OPINIÃO DE AUGUSTO NUNES - Juízes sem juízo | Notícias Tudo Aqui!

OPINIÃO DE AUGUSTO NUNES - Juízes sem juízo

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Neste agosto, o Brasil sensato é que está cismado com a tribo de Moraes

 

O ministro Luís Roberto Barroso ainda não viu nada de irregular, imoral ou ilegal nas espantosas mensagens trocadas por altos funcionários do Poder Judiciário, todos incumbidos de atender em regime de urgência aos caprichos, vontades e, em velocidade de Fórmula 1, cismas de Alexandre de Moraes. O desfile de iniquidades promovido pela série de reportagens da Folha mal começou. Mas o que já foi revelado bastou para avisar aos berros que foi devassado um dos maiores escândalos da história da Justiça brasileira. O presidente do Supremo Tribunal Federal ainda não enxergou nada de mais. Nenhuma surpresa: Barroso parece acreditar que todos os meios são justificáveis se os fins a alcançar começarem pela erradicação do bolsonarismo e seus manés perdedores. São extremistas de direita e, portanto, criminosos a enquadrar. Na parte esquerda do lado de baixo do Equador é que não existem pecados nem pecadores. Só inocentes.

Em seus tempos de advogado, por exemplo, Barroso passou dez anos recitando que o terrorista italiano Cesare Battisti, condenado em seu país à prisão perpétua por ter participado de quatro assassinatos, era um jovem idealista caçado pelo governo ultradireitista. Teve de interromper a lengalenga quando o criminoso extraditado confessou tudo minutos depois da volta ao país natal. O ministro também acredita que o estuprador João de Deus cura câncer e “extrai de nós o que temos de melhor”. Coerentemente, agora deu de jurar que Moraes — fundador e monarca da mais infame vara criminal do Brasil, condutor de sete (ou dez?) inquéritos imorais, ilegais e indefensáveis — é o salvador do Estado Democrático de Direito que trucida de meia em meia hora. “Todas as informações que foram solicitadas pelo ministro Alexandre de Moraes referiam-se a pessoas que já estavam sendo investigadas”, garante Barroso.

“Mentira”, grita o pedido feito em dezembro de 2022 pelo juiz instrutor Airton Vieira, braço direito de Moraes no STF, a Eduardo Tagliaferro, chefe do setor do TSE encarregado de “combater desinformação”. Por ordem do ministro, que então comandava a Justiça Eleitoral, Vieira anexou o link de um texto publicado pela Revista Oeste no X/Twitter à encomenda indecorosa que recebera do chefe: “Vamos levantar todas essas revistas golpistas para desmonetizar nas redes. Essas e outras do mesmo estilo”. No dia seguinte, Tagliaferro informou que, ao ler várias edições de Oeste, encontrara apenas “publicações jornalísticas”. Vieira confirmou que, para não irritar o patrão, é duro na queda e retrucou: “Use a sua criatividade… rsrsrs”. “Vou dar um jeito rsrsrs”, conformou-se o comparsa. Como a desmonetização sumiu por um longo período, algum jeito foi dado.

Como adora prender, Moraes inventou a captura em bloco, revogou a individualização da pena, instituiu o julgamento por lotes e, talvez para livrar-se de contas complicadas, resolveu que todos os réus merecem 17 anos numa cela

  As mensagens publicadas até quinta-feira, 15, revelam que a dupla tinha consciência de que agia criminosamente. Também demonstram que os assessores temiam muito mais o destempero do chefe do que punições reservadas a fabricantes de pecadores sem pecados e culpados imaginários. O material já divulgado escancara o estilo aperfeiçoado, de cinco anos para cá, pelo Supremo Juiz. Primeiro ele escolhe a vítima e decide a espécie de castigo que vai aplicar. Só depois de decidida a condenação ele ordena a subordinados que procurem algum pretexto para a ação ilegal, aciona a usina de mandados de busca e apreensão que funciona 24 horas por dia, e determina prisões preventivas ou temporárias sem prazo para terminar. O condenado sem julgamento logo fica sabendo que a cela só será aberta por uma delação premiada que confira alguma veracidade à fantasia do golpe executado por civis desarmados, orientado por uma minuta, alimentado por um carrinho de algodão-doce. O regime prisional pode ser abrandado por meia dúzia de revelações que incriminem o ex-presidente Jair Bolsonaro. Ou ao menos um punhado de pistas que levem ao “gabinete do ódio”, um perigo especialmente sinistro que permanece desde 2020 em lugar incerto e não sabido.

Como adora prender, Moraes inventou a captura em bloco, revogou a individualização da pena, instituiu o julgamento por lotes e, talvez para livrar-se de contas complicadas, resolveu que todos os réus merecem 17 anos numa cela. Um invasor do Palácio do Planalto foi filmado destruindo o relógio de grande valor histórico? Dezessete anos. Uma jovem mãe de duas crianças usou o batom para escrever num monumento a frase “Perdeu, Mané”? Dezessete anos. Alguém agoniza lutando contra um câncer? Os 17 anos só serão encurtados pela morte. Um morador de rua, que por decreto do Supremo não pode ser removido do espaço público que ocupa mesmo se o destino for um abrigo público, resolveu zanzar pela Praça dos Três Poderes justo naquele 8 de janeiro? Esse não escapou da cela em que dormiu por um ano e meio. Mas ao menos foi liberado dessa pena-padrão, que vem sempre acompanhada pela multa que os condenados só poderiam pagar se fossem autorizados a assaltar um banco.

O ministro gosta tanto de confiscar o direito de ir e vir que acabou parindo a “meia liberdade”. Quem é solto por inexistência de provas de culpa continua prisioneiro de restrições humilhantes, abusivas, desnecessárias e, sobretudo, perversas. A menos que assinem um documento em que assumem a autoria de crimes não praticados, os liberados do presídio viram prisioneiros da medieval tornozeleira eletrônica. Têm de apresentar-se a alguma autoridade no fórum da comarca, não podem sair de casa no período noturno, nem têm acesso a redes sociais. Até quando? Ninguém sabe. Tudo somado, está claro que Moraes odeia libertar, sobretudo quando o nome no alvará de soltura figura na lista dos perseguidos preferenciais.

Num diálogo com Tagliaferro também eternizado em áudio, Vieira referiu-se a uma escura marca de nascença. “Ele cismou com esse caso, e quando ele cisma é uma tragédia”, disse o braço direito do Primeiro Carcereiro. Moraes anda cismado com meio mundo, mas seu fígado provavelmente lateja quando lida com perseguidos preferenciais. O ex-deputado Daniel Silveira é um deles. Outro é Filipe Martins, ex-assessor para Assuntos Internacionais de Jair Bolsonaro. Acusado de ter viajado para os Estados Unidos no fim do ano passado em companhia do ex-presidente, Martins ficou seis meses num presídio no Paraná. O abundante acervo de provas acumulado em meio ano — cópias de passagens aéreas, recibos de Uber, notas fiscais, documentos da Latam, até mesmo um informe oficial do governo americano — comprovou que Martins não embarcara com Bolsonaro nem dera as caras nos Estados Unidos. Ficara com sua mulher em Ponta Grossa, no Paraná.

Depois de dois pareceres favoráveis da Procuradoria-Geral da República, Martins conseguiu o alvará de soltura neste 9 de agosto. A tornozeleira avisa que ele saiu da cadeia, mas não está em liberdade. Na próxima edição, os leitores desta coluna saberão como é o cotidiano de alguém com quem Moraes cismou. Até lá, ele terá de contornar a catarata de irregularidades divulgadas pela Folha. Não são poucos os que há cinco anos cismam com Moraes. Depois desta semana, serão contados em milhões os brasileiros inconformados com a tirania do Judiciário — e sem paciência para continuar esperando a restauração da plena democracia.

(revistaoeste)


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