Segredos da bandeira do Brasil que você nunca aprendeu na escola



A bandeira do Brasil é uma imagem onipresente em nosso cotidiano, mas vive uma estranha contradição: entre o esquecimento e a apropriação. Vemos o símbolo, mas não o enxergamos. Desconhecemos que ele é um manifesto positivista, um projeto de país encapsulado em tecido.

O apagamento quase completo do Dia da Bandeira, em 19 de novembro, é um sintoma dessa profunda amnésia cívica. Ao mesmo tempo, o símbolo é capturado por diferentes espectros políticos, fragmentando a unidade que deveria promover. Ignoramos que cada detalhe em seu design foi palco de batalhas ideológicas. Os “segredos” a seguir não são meras curiosidades; são chaves para destravar a complexa identidade brasileira, suas crises e suas aspirações.

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Prepare-se para descobrir que a bandeira que você aprendeu a desenhar na escola é muito mais do que um retângulo verde com um losango amarelo. Ela é um mapa do céu, um tratado de filosofia e um registro de nossas esperanças.

1. A REPÚBLICA BRASILEIRA QUASE NASCEU COMO UMA CÓPIA DOS EUA

Por quatro dias, o Brasil teve uma bandeira radicalmente diferente. Com a Proclamação da República em 15 de novembro de 1889, um pavilhão provisório, desenhado por Ruy Barbosa, foi hasteado. O design era uma imitação quase literal da bandeira dos Estados Unidos: 13 listras, mas nas cores verde e amarela, e um cantão azul com 21 estrelas.

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A rejeição foi imediata e visceral. Para os militares nacionalistas e intelectuais positivistas que formavam a vanguarda do novo regime, o desenho era um inaceitávelato de subalternidade cultural. A crítica era feroz: como a nova República poderia nascer como um mero mimetismo dos “Estados Unidos do Norte”? A crise de identidade durou pouco. Em 19 de novembro, o Decreto nº 4 instituiu a bandeira que conhecemos hoje, num verdadeiro grito de soberania estética e política, afirmando o desejo por umaidentidade autêntica e cientificamente fundamentada.

2. ‘ORDEM E PROGRESSO’ É UMA FRASE MUTILADA. A PALAVRA MAIS IMPORTANTEFOI REMOVIDA

A famosa inscrição na faixa branca é, na verdade, uma versão editada de um lema muitomais profundo da filosofia positivista de Auguste Comte, o motor ideológico por trás dabandeira. O lema completo é: “O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por fim.”

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A remoção da palavra “Amor” transformou radicalmente o sentido da frase, o quemuitos consideram uma “falha genética” em nosso símbolo máximo. O que era para seruma tríade equilibrada tornou-se um lema frio, tecnocrático e, em seu potencial, autoritário, focado apenas na disciplina (Ordem) e no desenvolvimento material (Progresso). Metaforicamente, vivemos até hoje a vingança dessa omissão: uma sociedade que busca a Ordem sem o Amor tende ao autoritarismo; uma que busca o Progresso sem o Amor tende à desigualdade brutal.

3. AS ESTRELAS REPRESENTAM O CÉU DO RIO, MAS DE UMA PERSPECTIVA IMPOSSÍVEL

A busca por uma identidade autêntica não se contentou com a política; ela se projetou no cosmos. A bandeira buscou sua legitimidade na ciência, na astronomia. A esfera azul não é um céu estrelado qualquer: é um retrato astronomicamente preciso do céu sobre o Rio de Janeiro, às 8h30 da manhã de 15 de novembro de 1889, o momento exato em que a República foi proclamada.

Mas o detalhe mais fascinante é a perspectiva. As estrelas não estão dispostas como asveríamos da Terra, olhando para cima. Elas estão invertidas, como se um observadores tivesse fora da esfera celeste, no espaço, olhando para o globo terrestre através das constelações. Essa escolha tem um simbolismo poderoso: foi uma tentativa de sacralizar a República, de mostrá-la não como um simples evento terreno, mas como umarealidade inscrita na “ordem eterna do universo”, validada pela ciência.

4. A CAPITAL DO BRASIL É REPRESENTADA POR UMA ESTRELA FRACA E DISCRETA, EISSO É PROPOSITAL

Cada estrela na bandeira representa um Estado da federação. A que simboliza o Distrito Federal, no entanto, não é uma das mais brilhantes ou famosas. É a Sigma Octantis, umaestrela de brilho tão fraco que é quase invisível a olho nu.
Por que essa escolha? Porque a Sigma Octantis é a estrela do Polo Sul Celeste. Assim como a Polaris no hemisfério norte, todas as outras estrelas do céu austral parecemgirar ao seu redor. O simbolismo é de uma genialidade discreta: o papel do Poder Central (Brasília/Distrito Federal) não é ser o mais chamativo ou vistoso, mas o eixo estabilizador, o ponto fixo que coordena e dá harmonia a toda a União.

5. EXISTE UM RITUAL SAGRADO PARA ‘APOSENTAR’ BANDEIRAS, E ELE ENVOLVEFOGO

O que você faz com uma bandeira do Brasil que ficou velha, rasgada ou desbotada? A maioria a jogaria no lixo, mas isso é tecnicamente ilegal. Segundo a Lei nº 5.700/71,bandeiras inservíveis têm um destino específico e solene.

Elas devem ser entregues a uma unidade militar. Ali, ao meio-dia de 19 de novembro, no Dia da Bandeira, são cerimonialmente incineradas. Esse ritual de cremação confere ao símbolo um status quase humano, sagrado. O desconhecimento geral sobre essa prática é um sintoma da profanação cotidiana de nossos valores. Mais do que uma formalidade, o rito de incineração ensina que mesmo no fim de sua utilidade, a nação e seus símbolos merecem dignidade, um valor essencial em uma sociedade que muitas vezes descarta seus idosos e sua memória histórica.

UM SÍMBOLO À ESPERA DE SER REDESCOBERTO

Como vimos, nossa bandeira é muito mais do que um pedaço de pano. É um repositório de nossa história, um compêndio de filosofia e um espelho das aspirações e conflitosque moldaram o Brasil. Cada detalhe foi pensado para comunicar uma visão de mundo.

Democracias não sobrevivem apenas com leis e tribunais; elas precisam de uma “alma”,de um substrato emocional que una seus cidadãos em um destino comum. A bandeira é a representação visual desse laço invisível. Ao redescobrir os significados profundos da nossa bandeira, não estaríamos também redescobrindo um caminho para entender melhor o próprio Brasil e o nosso papel como cidadãos?

Sobre o autor

Ranulfo José Prado. Doutorando em Direito Público pela Universidade de Coimbra – Portugal. Mestre em Ciências Jurídico-Políticas – Menção em Direito Constitucional – pela Universidade de Coimbra – Portugal. Pós-Graduado pela Faculdade Processus de Direito – Brasília/DF. Graduado em Direito pelo Centro de Ensino Unificado de Brasília/DF – CEUB (1999). É Analista Judiciário do Supremo Tribunal Federal, Coordenador do Curso de Direito da Faculdade Republicana e Professor de Direito Constitucional da Faculdade Republicana – Brasília/DF e da União Pioneirade Integração Social – UPIS – Brasília/DF.

*Os artigos publicados no Portal Republicanos são de responsabilidade de seus autores

Foto: cedida



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