritórios de advocacia de parentes de ministros e desembargadores.

"Eu fui ousado. Porque quem está de acordo com a lei não tem o que temer. Se a lei me acoberta, se eu estou agindo dentro da lei, eu tenho que ser ousado", disse ele.

Como o sr. avalia a decisão do CNJ?
Obviamente, discordo. Acreditava que essa punição máxima não seria aplicada. Na minha avaliação, eu tinha 90% de chance de não ser punido. E os 10% de chance eu atribuía a questões políticas ou outras questões.

A decisão foi política?
A decisão é política. O CNJ é formado por figuras que são indicadas politicamente. Até por ser uma decisão administrativa, ela pode, como foi o caso, ser proferida com pouca base de prova.

Eu vi conselheiros do CNJ mencionando no meu julgamento que eu postava fotos na academia, que eu fiquei famoso, vaidoso. Isso não tem nada a ver com os processos. Fui aposentado pelo chamado conjunto da obra. Eles chegaram a um consenso, possivelmente com alguns outros membros da magistratura mais graduados, de que eu deveria sair da magistratura.

Mas não há provas [de irregularidades]. Não são só as minhas palavras, mas também da Procuradoria-Geral da República. O CNJ não avaliou as provas. Quem fez isso muito bem foi a PGR. É muito fácil ver quem está falando a verdade. Eu peço que o CNJ torne públicos os processos administrativos.

Quando fala "mais graduados", o sr. fala de interferência de ministros?
Eu posso dar um exemplo. O ministro Gilmar Mendes disse que eu estava fora da magistratura e que certamente não retornaria. Então acredito que ele não estava torcendo por mim.

A minha atuação, para o bem ou para o mal, assumiu um relevo muito grande. Isso me projetou nacional e internacionalmente. Não foi o que busquei, mas aconteceu. Isso gerou, em algumas figuras, algum tipo de incômodo.

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A PGR indicou falhas em dois casos. Faltou cuidado na condução da Lava Jato?
Na questão da audiência marcada antes do primeiro turno de 2018, eu discordo da avaliação da PGR de que houve uma culpa minha. O juiz não pode estar vinculado ao calendário eleitoral. Se marco a audiência, posso prejudicar um. Mas, se não marco, estou querendo ajudar outro. Essa audiência [do ex-secretário Alexandre Pinto, que acusou Eduardo Paes] foi marcada pela minha secretária, que cuidava da pauta. Se acontecesse novamente, eu deixaria para marcar isso depois.

O segundo caso foi a ligação feita do meu gabinete. O Nythalmar, advogado de uma das partes, entra no meu gabinete e pede para fazer a ligação para o procurador. É uma conversa informal de gabinete. Sempre fui muito informal.

O MP [Ministério Público] disse que não deveria ter feito, [que] foi imprudente. Ok, concordo. Mas há de se lembrar que nós estávamos no início das chamadas delações premiadas. Não tinha uma forma. Olhar para trás e falar como devia ser feito é muito fácil.

Era uma, entre aspas, cobrança, que poderia não ter sido feita. Nesse ponto, acho que fui infeliz, imprudente. Ali eu deveria ter sido mais ríspido. "Não, isso não é assunto do juiz. Saia daqui". Mas, infelizmente, acabei caindo nesta cilada.

A dúvida que paira é se o sr. usou Nythalmar para obter confissões.
O que ele obteve, além do [empresário Fernando] Cavendish?

O Marco De Luca também devolveu dinheiro.
Uma figura paralela. Um tema menor. O que mais?

Sérgio Cabral diz que...
[Interrompe] Sérgio Cabral é mentira. Numa audiência ele confessou que recebeu dinheiro, que estava muito arrependido. Naquele momento eu disse: "Quem está arrependido devolve". Ele falou: "Eu estou de acordo". Ele aceitou. Desistiu dos recursos e permitiu que fossem feitos vários leilões: casa de praia de Mangaratiba, apartamentos no Leblon. Tudo isso foi vendido rapidamente, e o dinheiro foi devolvido ao erário.

Como o sr. tem visto as declarações dele, de que foi torturado?
O sr. Cabral é um sujeito desacreditado pelas muitas mentiras que disse ao vivo. Disse, desdisse, agora parece que se arrependeu novamente. Eu prefiro não bater boca com ele. Não gostaria de descer a esse nível. Enquanto a corrupção, que a gente ainda vê hoje, rouba os aposentados, a Lava Jato pagou aposentados que estavam sem receber há vários meses. Nós recebemos flores agradecendo.

O sr. acha que isso [aprovação pública] pode ter favorecido essa imprudência?
Um juiz não é treinado para esse momento. O juiz não é político. Pode, em algum momento, ter tido algum vacilo e me exposto demais.

O ministro Mauro Campbell falou, em seu voto, que "o verdadeiro juiz não é um semideus que exibe seus músculos". O sr. acha que deveria ter sido mais discreto nas redes?
Eu fui condenado à aposentadoria compulsória pela minha exposição, pela minha relevância pública. Foi um recado aos demais juízes: conter a imagem, evitar ao máximo ser famoso. Isso incomodou muita gente. Como não pode alegar só isso, alegaram o que um criminoso que não tem credibilidade falou, o advogado Nythalmar.

Posso ter me excedido? Acredito que sim. Mas só Deus sabe o que eu passei naqueles momentos, crise com filhos adolescentes, não pude dar atenção, problemas em casa, conjugais, dificuldades em razão do excesso do trabalho.

Outro dia eu vi alguma coisa na imprensa, de desembargadores, juízes envolvidos com venda de sentenças, e alguns estão trabalhando. Então, aparecer, mostrar os seus músculos na academia é mais perigoso ou mais grave do que você vender sentenças? Eu acho que não. Um brasileiro de bom senso também.

Mas os sr. também publicou fotos ao lado de políticos, como o ex-governador Wilson Witzel. Foi correto?
Hoje não faria, mas não acho que errei. [Witzel] era um colega de magistratura de vários anos. Aquela foto foi depois da eleição, no dia da posse. Não considero isso de forma alguma inadequado.

Também fui a um culto a convite do ex-presidente Jair Bolsonaro. Lá havia dois juízes que foram por outras pessoas convidadas, que queriam se aproximar, criar uma conexão com o presidente. O que te parece mais estranho? Nunca se falou nesses outros juízes.

O problema era Marcelo Bretas. Não pela minha figura. [Era] Pelo meu vínculo à Lava Jato. Foi um trabalho muito bem feito, com provas robustas. As pessoas confessaram. Vai dizer que o sr. Sérgio Cabral foi injustamente condenado quando ele confessou publicamente que era viciado em roubar dinheiro, em corrupção? Então, o que essas pessoas têm para poder limpar um pouco a imagem? Falar mal do juiz.

Muito mais fácil do que você atacar centenas de processos que surgiram daí é atacar o tronco em comum, que você derruba toda a árvore. Sou perseguido com um propósito muito claro: anular essas condenações e desfazer o trabalho que foi feito.

A OAB abriu um processo que pode impedir o sr. de exercer a advocacia. Como vê essa situação?
Aconteceu a mesma coisa com o ex-ministro Joaquim Barbosa quando ele deixou o Supremo após o julgamento do mensalão. Tenho certeza que, fazendo uma análise técnica do que está nos autos, poderão avaliar que isso não é verdade.

Alguns advogados proeminentes foram atingidos pela decisão do E$quema S. Essa decisão foi ratificada pelo ministro Edson Fachin e PGR. Ela foi revogada por maioria. Tudo bem. A minha decisão pode não ter sido a melhor, mas não foi abusiva.

O problema de fundo que se discutia no E$quema S, que é a atuação irregular de escritórios ligados a parentes de ministros, segundo a Folha, parece que continua acontecendo. Isso é um problema que o Brasil está acompanhando e que foi atacado de frente na operação.

Esse caso foi o que mais pesou para a punição?
Foi. Esse caso atingiu pessoas às quais eu estava subordinado. O que eles querem dizer é que eu fui ousado demais. Eu fui ousado? Sim. Porque quem está de acordo com a lei não tem o que temer. Se estou agindo dentro da lei, tenho que ser ousado. Não existe juiz medroso. Existe juiz manipulado. Se um juiz não tem coragem de tomar decisão que desagrade seus superiores, ele não merece usar a toga. É um funcionário público carimbador.

Alguns conselheiros viram essa coragem mais como um abuso.
Eu ouvi isso no julgamento. Eu não vi abuso. Eu estou amparado pela lei.

RAIO-X

Marcelo Bretas, 54, é juiz federal desde 1997. Nascido em Nilópolis (RJ), formou-se na Faculdade de Direito da UFRJ e fez mestrado em Justiça e Direitos Humanos na Universidade Católica de Petrópolis. Foi promotor de Justiça em 1996. Assumiu a Operação Lava Jato do Rio de Janeiro em 2015 e foi o responsável por emitir ordens de prisão contra o ex-presidente Michel Temer, o ex-governador Sérgio Cabral, empresários e doleiros. Foi aposentado compulsoriamente pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) por irregularidades na condução dos processos.

(folha de s. paulo)


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