OSCAR 2021 - Críticos e pesquisadores analisam os indicados ao Oscar 2021
A convite da reportagem do Magazine, eles fizeram pontuações sobre o anúncio dos filmes e atores que vão concorrer este ano
O celebrado "Mank", filme de David Fincher, acabou liderando o páreo, com nada menos que dez indicações, incluindo as cobiçadas de melhor filme e diretor. Mas foi por meio de outros títulos que o anúncio dos indicados ao Oscar, feito na segunda-feira pela manhã, diretamente de Los Angeles, confirmou a tentativa de a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, ir ao encontro das pautas mais pulsantes mundo afora, neste momento. Assim, pela primeira vez, há, por exemplo, duas mulheres indicadas ao prêmio de Direção, sendo uma delas - a chinesa Chloé Zhao, de "Nomadland", a primeira dita não branca a ser indicada na categoria em 93 anos de premiação. Já Emerald Fennell, de "Bela Vingança", é a primeira estreante a concorrer na categoria. O poderio das mulheres também foi ratificado pela presença da coreana Yoon Yeo‑jeong no rol das nominadas a atriz coadjuvante.
A cineasta mineira (radicada na Bahia) Lilih Curi, diretora da Mostra Lugar de Mulher é no Cinema, recebeu de maneira bastante positiva essas indicações. "São resultado de uma pressão feminista mundial. Nós, mulheres, devemos ser respeitadas em qualquer espaço profissional, e no cinema não é diferente", diz ela, que acredita que as indicações são um farol, "um termômetro da pressão por mudança de toda uma classe artística, capitaneada pelos inúmeros levantes feministas que vivenciamos nos últimos anos em vários países".
Lilih lembra que o Oscar, bem ou mal, representa o pensamento da maior indústria do mundo. "Se o prêmio atualiza as suas 'verdades', o resto do mundo que se espelha nos americanos tende a se atualizar também", diz ela, ainda que ressalvando que falta muito. "Temos que ficar atentas se isso não é uma especie de prêmio-cala-boca, para as mulheres ficarem quietinhas... Nós queremos o reconhecimento por inteiro, é mais do que insuportável sermos silenciadas e ficarmos na invisibilidade", advoga. "Esse negócio que move milhões de dólares tem esse plano sexista e o plano racista por trás também. Então, para derrotar magnatas - brancos, cis e héteros - ainda vai ser preciso muita batalha".
Thiago Siqueira Venanzoni, professor de audiovisual do Centro Universitário FMU Fiam-Faam, e que desenvolve tese sobre a questão da diversidade como emblema nas produções e circulações audiovisuais, por sua vez, atenta para o grande número de indicados ao Oscar deste ano ter vindo de plataformas de streaming. "A pandemia, por si só, alterou muita coisa, evidentemente. Um primeiro reflexo é um recorde de produções que foram veiculadas no streaming, que foi o lugar encontrado para serem exibidas. Netflix, Prime, Hulu e várias outras plataformas estão aí, concorrendo nas principais categorias. Mesmo pensando a Disney, que agora tem a sua própria plataforma, e que também tem filmes concorrendo em categorias técnicas ou na animação".
Um segundo ponto, levanta ele, é o fato de, dentre os concorrentes, constar um grande número de produções que, nos EUA, são chamadas de "independentes". "A partir dos anos 2000, no Oscar, a gente viu a queda dos grandes estúdios e suas variáveis, vinculadas à presença de produções que circulavam num circuito mais alternativo, de mostras, festivais, etc. Muitas delas chegaram ao Oscar como 'azaronas', mas acabaram premiadas", diz ele, citando "Moonlight - Sob a Luz do Luar" (2016). "Que desbancou 'La La Land', produção muito vinculada aos grandes estúdios, na categoria Melhor Filme. E nesse ano, a gente tem, entre as categorias principais, várias dessas produções. Mesmo 'Mank', principal concorrente e que talvez se vincule mais a uma produção clássica, também é da Netflix, que tem um processo menos industrial, podemos dizer assim, ainda que também seja. Mas ele também está vinculado a essa circulação (alternativa). Poderia estar, e esteve, em outros festivais, e o David Fincher é um produtor e diretor que circula neste espaço independente. Mas você tem (entre os indicados) obras como 'Nomadland' que são mais independentes de fato".
Sobre a maior diversidade entre os indicados, o jornalista e crítico Gabriel Araújo, um dos fundadores do Cineclube Mocambo (direcionado a reunir obras do cinema negro brasileiro e do cinema afrodiaspórico), explana: "Por mais que eu sinta a falta do fundamental 'Da 5 bloods', de Spike Lee, vejo com bons olhos essa abertura da Academia por uma maior diversidade entre os nomeados. Não se trata apenas de discutir representação e representatividade - o que muitas vezes pode significar uma armadilha -, mas sim de reconhecer grandes filmes que, por apontarem para outras existências e visões de mundo, costumavam ficar de fora dessas listas de premiação".
E diz ter ficado feliz com as nomeações de "Judas e o Messias Negro" e "A Voz Suprema do blues". "Para além de serem ótimos filmes dirigidos por pessoas negras, acho que têm um importante papel de recuperar histórias de pessoas importantes para a cultura negra norte-americana - o próprio Fred Hampton, jovem líder dos Panteras Negras, assassinado no final da década de 1960, e uma das primeira cantoras afro-americanas de blues, a Ma Rainey".
Gabriel Araújo também acha importante citar a nomeação de melhor ator para o último papel de Chadwick Boseman no cinema. "De certa forma, ouso dizer que acabou roubando o próprio protagonismo da Viola Davis ("A Voz Suprema do Blues"). É impressionante o modo como se movimenta e faz girar todas as engrenagens e os personagens do filme, quase como se estivesse ciente da grandiosidade que esse papel teria".
Vítor Miranda, coordenador do Cine Humberto Mauro, arremata: "Realmente, esse ano está mais diverso (no que tange a indicações), mas não considero isso uma grande surpresa, não. Acho que é um plano que a Academia vem traçando já há alguns anos em resposta a movimentos como Oscar So White, Black Lives Matter (esse, mais recente) e o MeeToo. Para realmente tentar refletir a diversidade da indústria cinematográfica, em julho do ano passado, convidaram novos membros votantes: 819. Desses, 45% são mulheres, 36% de minorias etnico-raciais e 49% de 68 países que não os EUA. Então, realmente existe um plano para o Oscar deixar de ser uma premiação engessada, branca, masculina, como sempre foi, para realmente refletir a indústria cinematográfica como ela hoje é".
Em relação às indicações, Vítor Miranda também não considerou haver grandes surpresas. "O Oscar, na verdade, sempre reflete uma jornada de premiações que está acontecendo. Acho que a maior surpresa, a meu ver, foi a indicação de Thomas Vinterberg Thomas a Melhor Diretor. Estava esperando a indicação da Regina King - e, aí, seriam três mulheres indicadas na direção - ou do Aaron Sorkin, mas optaram pelo dinamarquês, que, na verdade, é um diretor consolidado, tem uma carreira grande aí desde os anos 90. É interessante a indicação dele", acentua, ainda que opinando ser Chloé ("Normadland") a favorita para essa categoria.
Já para Melhor Filme, ele apostaria suas fichas em "Os 7 De Chicago", de Aaron Sorkin. "Porque o Oscar, ele está tentando inovar, está tentando ser diverso, mas existe um certo limite, na minha opinião. Então, normalmente, quando eles inovam um ano na categoria melhor filme, no ano seguinte, tendem a ser mais conservadores, a premiar um filme que é um pouco mais aceito como melhor filme. Exemplo: ano passado, a gente teve o 'Parasita', mas, no anterior, 'Green Book', que foi um balde de água fria em quem queria que 'Pantera Negra' fosse premiado, ou 'Roma', ou outros filmes que fossem mais ousados e que estavam indicados em 2019. Então, mesmo 'Os 7 de Chicago' não estando indicado na categoria Melhor Direção, ele pode ser premiado por esse motivo, pois, acho, é difícil inovar nesta categoria principal em dois anos seguidos".
Vítor rememora que não seria a primeira vez que filmes que não foram indicados a Direção ganhariam como Melhor Filme. "Caso de 'Argo' e o próprio 'Green Book', inclusive, duas vitórias muito questionadas. Então, o Oscar também pode surpreender a gente na escolha mais conservadora, que, na minha opinião, seria a de 'Os 7 de Chicago', que é um filme que traz um tema social importante, mas que ainda é um filme formatado para uma audiência do Oscar, enquanto 'Nomadland' tem um caráter um pouco mais independente e menos hollywoodiano, digamos".
No entanto, se a vencedora for uma mulher, Thiago não ficará necessariamente surpreso. "Quando você pensa em duas diretoras mulheres concorrendo, e diretoras que também atuaram como produtoras-executivas, nos seus processos de construção de obra etc; a gente também está pensando numa perspectiva de que novas narrativas sobre gênero vão ser colocadas. Claro, outras diretoras que já concorreram ao Oscar nesta categoria não necessariamente trabalharam com tema de gênero, mas não é o caso aqui", repassa ele. O pesquisador chama a atenção para o fato de que o Oscar pode ser um espaço de multiplicidade dessa pluralidade e dessa diversidade, aos moldes de outros festivais e mostras de estatura, como Cannes, Veneza ou Berlim, por exemplo.
"Desde 2005, 2006, esse debate sobre a questão da diversidade frente a uma espécie de tsunami global tem se colocado em outros espaços do setor cultural", marca Thiago. "Ele (setor cultural) se tornou o mais diverso dos anos 2000 pra cá, com esse debate que a gente chama de 'mais interseccional', que vincula-se a classe, raça e gênero, muitas vezes articulado, ou, em outras vezes, a partir de algumas perspectivas desses processos, tanto do ponto de vista social, cultural quanto também do da intelectualidade, que vai também 'corroendo', no bom sentido, entrando nestes meandros da própria construção de narrativa, discursiva, dos processos de circulação, de quem assiste a essas obras, da demanda do público".
Não à toa esse debate também aparece nos ditos filmes de grande estúdios, nas narrativas da Disney, nas narrativas de heróis - Capitão Marvel, Mulher-Maravilha etc. "Provavelmente, ano que vem vamos estar falando novamente (sobre novas conquistas), porque, a cada ano, algum tabu ou marca, digamos assim, será ultrapassado. Desde 'Moonlight' ficou mais evidente que esse caminho é meio sem volta. Aliás, quando (essas discussões) chegam no Oscar, é porque a coisa já está em outros espaços, em outras circularidades, em outros lugares, já está muito desenvolvida ou muito debatida. O Oscar, na verdade, acaba sendo uma espécie de 'fim desse processo' que a gente já identifica em outros espaços", prossegue Thiago, para, na sequência, arrematar. "Quem sabe daqui a dez, 20, 30 anos, a gente pode estar falando que o Oscar de 2021 tem esses marcos colocados em relação às suas produções e também a respeito da diversidade que eu acho que de fato é o foco principal".
(O Tempo)
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