
Redação, 21 de julho de 2025 – O avanço de facções criminosas no Brasil tem dado novos contornos ao que especialistas e autoridades passaram a chamar de “justiça paralela”. Um dos exemplos mais alarmantes vem do Mato Grosso (MT), onde criminosos têm estabelecido estruturas de julgamento e punição conhecidas como “tribunal do crime” — agora em formato ainda mais violento e sistemático, apelidado por investigadores como o “tribunal do sangue”.
A imprensa conversou com o delegado Igor Sasaki, titular da Delegacia de Tangará da Serra (241 km de Cuiabá), que relatou com exclusividade detalhes de operações e ações inéditas realizadas por facções para manter o controle interno e disciplinar seus membros e adversários. “Eles estão mais organizados, destemidos e operam com lógica própria, como se fossem um Estado paralelo”, afirma Sasaki.
Rituais de punição: do "salve" à execução
As facções utilizam uma espécie de código penal interno, baseado em sua interpretação deturpada de regras e "valores". Os castigos — conhecidos como “salves” — envolvem tortura física, psicológica, espancamentos, e, nos casos mais extremos, execuções sumárias. A prática é aplicada contra membros que descumprem ordens, “quebram o código”, ou são acusados de traição.
Os julgamentos são realizados em locais isolados, muitas vezes filmados e compartilhados internamente como forma de intimidação. “Eles pressionam, interrogam, decidem e executam — tudo à margem da lei e da dignidade humana”, destaca o delegado.
Um "fórum do crime" estruturado
Segundo Sasaki, há registros de que algumas dessas sessões contam com a presença de mais de um criminoso responsável por "julgar" o acusado, uma simulação grotesca de estrutura judiciária formal. “A linguagem, os rituais e até a divisão de funções entre os algozes seguem padrões claros de organização. É uma versão sombria da justiça oficial”, alerta.
O fenômeno não é novo, mas vem se expandindo para além dos grandes centros urbanos. No interior do Mato Grosso, facções antes restritas aos presídios agora comandam ações diretas nas ruas, intimidando comunidades e desafiando as instituições.
Especialistas veem risco de normalização
Welliton Caixeta Maciel, doutor em Direito e pesquisador do Grupo Candango de Criminologia da UnB, alerta que a institucionalização dessa “justiça paralela” é um sinal claro de que o Estado precisa reagir. “É uma prática que cria uma ética criminosa própria, análoga ao sistema judicial formal, mas imposta pelo medo e pela força”, afirma.
Maciel ressalta que a banalização desses julgamentos clandestinos pode gerar uma perigosa naturalização do crime entre populações vulneráveis, especialmente em áreas onde o Estado está ausente ou atua com falhas crônicas.
O desafio das forças de segurança
Apesar das dificuldades, o delegado Sasaki afirma que a Polícia Civil tem intensificado o trabalho de inteligência, monitoramento e repressão a essas práticas. Prisões, infiltrações e ações coordenadas com o Ministério Público têm gerado resultados, mas o combate continua desigual diante da sofisticação e da brutalidade das facções.
“O que enfrentamos não é só criminalidade comum, mas uma estrutura organizada que busca substituir o Estado e legitimar o medo como forma de poder”, conclui Sasaki.
A expansão dos “tribunais do crime” impõe um desafio urgente às instituições brasileiras: reforçar a presença do Estado nas periferias, avançar em inteligência policial e impedir que o terror se torne a nova norma.
Fonte: noticiastudoaqui.com