Parece que foi ontem

ColunistaRudiney Prado

Parece que foi ontem. Foi ontem que as espinhas eram um problema. Foi ontem que eu me espelhava em alguém que não era eu. Ontem eu não me reconhecia. Vestia as roupas que eram apropriadas para ocasião. Hoje prefiro a ocasião em que me dispo de tudo que aperta, sufoca, formata, enquadra.

Hoje sou meu próprio quadro. Tela pintada com as cores da minha palheta de daltônico, e daí? Sou poema autoral escrito por um disléxico. E poucos sabem me ler. Tudo bem, foi ontem que eu me importava com a opinião dos outros. Ficava no canto que me cabia. Ou que achava que me cabia. Hoje acho que não caibo nessa vida que já tem mais de fim do que de começo.

Hoje eu sei que moro num endereço provisório. Um tal planeta terra que estamos destruindo. Estou indo no meu passo para algum lugar que é logo ali. Ou será distante?

Sem resposta, moro no instante. Nesse agora que é dúvida, dádiva e dívida. Hoje sei que não precisamos saber de tudo. Nunca saberemos. Os mistérios são caminhos de um ir sem fim.

Hoje sei também que devemos agradecer o amor e a dor que encontramos. Essa é uma parte difícil. Entender que tudo é encontro nessa vida. Especialmente os desencontros. Neles encontramos a nós mesmos. Iluminamos nosso rosto na escuridão.

A dor, diferente do poema perfeito, não é bela, mas é útil. É uma pedagógica fatura a ser paga. Em quantas parcelas?

Esse é outro mistério. E por falar em mistérios, fiz 58 anos há uns dias. Mas quanto tempo tem a nossa velha alma? Se alguma dívida não for paga no tempo, voltarei a esse mundo que, ao que tudo indica, caminha pra extinção? Se assim for, pago noutro endereço? Meus novos encontros e desencontros serão com seres extraterrenos? Melhor não pensar nisso. Não hoje.

Rudney Prado