Morre, aos 84 anos, o mestre da literatura policial Luiz Alfredo Garcia-Roza
Autor carioca, que popularizou o personagem do detetive Espinosa, deixa esposa e três filhos
RIO — Morreu nesta quinta-feira, aos 84 anos, o escritor Luiz Alfredo Garcia-Roza. A informação foi publicada por sua esposa, a escritora Lívia Garcia-Roza, numa rede social.
Garcia-Roza era conhecido por seus livros policiais, que costumam ter o seu personagem-fetiche, detetive Espinosa, no centro das atenções. Ele deixa a esposa e três filhos.
O escritor estava internado há um ano no Hospital Samaritano, em Botafogo, por conta de uma doença neurológica. No dia 3 de abril, havia sido transferido para uma clínica de cuidados intensivos, no mesmo bairro.
Nascido no Rio em 1936, Garcia-Roza estreou tardiamente na ficção. Professor universitário, especialista em psicanálise, publicou o primeiro romance em 1996, já com 60 anos de idade.
— Suas aulas eram uma festa intelectual — lembrou a esposa, Lívia, também escritora e psicanalista, em uma entrevista para O GLOBO em 2019. — Ele dizia: “Eu escrevo ficção, mas eu sou um professor, vivo do meu pensamento.”
A espera foi justificada: elogiado pela crítica, "O silêncio da chuva" ganhou o Jabuti no ano seguinte, na categoria romance. O livro marca a primeira aparição do detetive Espinosa, um solteirão workhalic de meia idade, que vive metido na investigação de crimes sórdidos no Rio de Janeiro. Entre 1996 e 2014, Garcia-Roza escreveu no total 12 romances, todos pela Companhia das Letras. Alguns dos mais conhecidos são "Achados e perdidos" (1998), "Uma janela em Copacabana" (2001), "Espinosa sem saída" (2006), "Céu de origamis" (2009), "Um lugar perigoso" (2014).
— Luiz Alfredo adorava seu novo ofício de escritor de romances policiais, para onde canalizava toda a generosidade que aprendera com os grandes filósofos conta Luiz Schwarcz, editor na Companhia das Letras. — Seu olhar para os personagens era esse, cheio de humanismo, como se não se pudesse ser um grande escritor de policiais sem ter sido um mestre em filosofia. O Brasil perde hoje um grande professor, um escritor exemplar, e um poço de bondade.
Com humanismo e bondade, Garcia-Roza se firmou como um dos principais autores do gênero noir no Brasil. Leitor de Raymond Chandler, Dashiell Hammett e Conan Doyle (criador de Sherlock Holmes), o carioca costumava usar o bairro de Copacabana como pano de fundo para suas histórias de crime. Seus romances apostavam também na popularidade de Espinosa, que caiu no gosto dos leitores. Culto, metódico e ético, o heterodoxo funcionário da lei foi vivido pelo ator Domingos Montagner (1962-2016) na série “Romance policial: Espinosa”. No cinema, será interpretado por Lazaro Ramos na adaptação, ainda inédita, de Daniel Filho para "O silêncio da chuva".
Assim como Garcia-Roza trocou a carreira acadêmica pela literária e a livraria cambiou de bairro, Espinosa também passou por uma mudança significativa. No início, o então inspetor trabalhava na Praça Mauá.
— O crime de “O silêncio da chuva” começa no Edifício Central, e a delegacia que atende ali é a 1ª DP. Depois concluí que o nível financeiro dele como inspetor seria muito baixo para seu padrão de vida. Por isso ele foi promovido a delegado na 12ª DP, na Hilário de Gouveia — afirma o escritor.
O bairro de Copacabana era uma atração a parte nas histórias do detetive. Muitos lugares reais da Princesinha do Mar aparecem no livro, como o restaurante Trattoria e o bar Pavão Azul, onde Espinosa gosta de fazer refeições rápidas, tomar um chope e degustar as pataniscas, o famoso petisco português feito de bacalhau.
Antes de ser hospitalizado, em março de 2019, ele deixou pronto o romance "A última mulher", também com Espinosa como protagonista, desta vez investigando um homicídio no baixo meretrício da Lapa carioca. O romance foi publicado em julho.
Autora de 16 livros, a viúva Lívia Garcia-Roza publicará em breve um romance autobiográfico, “Não sabia que nos amávamos tanto”, que fala sobre os 41 anos de vida em comum. Juntos, eles tiveram três filhas, duas netas, um bisneto e dois cachorros. E quase 30 livros.
Nos 12 meses de internação do marido, Lívia usou seu perfil no Facebook para compartilhar lembranças íntimas, fotos de família, anotações e outras reminiscências que podem ser vistos como uma espécie de diário de despedida.
No dia 26 de junho de 2019, a autora de “Cine Odeon” (2001) e “Amor em dois tempos” (2014), sobre paixão na maturidade, deu a entender que o marido estava incomunicável: “Estou com a conversa atrasada com Luiz Alfredo há quatro meses e meio... É muito tempo guardando assunto...”
Em 2 de julho do mesmo ano, voltou a tocar no assunto: “A grande dor é a da perda viva; essa sim, dilacera”. No dia 4: “De dentro do silêncio escutei sua voz: ‘eu não te esqueci”. Na manhã de ontem, domingo: “Não amadurecemos para nenhuma perda”.
Ela também ajudou a organizar uma mostra com registros fotográficos feitos pelo marido nos anos 1970. A exposição, que mostrava este lado pouco conhecido do psicanalista e escritor, deveria acontecer em março, mas foi adiada por causa do surto de Covid-19 no mundo.
Fonte: O Globo
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