| 
			 
  | 
			
			 
  | 
		
“Alei sou eu”, grita o desempenho do ministro Alexandre de Moraes no que certamente seria seu derradeiro agosto no Supremo Tribunal Federal se fosse verdade que, como vivem recitando os figurões da República, as instituições estão funcionando perfeitamente. Haja cinismo. O Executivo e o Legislativo continuam fingindo que nem notaram a mudança na paisagem: entre o começo de 2019 e este agosto inverossímil, o Judiciário confiscou atribuições alheias, tornou-se uma entidade política e, para normalizar a anormalidade, instalou a ditadura do Judiciário, chefiada por Alexandre de Moraes. Como se verá nas manifestações do Sete de Setembro, milhões de brasileiros estão inconformados com os abusos, delinquências e desmandos protagonizados por superjuízes de novela mexicana. Essa imensidão de gente desdenhada pelo consórcio no comando acompanhou com perplexidade e asco a pedagógica série de reportagens publicadas pela Folha de S.Paulo a partir do dia 13, assinadas pelos jornalistas Glenn Greenwald e Fabio Serapião. Quem tem mais de cinco neurônios juntou-se de imediato ao coro que exige a restauração da democracia desenhada pela Constituição de 1988.
Lula e seus ministros não deram um pio sobre o escândalo. Absorvida por negociações sobre o tamanho e o modelo das emendas parlamentares, a maioria dos deputados e senadores está ocupada demais com as eleições municipais. Juram que não houve tempo para examinar as revelações amparadas em mensagens e áudios enviados por WhatsApp. Os demais integrantes do Timão da Toga não viram nada de mais nas informações que escancaram ações indecorosas do grupo formado por Moraes depois de ter transformado numa coisa só os porões do STF e do Tribunal Superior Eleitoral. Ao longo de 2023, como provou a Folha, os juízes-auxiliares Airton Vieira e Marco Antônio Vargas, diretamente subordinados a Moraes, foram incumbidos de caçar justificativas para punições já decididas pelo carrasco compulsivo. Nessa missão, a dupla de magistrados contou com a ajuda do perito forense Eduardo Tagliaferro, chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE. Se o alvo figurasse na lista dos perseguidos preferenciais, qualquer suspeita virava prova robusta. Caso não surgissem sequer vestígios de culpa, os investigadores que costurassem alguma fantasia.

“Moraes usou TSE fora do rito para investigar bolsonaristas no Supremo”, murmurou a manchete da reportagem que abriu a série. É provável que, a cada cem leitores, 99 ignorem o que significa “fora do rito”. Que tal substituir a misteriosa expressão por um claríssimo “ilegalmente”? Tranquilizados pela timidez da Folha e pelo silêncio dos prisioneiros do medo, Moraes e seus aliados iniciaram a contraofensiva no mesmo dia 13. Numa sessão do STF, o vilão da história jurou que nenhum rito caíra fora dos trilhos. Uma toga solidária confirmou que as normas legais não tinham sofrido um único arranhão. Outro eminente colega garantiu que todos os nomes mencionados no material obtido pela Folha engrossavam havia muito tempo a imensa freguesia da maior vara criminal do planeta. Descobriram em poucas horas que haviam derrapado na afoiteza.
No dia 14, o segundo capítulo da série revelou que o perito Tagliaferro, encarregado de garimpar motivos para que Oeste fosse desmonetizada pelo YouTube, atreveu-se a enxergar apenas “publicações jornalísticas” no que vira ao longo de minuciosas inspeções. O problema foi resolvido num diálogo resumido em duas frases encerradas com risos eletrônicos: “Use sua criatividade rsrsrs”, sugeriu o juiz Vieira. “Vou dar um jeito rsrsrs”, rendeu-se o perito. Permanece desconhecido o jeito que deu. O que se sabe é que a desmonetização chegou poucas semanas depois e só se retirou muitos meses mais tarde. Esse episódio conduz à constatação perturbadora: o ministro que sempre dispensou provas de culpa para punir alguém agora também se vale de provas fabricadas ou adulteradas para castigar inocentes.

Numa genuína democracia, o mais arrogante dos togados e seus doutores em vassalagem já estariam à procura de outro emprego. Num Brasil algemado pela tirania dos togados (codinome “democracia relativa”), o Supremo Ministro não perdeu tempo com explicações sobre as delinquências devassadas nas catacumbas do Judiciário. Neste 17 de agosto, por exemplo, a Folha contou que os parteiros de bandalheiras examinaram com carinho a ideia de escalar um jagunço para raptar Allan dos Santos, e trazer de volta o jornalista brasileiro cuja extradição foi sumariamente rejeitada pelo governo americano. No dia 21, abriu mais um inquérito sigiloso, agora para descobrir quem e como vazara o acervo de documentos divulgados pela Folha. O que pretendia era quebrar o sigilo da fonte, assegurado pela Constituição. Se quisesse esclarecer os detalhes dos crimes, nem precisaria sair de casa. Bastaria ligar um gravador e confessar tudo o que fez.
Para Moraes, foi um agosto e tanto. Além de lidar com as bandidagens que apadrinhou, encontrou tempo para piorar a vida dos brasileiros que tropeçaram no seu reino. No dia 27, por exemplo, proibiu a Folha de entrevistar Filipe Martins. Acusado de ter feito uma viagem que não existiu, o ex-assessor para assuntos internacionais de Jair Bolsonaro ficou preso seis meses. Ao constatar que não conseguiria o que efetivamente procurava — uma delação premiada que atribuísse qualquer crime, contravenção ou pecado ao ex-presidente —, o recordista mundial de encarceramento em massa concordou em mandar Martins para casa, mas sem devolver ao perseguido preferencial o direito de ir e vir. Com uma perna aprisionada pela tornozeleira eletrônica, Martins não pode sair de casa durante a noite e nos fins de semana. (Nos seus tempos de hóspede da Polícia Federal em Curitiba, Lula concedia entrevistas uma vez por semana e trocava ideias com Janja no tempo restante. Martins só pode abrir a boca com parentes. Em casa.)
Na manhã do dia 28, sempre convencido de que certidão de casamento é prova de delito grave, Moraes derrubou as redes sociais da advogada Paola Silva, mulher do ex-deputado Daniel Silveira, que também teve o passaporte cancelado. Caso descumpra alguma exigência, Paola pagará uma multa diária de R$ 200 mil. À noite, o Supremo Vigilante ordenou ao governo do Rio de Janeiro que submetesse Daniel Silveira a um “exame criminológico”. Entre uma violência e abuso, o ministro resolveu concentrar-se no duelo com Elon Musk, que reiniciara no dia 18 com outro monumento à insanidade. Como ambas as empresas pertencem ao empresário inimigo, Moraes bloqueou recursos da Starlink a pretexto de assegurar o recebimento das multas que andou aplicando ao X, antigo Twitter. O dia 28 nem acabara quando o artilheiro a serviço da nada santa inquisição resolveu superar-se: usou a página do STF no X para exigir que Musk nomeie um novo representante no Brasil em no máximo 24 horas.
(jornaldacidadeonline)
