Padre Nicolino e as suas viagens que o levaram a conhecer Oriximiná



Oriximiná é um município do estado do Pará, pertence ao bioma amazônico. Sua extensão territorial equivale a 107.560,161 km² e possui 68.294 de habitantes, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O nome Oriximiná é de origem indígena, de procedência tupi, que significa “o macho da abelha”, o zangão. No entanto, de acordo com dados da prefeitura do município, Protásio Frikel, conhecedor da região e de seus diversos núcleos, inclina-se pela derivação de ‘Eruzu-M’Na’ que significa “muitas praias”.

Mas a origem do município é cercada por um mito, além das histórias sobre como foi fundada. O mito envolve um indígena que se tornou padre e sua relação com a região: José Nicolino de Souza.

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A história do “padre indígena”, considerado o fundador da cidade, foi explorada por Márcio Couto Henrique, no artigo ‘Entre o mito e a história: o padre que nasceu índio e a história de Oriximiná‘, publicado pelo Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, na SciELO Brasil.

Quem foi Padre José Nicolino de Souza?

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José Nicolino de Souza é um indígena e considerado um padre civilizador, sendo sua identidade indigena quase nunca mencionada ou lembrada, segundo informações do artigo. Sua etnia é um mistério entre Macuxi e Wapixana.

Em matéria publicada no Diário Oficial do Pará, de 2 de dezembro de 1894, Gonçalves Tocantins afirmava que “O Padre Nicolino era filho de uma índia e, pois, descendente dessas pujantes tribos que em remotas eras dominaram como soberanas o rico vale do Trombetas”.

Sua descrição, feita por um de seus alunos do seminário, o padre Hosannah de Oliveira, que dizia que José tinha cabelos escuros e lisos, pele morena e um ser muito simpático, inteligente e humilde.

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O padre era considerado muito inteligente. Estudou na França, assumindo o papel de vigário de, pelo menos, duas paróquias na Amazônia. Ao ler o livro “As Três Viagens”, de Nicolino, é notório que se identificava como um “civilizado” e não citava sua ascendência indigena, e os nomeava como “gentios” e tinha sua missão, de acordo com seus discursos, de catequizar os indígenas por onde viajava.

Foi considerado o fundador de Uruá-Tapera, povoado que deu origem ao município de Oriximiná. Mas pesquisas documentais revelam que o lugar chamado Uruá-Tapera existia muito antes de o padre José Nicolino pensar em fazer suas viagens pelo rio Cuminá.

Em Oriximiná, continua a imagem do padre desbravador, mito fundador da cidade, com ares de santidade. Seus restos mortais encontram-se na igreja matriz do município. Segundo consta no diário, ele foi enterrado às margens de um igarapé, a caminho do rio Cuminá.

Oriximiná e suas histórias

No artigo, o autor destaca assim, que apesar da associação do padre com a origem de Oriximiná, que era um povoado de Uruá-Tapera, na Baixa Amazônia, ele não foi o responsável por sua fundação. “A principal evidência de que Uruá-Tapera não foi fundado por José Nicolino de Sousa é o próprio diário que ele escreveu”, aponta Henrique.

Diz-se que José Nicolino teria fundado o povoado de Uruá-Tapera aos 13 de junho de 1877, depois de ter celebrado missa no local. A matéria publicada no jornal Treze de Maio, no entanto, indica a existência do povoado 23 anos antes de o padre realizar sua primeira viagem de exploração do rio Cuminá.

Baseando‑se em fontes do século XIX — jornais, manuscritos e o diário de viagem deixado por Nicolino — o artigo confronta as narrativas míticas do padre com o que os documentos realmente revelam, inclusive o apagamento de sua origem nos povos indígenas da região.

“Independentemente de ter sido ou não o fundador do município de Oriximiná, sua trajetória histórica pode nos dar muitas lições. Nesse sentido, José Nicolino de Sousa é sinônimo de inteligência e poder de adaptação, conforme observou Rondon. Nascido índio, educado no meio civilizado, foi capaz de enfrentar os desafios de seu tempo, superando os limites da infância pobre no interior da Amazônia. Aprendeu latim e francês, estudou na capital da província e na Europa, concluindo com sucesso os estudos eclesiásticos, em um período em que muitos diziam que os índios eram incivilizáveis, capazes apenas de imitar o modo de vida civilizado”, pontua o autor. O termo ‘índio’ utilizado no artigo ocorre em virtude de ter sido escrito em 2013, antes das modificação de uso do termo para ‘indígena’.

Por outro lado, segue Henrique, “não só a trajetória de José Nicolino de Sousa, mas também o diário de suas três viagens constituem ferramentas fundamentais para se repensar ou ampliar a memória histórica da cidade de Oriximiná, no sentido de se incluir outros sujeitos na narrativa histórica do lugar. A destituição simbólica do posto de herói-fundador da cidade pode ser compensada por aquilo que ela permite em termos da construção de uma história mais inclusiva”.

Ou seja, Henrique propõe que, baseado no fato de que a povoação que veio a dar origem a Oriximiná já existia antes, formada por um complexo de sujeitos até então “silenciados” (indígenas, ribeirinhos, etc), deve-se rever os registros históricos de forma mais inclusiva, sem desconsiderar, claro, a contribuição do “padre-indígena”.

(portalamazonia)



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